EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. COOPERATIVA. Caso em que se considera que a relação mantida entre o reclamante e a primeira reclamada não foi de emprego, uma vez que não restou comprovado a presença dos requisitos do artigo 3º da CLT.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Sapucaia do Sul, sendo recorrentes xxxxS, J.M. EMPREENDIMENTOS TRANSPORTE E SERVIÇOS LTDA. E COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS - AMBEV e recorridos OS MESMOS E COOPER FORTE SUL - COOPERATIVA PRESTADORA DE SERVIÇOS CIVIS LTDA.

 

Ajuizada ação trabalhista em face do contrato de trabalho apontado na petição inicial, de 31.10.2003 até 25.08.2008, foi proferida Sentença às fls. 176/184.

O reclamante interpôs recurso ordinário,  às fls. 189/203, buscando a reforma da Sentença em relação aos seguintes aspectos: reconhecimento do vínculo de emprego; absolvição da condenação relativa à litigância de má-fé; e valor da condenação relativo ao dumping social.

A segunda reclamada, J.M. empreendimentos, transporte e serviços Ltda., recorre ordinariamente, às fls. 224/230, requerendo, preliminarmente, a nulidade da decisão por julgamento extra petita, em relação à responsabilidade solidária da recorrente, bem como em relação ao deferimento da indenização por dano social - dumping social. No mérito, objetiva a reforma da Sentença em quanto aos seguintes itens: responsabilidade solidária; e indenização por dano social – dumping social.

A terceira reclamada, Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, interpôs recurso ordinário, às fls. 233/249, buscando a reforma da Sentença em relação à condenação por dano social – dumping social.

Contrarrazões da segunda reclamada, às fls. 288/290.

Contrarrazões da terceira reclamada, às fls. 269/278.   

Subiram os autos a este Tribunal. 

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE:

REQUERIMENTOS FORMULADOS EM CONTRARRAZÕES PELA SEGUNDA E TERCEIRA RECLAMADAS.

1. CONHECIMENTO DO RECURSO DO RECLAMANTE E DOS DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. DO REQUERIMENTO PARA QUE SEJAM RISCADAS AS EXPRESSÕES LANÇADAS PELO RECLAMANTE, EM RECURSO ORDINÁRIO.

A terceira reclamada, Companhia de Bebidas das Américas – AMBEV, sustenta que o reclamante não trata especificamente dos fundamentos da decisão que busca reformar, sendo que requer, ainda, a majoração da pena de dumping social, que sequer postulou na inicial. Assevera que, também não merecem ser conhecidos os documentos juntados, quais sejam, subsídios jurisprudenciais, pois trazidos ao feito após o encerramento da instrução. Invoca a aplicação do entendimento contido na Súmula 422, do TST. Busca, ainda, sejam riscadas as expressões lançadas pelo reclamante, no último parágrafo da fl. 199 do recurso ordinário por ele interposto, uma vez que considera tais expressões desrespeitosas. Requer, pelos motivos acima expostos, o não-conhecimento do recurso do reclamante.

Examina-se.

Não se verifica que as razões recursais não ataquem os fundamentos adotados na sentença para ensejar o indeferimento do pleito. Em relação aos documentos juntados com o recurso, conhece-se dos mesmos, uma vez que se tratam de entendimentos jurisprudenciais destinados a dar suporte às razões recursais.

Quanto ao pedido recursal referente à majoração da indenização relativa ao dumping social, entende-se plenamente justificada tal pretensão, que será analisada adiante, na medida em que as reclamadas foram condenadas ao pagamento da referida parcela, pelo juízo de origem.

Em relação às expressões lançadas pelo reclamante, em recurso ordinário, no último parágrafo da fl. 199, faz-se a seguinte análise. O reclamante proferiu os seguintes termos: “Ao contrário, trata-se de um prêmio ao capitalismo canibal e genocida, como bem referido por Eduardo Galeano (As Veias abertas da América Latina, tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra, estudos latino-americano, v.12) (...).”. Não se verifica, pelo parágrafo acima transcrito, que o reclamante tenha lançado expressões desrespeitosas nos autos, uma vez que trata-se de uma referência ao pensamento do citado autor.       

Rejeita-se.

 

2. CONHECIMENTO DO RECURSO DO RECLAMATE EM RELAÇÃO À MATÉRIA NÃO POSTULADA.

A Segunda reclamada, J.M. empreendimentos, transporte e serviços Ltda., sustenta que não deve ser conhecido o recurso ordinário interposto pelo reclamante, na parte que pretende o acréscimo do valor deferido sob o título dumping social, uma vez que não houve nenhuma postulação na inicial referente a tal parcela, carecendo o autor de interesse processual.

