EMENTA: ASSOCIAÇÃO. REPRESENTAÇÃO DOS ASSOCIADOS. EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 5º, XXI, DA CONSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS PREVISTOS NA LEI CIVIL E NO PRÓPRIO ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO QUE SE MANTÉM. Nos termos do art. 5º, XXI, da Constituição, as associações podem representar os seus associados em juízo, desde que devidamente autorizados. Entende-se que essa autorização deve observar o que prevê a lei civil e o Estatuto da própria associação. Ausente algum requisito, merece ser mantida a sentença que extinguiu sem resolução do mérito o processo.

REPRESENTAÇÃO DOS ASSOCIADOS POR SUA ASSOCIAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS NÃO HOMOGÊNEOS. ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO (ANUÊNIOS/QUINQUÊNIOS), HORAS EXTRAS, ADICIONAL NOTURNO E REFLEXOS. REFLEXOS DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE OU DE PERICULOSIDADE SOBRE AS HORAS EXTRAS, O ADICIONAL NOTURNO E AS HORAS REDUZIDAS NOTURNAS. INVIABILIDADE DE DISCUSSÃO, NUMA ÚNICA AÇÃO, DE TODAS ESSAS PECULIARIDADES. Por mais ampla que seja a legitimidade concedida às associações para atuação na defesa coletiva de direitos individuais, ela não transpõe os óbices que, na prática, ocorrem em determinadas postulações, que não se enquadram na categoria de direitos individuais homogêneos. Os pedidos, no caso não são viáveis, por tratar-se de direitos individuais puros (heterogêneos), ou até mesmo de direitos subjetivos de caráter personalíssimo, cuja apreciação depende da análise individuada de cada relação contratual. Similitude com a previsão do parágrafo único do art. 46 do CPC.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 29ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DO GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO - ASERGHC e recorrido HOSPITAL FÊMINA.

 

Contra a sentença das fls. 1.617-1.620, de lavra da Juíza Rita Volpato Bischoff, que acolheu a arguição de carência de ação, feita na defesa, e extinguiu o processo sem resolução do mérito, interpõe recurso ordinário a Associação-autora às fls. 1.623-1.637. Pretende que, reconhecida sua legitimidade ativa ad causam para representar judicialmente os seus associados na presente ação, ou para promover sua substituição processual, se determine a baixa dos autos à instância de origem para a prolação de novo julgamento, superada a prefacial. No mérito, caso se entenda por aplicar o art. 515, § 3º, do CPC, busca a condenação do Hospital-reclamado ao pagamento de: a) adicional por tempo de serviço (anuênios/quinquênios), horas extras, adicional noturno, horas noturnas e reflexos; b) reflexos do adicional de insalubridade ou de periculosidade sobre as horas extras, o adicional noturno e as horas noturnas reduzidas; c) honorários de assistência judiciária; d) juros e correção monetária. Busca, ainda, citando jurisprudência, a concessão do benefício da gratuidade da justiça, a fim de que se a dispense do pagamento de qualquer despesa processual, com a devolução das custas processuais pagas, mediante requerimento junto à Receita Federal.

 

São apresentadas contrarrazões às fls. 1.644-1.668, acompanhadas dos subsídios jurisprudenciais das fls. 1.669-1.695.

Processo não sujeito a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

 

CONHECIMENTO

            Tempestivo o apelo (fls. 1.623-1.637), regular a representação (fl. 15), custas processuais recolhidas (fl. 1.638) e depósito recursal inexigível, encontram-se preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade. Os procuradores do Hospital-reclamado encontram-se habilitados às fls. 64-65.

 