Examina-se.

Como já referido no item anterior, em relação ao pedido recursal referente à majoração da indenização relativa ao dumping social, entende-se plenamente justificada tal pretensão, que será analisada adiante, na medida em que as reclamadas foram condenadas ao pagamento da referida parcela, pelo juízo de origem.

Rejeita-se.

 

NO MÉRITO:

3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS EXPOSTAS NA SENTENÇA.

Tendo em vista o conhecimento que o juízo de primeiro grau tem acerca das questões que envolvem o caso, mais especificamente em relação às partes e às práticas trabalhistas por elas adotadas, repetem-se as considerações iniciais expostas na Sentença de fls. 176/184: “Antes de analisar as questões preliminares e o mérito da presente demanda, impõe-se um registro. Desde o início do ano de 2009, inúmeras reclamatórias trabalhistas ajuizadas contra as reclamadas e patrocinadas, na sua grande maioria, pelo mesmo escritório profissional, foram distribuídas nesta unidade judiciária e no Foro de Sapucaia do Sul.

Na grande maioria, os autores buscam o reconhecimento do vínculo de emprego com a primeira reclamada e a condenação solidária e/ou subsidiária das demais reclamadas.

Nas primeiras audiências, a primeira reclamada – COOPER FORTE SUL – comparecia representada por João Camargo do Nascimento. Presente, o representante da primeira reclamada, em alguns processos, juntou singela contestação escrita. Em outros, sequer o fez. Em determinado momento, após inúmeras ações ajuizadas, o representante da COOPER FORTE SUL simplesmente parou de atender ao comando judicial de comparecimento em audiência, embora, em muitas oportunidades foi visto nas dependências do Foro e circulando pelas imediações do prédio das Varas.

Várias situações nos autos de cada um dos processos, exigiu do Juízo a adoção de procedimentos para alcançar, na medida do possível, a verdade real do fatos e a condição de cada uma das partes e seus procuradores na relação processual.

Desde o início, e por força da experiência profissional no julgamento de centenas de ações trabalhistas envolvendo supostas cooperativas de trabalhadores, chamou a atenção o fato de que nestas ações e, somente para os autores patrocinados pela advogada que consta da procuração da fl. 10, haviam documentos referentes a recibos de pagamentos juntados com a petição inicial.

Uma simples vista dos documentos, em todos os processos, indicava a possibilidade de fraude na sua confecção.

A este indício, somou-se o fato de que no decorrer da fase de instrução das inúmeras reclamatórias (audiências realizadas tanto pelas titulares das unidades judiciárias como pelas juízas substitutas) foi sendo constatado que muitos trabalhadores desconheciam a origem dos documentos, afirmavam não ter entregue os documentos à procuradora ou afirmavam que os documentos tinham sido obtidos diretamente com João Camargo, após o fechamento da cooperativa, já que no curso da relação não haviam sido disponibilizadas cópias de recibos de pagamento aos trabalhadores.

Por isso, foi determinado, em alguns processos, a realização de perícia documentoscópica para verificar a veracidade dos documentos juntados[1].

Além disso, em inúmeros processo, por força de requerimento formulado pelas demais reclamadas, foi constatado que muitos reclamantes tinham relação de emprego formalizada ou estavam no gozo de benefício previdenciário, no mesmo período em que postulavam vínculo com a primeira reclamada.

Ainda, em inúmeras situações, durante o depoimento pessoal dos autores e de eventuais testemunhas, foram constatados gritantes contradições e inverdades.

Por fim, ao longo destes incidentes que perduram há mais de um ano, muitos reclamantes não compareceram nas audiências de prosseguimento e foram declarados confessos quanto à matéria de fato.

Por força desta situação constatada em inúmeros processos, foram expedidos ofícios ao Ministério Público do Trabalho e à Delegacia Regional do Trabalho.

Em março de 2010, o Ministério Público do Trabalho ajuizou a Ação Civil Pública número 0000202-92.2010.5.04.0291 contra COOPER FORTE SUL - COOPERATIVA PRESTADORA DE SERVIÇOS CIVIS LTDA. e JOÃO CAMARGO DO NASCIMENTO para que se abstenham de fornecer/locar mão de obra de trabalhadores a terceiros e de constituir, fomentar, administrar, integrar conselhos fiscais ou gerenciar sociedades cooperativas que tenham por objeto o fornecimento/locação de mão de obra. Naquela ação, foi acolhido o pedido liminar formulado pelo Ministério Público, diante da realidade já constatada em inúmeras ações, nos termos como propostos pelo autor da ação.