1. CARÊNCIA DE AÇÃO POR ILEGITIMIDADE ATIVA

            Não se conforma a Associação-recorrente com a extinção do processo sem resolução do mérito, por carência de ação. Diz equivocado o Juízo de origem ao acolher a prefacial de ilegitimidade ativa arguida na defesa do Hospital ora recorrido. Afirma possuir, sim, legitimidade para representar os seus associados, mediante Ação Coletiva Ordinária, conforme prevê, inclusive, o seu Estatuto, no art. 4º. Tendo havido a realização de Assembleia Geral para a deliberação do ajuizamento da ação, estaria preenchido o requisito do art. 5º, XXI, da Constituição. Sustenta que a antiga polêmica doutrinária e jurisprudencial a respeito foi eliminada por decisão do Supremo Tribunal Federal, como guarda da Constituição, nos termos do caput do art. 102 desta. Argumenta, em síntese: “Trata-se do acórdão proferido em sede da Ação Originária nº152-8/RS, na qual a Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) buscou representar seus associados na defesa de seus direitos contra o estado do Rio Grande do Sul. É digno de registro... ter sido a primeira vez que o Tribunal Pleno do Pretório Excelso se deparou com a questão...” – fl. 1.626. Argumenta que a legitimação prevista no inciso XXI do art. 5º da CF/88 “tem sua origem justamente nos anseios sociais de maior representatividade de tais entidades, de modo a conferir-lhes real eficácia, bem como nas postulações dos meios jurídicos, estas no intuito de melhor atender aos princípios da economia e da efetividade processual”. Diz que a legislação ordinária evoluiu ainda mais nesse sentido. A título de exemplo, cita: “(...) veja-se a previsão do art. 82, IV, da Lei nº 8.708/90 (CDC)... (...) há de se levar em conta, outrossim, o disposto na Lei n.º 7.347/85, vulgarmente conhecida Lei da Ação Civil Pública... Quanto à aplicação do referido art. 1º, I, da LACP... a expressão ‘meio-ambiente’ também contempla o meio-ambiente do trabalho, porquanto há, inclusive, previsão constitucional a respeito – arts. 7º, XXII, e 200, VIII, tendo este último expressamente referido que no conceito de meio-ambiente compreende-se o do trabalho. Assim, tem, a noção de meio-ambiente do trabalho, o conjunto de fatores físicos, climáticos ou quaisquer outros que, interligados ou não, estejam presentes e envolvam o local de trabalho de qualquer pessoa. (...) o conceito extrapola na prática o aparente individualismo, tomando conotações de um direito transindividual ao mesmo tempo em que difuso” – fl. 1.627. Mais adiante, acrescenta: “as normas constitucionais devem ser interpretadas no sentido que lhe emprestar maior eficácia possível. Nesse passo, e tendo em conta que a instituição do mandato, ou seja, o fato de que mesmo antes da aludida previsão do art. 5º, XXI, da CF, qualquer pessoa jurídica, inclusive associação, poderia representar qualquer pessoa, inclusive seu associado, mediante procuração específica, levaria à conclusão de que o comando constitucional foi além da confirmação da possibilidade de associação representar associado por meio de mandato específico” – fl. 1.628. A recorrente transcreve excerto do voto vencedor do Ministro Sepúlveda Pertence na ação da AJURIS já mencionada (com citação de Barbosa Moreira), no sentido de que, caso se exigisse a autorização individual de cada filiado, se estaria reduzindo a nada a “norma constitucional inovadora”, pois em nada se teria alterado a situação anterior, bem como de que a previsão do art. 5º, II, da Constituição trata, em realidade, do fenômeno da substituição processual previsto no art. 8º, III, da mesma Constituição, e não de verdadeira “representação”, termo que teria sido mal utilizado pelo constituinte. Transcreve doutrina, especialmente de Alexandre de Moraes e José Afonso da Silva em favor de sua tese, concluindo que, seja qual for a corrente adotada, há sintonia no aspecto principal: “desnecessidade de autorização específica conferida mediante mandato por cada associado, individualmente, para a respectiva Associação”. Invocando uma vez mais a decisão proferida no processo ajuizado pela AJURIS, ressaltando os votos dos Ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio de Mello, assevera que o STF “considerou, por fim, a própria natureza sociológica da associação, ou, como se preferir, o intuito de sua criação: manifestar a vontade do corpo social que representa. Logo, qualquer interpretação que condicione a representação dos associados à outorga de mandato específico teria o condão não só de descaracterizar o dispositivo constitucional em foco no que atine à evolução social e histórica cujo significado exprime, mas, mormente, reduzir a pó a instituição associação, consagrada como de livre formação pela Carta Magna”. Conclui afirmando ter juntado aos autos: a) procuração; b) ata de posse da atual Diretoria da Associação; c) estatuto da entidade; d) ata da Assembléia Geral Extraordinária realizada no dia 01/07/2009, na qual restou autorizado o ingresso da presente ação; e) lista dos empregados do recorrido associados à ASERGHC.

            Em contrarrazões, o Hospital-recorrido diz não terem sido juntadas cópias dos editais de convocação para a Assembleia Geral Extraordinária, o que seria imprescindível, nos termos do art. 60 do Código Civil, combinado com o art. 15 do Estatuto Social da recorrente. Afirma não ter sido juntada, outrossim, a lista com o nome e a assinatura dos associados presentes em assembleia, salientando que a ata sequer menciona o número de associados presentes, como devido, pois o art. 16 do Estatuto prevê um quórum mínimo para a sua realização. Argumenta que não se pode aceitar que uma ata firmada somente pelo Presidente da Associação e pela Secretária da Mesa seja suficiente para comprovar a efetiva representatividade na deliberação que permitiu à ora recorrente o ingresso da ação. Restaria violado, assim, o art. 6º do CPC. Acrescenta não haver lei autorizadora da substituição processual para o presente caso. Invoca o art. 8º, III, da Constituição. Argumenta o seguinte: “Os Sindicatos têm um viés de representação política da categoria. As Associações têm viés de cunho cultural, esportivo, artístico, sem uma competência legal para representação da categoria, mas tão somente de associados a ela. Ressalta-se que os reclamantes têm Sindicatos representativos de suas categorias profissionais, quais sejam, o SINDISAÚDE, o SIMERS, o SERGS, entre outros. A defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria profissional, judicial ou administrativamente, cabe ao sindicato de classe...” – fl. 1.651. Invoca o art. 513 da CLT e cita doutrina. Diz que o reconhecimento da legitimidade da recorrente importaria em enfraquecimento da força da entidade sindical da respectiva categoria. Acrescenta que os direitos postulados pela recorrente não são homogêneos, não se podendo cogitar de substituição processual; cita jurisprudência nesse sentido.

            Razão assiste ao Hospital-recorrido.

            Inicialmente, afasta-se o entendimento do Juízo de origem de que as associações necessitam de autorização específica de cada um dos seus associados, pelos exatos termos utilizados pela Associação-recorrente, que se utilizam como razões de decidir. Posicionamento em contrário acarretaria o esvaziamento do conteúdo do art. 5º, XXI, da Constituição.

            Não obstante isso, há que se verificar se houve o preenchimento dos requisitos para a atuação da recorrente em nome de seus associados. E compulsando-se os autos verifica-se que isso não ocorreu. Como bem aponta o recorrido em contrarrazões, não vieram ao processo cópias dos editais de convocação para a Assembleia Geral Extraordinária, (art. 60 do Código Civil, combinado com o art. 15 do Estatuto Social da recorrente) nem a lista com nomes e assinaturas dos associados que estiveram na assembleia (não mencionando a ata sequer o número de presentes, como exigido, porquanto o art. 16 do Estatuto da recorrente prevê um quórum mínimo para a sua realização). Não há como considerar supridas essas exigências pela simples assinatura do Presidente da Associação e da Secretária da Mesa. Portanto, o requisito da “autorização expressa” do art. 5º, XXI, da Constituição não foi preenchido.

            Utilizam-se como razões de decidir os fundamentos do acórdão do processo nº 0076500-17.2009.5.04.0015 RO, da Colenda 4ª Turma, de relatoria do Desembargador Ricardo Tavares Gehling: “A Constituição da República vigente legitima a associação a representar judicial ou extrajudicialmente os associados da entidade quando expressamente autorizada (art. 5º, inciso XXI, da CF/1988). De acordo com o art. 4º, inciso V, do Estatuto Social da Associação dos Servidores do Grupo Hospitalar Conceição - ASERGHC, é finalidade da entidade, dentre outras, ’representar os associados, judicial ou extrajudicialmente, inclusive por substituição processual, nos exatos termos do inciso XXI, do art. 5º, da Constituição Federal, nos casos em que a Assembléia Geral assim o deliberar.’ (fl. 20). Consoante os termos do art. 15 do capítulo VII, ‘As Assembléias serão convocadas pela Diretoria, por meio de editais internos e cartazes afixados em lugares próprios dos Hospitais do Grupo ou, entendendo, a Diretoria, necessário, por outro meio, no mínimo quarenta e oito (48) horas antes de sua realização, com indicação da ordem do dia, ou pelo Conselho de Representantes por decisão própria do Conselho de Representantes ou, por este, em cumprimento à solicitação de associados, de acordo com o inciso III, do artigo 7º deste Estatuto’. (fl. 23). No que pertine ao quorum necessário para as deliberações em assembléias, prevê o estatuto que estas somente serão instaladas ’em primeira convocação, com a presença de cinquenta por cento (50%) do total de associados em pleno gozo de seus direitos’ e ’em segunda e última convocação, trinta (30) minutos após a primeira, presente qualquer número de associados’ (incisos I e II do art. 16, fls. 23-24). Da análise dos autos (fls. 16-190), verifico que não foram acostados editais internos de convocação ou qualquer outra espécie de documento hábil a noticiar a realização da assembleia-geral, cuja ata juntada às fls. 37-38 não atende, por outro lado, as disposições previstas no art. 16 do estatuto, porquanto assinada unicamente pelo presidente da entidade associativa e a secretária da mesa. Também não há menção quanto ao número de associados presentes, inexistindo qualquer assinatura destes na referida ata. Ainda, note-se que não é possível sequer averiguar se os editais internos de convocação ou cartazes afixados em lugares próprios dentro dos Hospitais do Grupo atendem à norma específica prevista no Estatuto Social (art. 15, fl. 23), que prevê prazo mínimo de quarenta e oito (48) horas entre a convocação e a data da realização da assembleia. Nesse contexto, saliento ser necessária a autorização expressa dos associados para fins de representação em Juízo pela entidade associativa. A Constituição da República, em seu artigo 5º, inciso XXI, trata das entidades associativas em geral, atribuindo-lhes legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente, apenas quando expressamente autorizados. Nesse sentido decisão recente do TST, em acórdão da 8ª Turma, AIRR nº 136841-63.2007.5.20.0005, Ministra-Relatora Dora Maria da Costa, publicado em 19/02/2010: ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. Ausente o necessário prequestionamento, a análise do presente tópico encontra óbice na Súmula nº 297 desta Corte. 2. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA ASPENE. No caso, não há falar em violação dos dispositivos legais e constitucionais apontados, na medida em que restou consignado pelo Regional a existência de autorização expressa dos associados para a ASPENE atuar no feito. 3. [...] 4. [...] 5. [...] Agravo de instrumento conhecido e não provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-1368/2007-005-20-41.0, em que é Agravante PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS e são Agravadas ASSOCIAÇÃO DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO SISTEMA PETROBRAS NO NORDESTE - ASPENE e FUNDAÇÃO PETROBRAS DE SEGURIDADE SOCIAL PETROS. [...] V O T O I [...] II MÉRITO 1. [...] 2. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. A Corte Regional, mediante o acórdão às fls. 1107/1128, complementado às fls. 1139/1145, rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa arguida pela Petrobras, adotando a fundamentação expendida pelo Juízo de origem. Assim decidiu o Regional: Estando a associação dos aposentados legalmente constituída e em funcionamento há mais de um ano, conforme estatuto reproduzido às fls. 14/32, é entidade legítima para entrar com ação em defesa de interesses coletivos de seus associados. [...] É que, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal, a Associação tem legitimidade para ajuizar Ação como representante de seus associados, quando expressamente autorizada por estes, como ocorreu in casu. (fls. 1111 e 1112) A Petrobras sustenta que a ASPENE é parte ilegítima para figurar no polo ativo da demanda, pois não se trata de associação sindical representativa de uma classe, mas sim de uma entidade beneficente, de natureza meramente civil. Aponta violação dos arts. 5º, XXI e LV, e 8º, II e III, da Constituição Federal; 840, § 1º, da CLT e 282, II, do CPC. Sem razão. No caso, não há falar em violação dos artigos 5º, LV, da Carta Magna, 840, § 1º, da CLT e 282, II, do CPC, por carecerem do necessário prequestionamento, incidindo o óbice da Súmula nº 297 do TST. Por outro lado, não se vislumbra violação do artigo 8º, II e III, da Constituição Federal, na medida em que a Associação ajuizou a ação trabalhista dentro do seu objeto social, e, ademais, restou consignado pelo Regional a existência de autorização expressa, nos autos, para a ASPENE atuar no feito em defesa dos direitos e interesses de seus associados, consoante regra esculpida no artigo 5º, XXI, da Constituição Federal. Nego provimento. [...] Por todo o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.’ Já quanto aos sindicatos, a Constituição da República, tratando da substituição processual, conferiu tratamento diverso, afastando qualquer condição para a defesa dos direitos individuais e coletivos dos integrantes da categoria. A substituição processual de trabalhadores por seus sindicatos é ampla, conforme art. 8º, III, da Constituição Federal. Esta tese - que sempre acolhi, sem embargo da jurisprudência que por um tempo predominou na Justiça do Trabalho - acabou sendo consagrada pelo Supremo Tribunal Federal. Não há, assim, exigência de rol de associados, muito menos de concordância destes quanto ao ajuizamento da demanda. Pelos fundamentos expostos, falta à associação autora a legitimatio ad causam para representar os associados na presente ação, estando ausente condição da ação (art. 267, inciso VI, do CPC)” – julg. em 30-9-10 e pub. em 08-10-10.

            Ademais, os direitos postulados (adicional por tempo de serviço – anuênios/quinquênios –, horas extras, adicional noturno, horas noturnas e reflexos; reflexos do adicional de insalubridade ou de periculosidade sobre as horas extras, o adicional noturno e as horas noturnas reduzidas) certamente não são individuais homogêneos. E a doutrina e a jurisprudência pátrias exigem que, para atuação em nome de uma coletividade, exista homogeneidade. Nesse sentido, acórdão da Colenda 4ª Turma do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria do Ministro Barros Levenhagen: “ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. (...) III - Os interesses individuais homogêneos, por sua vez, se apresentam como subespécie dos interesses transindividuais ou coletivos em sentido lato. São interesses referentes a um grupo de pessoas que transcendem o âmbito individual, embora não cheguem a constituir interesse público. Para a admissibilidade da tutela desses direitos ou interesses individuais é imprescindível a caracterização da sua homogeneidade, isto é, sua dimensão coletiva deve prevalecer sobre a individual, caso contrário os direitos serão heterogêneos, ainda que tenham origem comum. IV - Vem a calhar a norma do artigo 81 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) segundo a qual são interesses individuais homogêneos os interesses de grupo ou categoria de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum. (...)” – RR - 901/2004-741-04-00.

A jurisprudência deste Egrégio Tribunal é firme ao atestar a impossibilidade de substituição processual em casos semelhantes: EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO AUTOR. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PELO SINDICATO. LITISCONSÓRCIO MULTITUDINÁRIO. INTERESSES HETEROGÊNEOS. INVIABILIDADE. Não há legitimidade do sindicato-autor para substituir processualmente os integrantes da categoria quando versar a ação sobre situações particularizadas. A prerrogativa processual assegurada pelo artigo 8ª da Constituição Federal não é absoluta, devendo ser compreendida em um contexto de homogeneidade dos interesses postos em Juízo, evitando-se, assim, o litisconsórcio das multidões. Aplicação subsidiária dos artigos 46, § único, e 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Mantém-se a sentença. (...) é dever do julgador zelar pela celeridade processual, direito social fundamental de ambas as partes no processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil). Nos termos do artigo 46 do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho, consoante norma inserta no artigo 769 consolidado, ‘duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.” (sem destaque no original). O chamado litisconsórcio multitudinário caracteriza-se quando há um número muito grande de litisconsortes facultativos no processo. Conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco, ‘quando num processo se reúnem litisconsortes em número muito elevado, é intuitivo o embaraço que isso pode trazer à marcha do procedimento, o tumulto, a dificuldade para julgar [...]’. De fato, a idéia do constituinte certamente não foi autorizar que uma mera soma de interesses individuais fosse trazida a Juízo. Além da origem comum (artigo 81, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor), é a dimensão coletiva e a relevância social que transformam um direito individual puro (personalíssimo) em um direito individual homogêneo, este último verdadeiramente tutelável pela via da substituição processual, porquanto, inclusive, subespécie de interesse coletivo (STF, RE nº 163231-3 SP, julgado em 01/09/96). Outra, aliás, não tem sido a visão atual da mesma Alta Corte Trabalhista, quando afirma que a substituição processual não pode ser ‘ampla e irrestrita’, devendo ficar vinculada aos interesses “categoriais” (E-RR 175894/95). Na espécie o pedido é de pagamento de horas extras excedentes direito individual e que exige quantificação relativa a cada substituído que não se enquadra como direito individual homogêneo, sendo ilegítima a atuação do sindicato-autor como substituto processual” - processo nº 00607-2009-732-04-00-6 RO, da Colenda 1ª Turma, relatora a Desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse, julg. em 14-4-10 e pub. em 20-4-10; “(...) A ‘legitimidade processual para atuar na defesa de todos e quaisquer direitos subjetivos individuais e coletivos dos integrantes da categoria’ representada pelo sindicato - na expressão do supracitado acórdão do Supremo Tribunal Federal, não dispensa análise sob ponto de vista da viabilidade de determinado pedido em sede de ação civil coletiva. Observe-se que a ação civil coletiva - criada no Código de Defesa do Consumidor (art. 91 da Lei 8078/90), cuja aplicação no direito processual do trabalho decorre do artigo 21 da LACP (Lei 7.357, de 2-9-1985), que determina aplicar subsidiariamente o CDC à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (ex vi ainda do artigo 769 da CLT) - rigorosamente se trata de uma ação para defesa de direitos individuais homogêneos, assim considerados os decorrentes de origem comum, gerando uma interpretação judicial única sobre um feixe de direitos, mas que resulta, por isso mesmo, em comando sentencial genérico a ser individualizado apenas na fase de execução, a depender da situação especialíssima de cada titular do direito subjetivo homogêneo em discussão. Ocorre que a amplíssima legitimidade concedida ao sindicato para atuar na defesa coletiva de direitos individuais não supera os obstáculos práticos que surgem em determinados pleitos que fogem à categoria de direitos individuais homogêneos. Necessário salientar, nesse passo, que o pleito de reconhecimento e pagamento de diferenças salariais decorrentes de promoções por merecimento não encontra viabilidade processual não apenas por se tratar de direito individual puro (heterogêneo), mas por se tratar de direito subjetivo de caráter personalíssimo, cuja aferição - já na fase processual cognitiva - depende da análise individuada de cada relação contratual. Com efeito, quando se postula direitos heterogêneos, mesmo que se trate de substituição processual, cumpre ao juiz examinar a petição inicial, aferindo a viabilidade do pedido no que concerne à rápida - ou pelo menos razoável - solução do litígio, princípio agora previsto expressamente na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal). Nesse sentido, o caso presente é análogo à hipótese do artigo 46, parágrafo único, do Código de Processo Civil, que permite ao juiz limitar o número de litisconsortes, desmembrando a ação a fim de tornar viável a cognição e os trâmites processuais” - processo nº 01319-2005-292-04-00-8 RO, desta Colenda 3ª Turma, relatora a Desembargadora Maria Helena Mallmann, julg. em 17-11-08 e pub. em 1º-12-08; “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO SINDICATO-AUTOR. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. Os direitos pleiteados na presente ação não são homogêneos, mas sim heterogêneos, revelando-se ilegítima a atuação do Sindicato-autor no presente feito na condição de substituto processual, uma vez necessária, para apuração da suposta lesão, análise da situação de cada trabalhador substituído em relação aos pleitos da petição inicial. Sentença mantida. (...) Na hipótese em análise, os direitos supostamente lesados dos substituídos e objeto de substituição processual pelo Sindicato-reclamante (irregularidade no regime de “banco de horas”, com pagamento das horas destinadas à compensação, bem como diferenças do adicional noturno pago pela correta utilização da hora reduzida noturna, conforme pedidos das alíneas C e D da petição inicial - fl. 10), tal como frisado em sentença (fl. 140, verso), impõem o exame minucioso da situação de cada substituído, o que afasta o caráter generalizado essencial à legitimidade da substituição. A natureza heterogênea dos direitos perseguidos não autoriza, assim, a substituição processual, mesmo tendo limitado o grupo de substituídos, conforme rol de fl. 35. Em verdade, entende-se que os pedidos em tela envolvem interesses individuais, não homogêneos, a serem buscados pelos próprios empregados, por intermédio de ação própria individual. Ademais, a necessidade de exame conjunto dos direitos de todos os substituídos e, por consequência, da situação fática de cada um, ainda que viável, representaria apenas mais um óbice à rápida solução da lide, acarretando prejuízos aos substituídos, a reforçar a ilegitimidade ativa do recorrente. Para melhor entendimento, transcreve-se parte de acórdão da lavra da Desa. Maria Inês Cunha Dornelles, Processo nº 00418-2004-203-04-00-2, publicado em 27.07.2006, no qual esta Turma decidiu pela ilegitimidade do sindicato-autor em situação análoga: ‘Embora a substituição não se circunscreva às hipóteses previstas nos arts. 857 (instauração de dissídio coletivo), 872 (ação de cumprimento) e 195, § 2º, (adicionais de insalubridade e/ou periculosidade) da CLT, nem ao cumprimento da Lei nº 6.708/79 (diferenças salariais), é imprescindível que o fato denunciado como fundamento do pedido traduza lesão homogênea aos substituídos. É admissível para busca de outros direitos, ainda que de cunho declaratório como, por exemplo, manutenção da data e/ou forma de pagamento dos salários. Porém, não se presta a substituição para vindicar direitos individuais, personalíssimos, como de regra são as horas extras’. Ainda, neste mesmo sentido, em relação ao pleito de análise de irregularidade do regime de compensação sob a modalidade de ‘banco de horas’, tem-se o Processo nº 01529-2007-404-04-00-1, em acórdão da lavra da Exma. Desa. Vanda Krindges Marques, publicado em 02.04.2009” - processo nº 0015900-23.2009.5.04.0373 RO, da Colenda 7ª Turma, relatora a Desembargadora Beatriz Zoratto Sanvicente, julg. em 04-8-10 e pub. em 12-8-10; “EMENTA: SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. A substituição processual de trabalhadores por seus sindicatos é ampla, conforme art. 8º, III, da Constituição Federal, observado o requisito para cumulação objetiva de ações previsto no art. 842 da CLT. (...)Também é possível que direitos individuais sejam objeto de ação do sindicato como substituto processual de integrantes da categoria. Todavia, neste caso, desde que a demanda trate de questões que possam ser discutidas mediante cumulação objetiva de ações, ou seja, havendo a ‘identidade de matéria’ prevista no art. 842 da CLT. Porque nessa hipótese a relação processual será única, mas as relações de direito material serão tantas quantos forem os contratos de trabalho. E, obviamente, não observar a exigência do art. 842 da CLT implicaria inegável prejuízo ao contraditório e ao direito de defesa, neste incluído o direito de prova. No aspecto, cabe citar o ensinamento do professor Sérgio Pinto Martins sobre a referida expressão “identidade de matéria” contida no art. 842 da CLT: ‘A expressão é ambígua, porém temos que interpretá-la no sentido de que dois empregados poderão promover ação em face do mesmo empregador se os pedidos forem iguais, decorrentes de uma mesma causa de pedir. Dois empregados, por exemplo, pedem verbas rescisórias que não foram recebidas em razão de a empresa não ter numerário para saldá-las. Não poderão, entretanto, os empregados postular conjuntamente na mesma ação verbas rescisórias, se um deles pedir também horas extras, pois não haverá identidade de matéria quanto a este pedido. A lei não fala em identidade de objeto, de causa de pedir, mas de matéria, pressupondo os mesmos pedidos.’ Observada tal premissa, vê-se que no caso dos autos não há identidade de matéria quanto aos pedidos de pagamento de adicional de insalubridade e indenização por danos morais. Tais pedidos contemplam situações fáticas individuais a serem examinadas em processos distintos. As pretensões deduzidas são individuais e, consequentemente, diversas. Seria necessário avaliar a situação isolada de cada trabalhador” - processo nº 0068500-50.2009.5.04.0331 RO, da Colenda 4ª Turma, relator o Desembargador Ricardo Tavares Gehling, julg. em 22-7-10 e pub. em 30-7-10.

Esta Colenda 3ª Turma, tendo como relator este mesmo, julgou recentemente caso similar no processo nº 0062400-43.2009.5.04.0731 RO.

Nega-se, portanto, provimento ao recurso ordinário no particular.

            Tem-se por prequestionadas as normas constitucionais e legais invocadas por ambas as partes, para todos os fins.

 

2. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS

            Extinto o processo sem resolução do mérito, não há falar em pagamento de honorários.

 

3. BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DEVOLUÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS PAGAS

            Ainda que se admita a concessão do benefício da gratuidade da justiça às pessoas jurídicas, consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a insuficiência econômica, nesse caso, há de ser devidamente provada, não sendo suficiente a mera alegação.

            Rejeita-se o apelo também neste aspecto.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencido o Des. Ricardo Carvalho Fraga, negar provimento ao recurso ordinário.

Intimem-se.

Porto Alegre, 14 de dezembro de 2010 (terça-feira).

 

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

\LP