Faço esse registro para posicionar o contexto em que serão analisados os pedidos formulados pelos autores, em cada um dos processos.

Registro, por fundamental, que não entendo justificável que empresas do porte da JM EMPREENDIMENTOS TRANSPORTE E SERVIÇOS LTDA. e COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS – AMBEV estimulem e fomentem a precarização das relações de trabalho utilizando-se de mão de obra terceirizada e precária para o atingimento de suas atividades-fins. É certo e incontroverso que a JM Empreendimentos Transporte e Serviços Ltda. utiliza, em maior ou menor grau, supostos cooperativados para atingir sua finalidade precípoa que é carregar e descarregar caminhões para atender ao contrato com empresas como a AmBev. Portanto, para atingir sua atividade principal, utiliza mão de obra precária e fomenta o ilícito trabalhista. Por outro lado, não venha a AMBEV dizer que terceiriza o serviço de carga, descarga e transporte para outras empresas por não ser essa sua atividade-fim. Se o produto não chegar nas prateleiras das redes de supermercado, bares, armazéns e, portanto, acessível ao consumidor, do que adianta a produção de milhares de refrigerantes, cervejas e outros produtos?

As atividades realizadas pelos “cooperativados” vincula-se de forma incontestável com a atividade-fim das reclamadas e somente com a utilização desta força de trabalho é que as empresas atingem seus lucros e posição no mercado de negócios.

Aliás, tomei conhecimento recentemente que a AMBEV pretende colher opiniões junto aos magistrados de boas práticas a serem adotadas futuramente. Já faço, aqui, portanto, a primeira sugestão.

Se há, efetivamente, compromisso da COMPANHIA DE BEBIDAS DAS AMÉRICAS – AMBEV em reduzir seu passivo trabalhista e melhorar a sua imagem perante o Judiciário Trabalhista, o primeiro passo é o de respeitar a Constituição Federal e a legislação trabalhista e deixar de contribuir, sistematicamente, com a precarização das relações de trabalho, com a fraude e com o ilícito trabalhista.

Feito isso, o resto será mera consequência.

Portanto, entendo, que, independente da solução que será dada individualmente para cada um dos processos a seres julgados, a segunda e terceira reclamadas são responsáveis pela utilização de mão de obra ilicitamente contratada e poderiam ter evitado, sem qualquer dificuldade, o  incentivo à constituição de cooperativa fraudulenta bem como a violação de preceitos legais e constitucionais.

Desde já, portanto, e independentemente de eventual condenação a ser arbitrada adiante, determino que seja oficiado ao Ministério Público do Trabalho e à Delegacia Regional do Trabalho para adotar as providências que entender cabíveis no sentido de que a segunda e terceira reclamadas deixem de utilizar mão de obra por intermédio de cooperativa fraudulenta e de realizar suas atividades empresariais extremamente lucrativas por meio de prestadores de serviços sem vínculo de emprego.” (grifos originais e outros atuais).

A referida Ação Civil Pública foi julgada em 06.10.2010, conforme se verifica através de consulta ao site deste Tribunal.

 

RECURSO DO RECLAMANTE.

4. VÍNCULO DE EMPREGO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

Insurge-se o reclamante contra a Sentença que não reconheceu a existência de vínculo de emprego. Sustenta, em resumo, que a prova testemunhal evidencia a nítida relação de emprego havida entre as partes. Afirma que o representante legal da segunda reclamada admite a prestação de serviços dos cooperativados e, considerando que esta alegou em sua defesa a eventualidade dos serviços, cabia a ela provar sua alegação, a teor do que dispõe o inciso II, art. 333, do CPC, acrescentando que, salvo melhor juízo, nenhuma prova foi produzida neste sentido. Transcreve decisão favorável proferida no processo nº 00179-2009-292-04-00-4. Assevera que, sendo inequívoca a prestação de serviços através de cooperativa irregular, mera intermediadora de mão de obra, deve ser provido o presente recurso. Afirma que a sentença se mostra até contraditória, uma vez que, embora alegue existência de má-fé do reclamante, reconhece que as reclamadas reiteradamente agem na prevaricação e violação de direitos dos trabalhadores, tanto nesses autos, quanto em inúmeras outras reclamatórias já julgadas. Em relação à aplicação da multa de litigância de má-fé, ressalta que o juízo omitiu, nos fundamentos, que foi expedido ofício à Previdência Social, para que informasse acerca da existência de contribuições previdenciárias no período postulado na peça inicial, tendo sido recebida resposta daquele órgão, dando conta de que o reclamante possuía contribuições previdenciárias através do Sindicato dos Movimentadores de cargas de Novo Hamburgo, ou seja, também como avulso. Afirma, também, que os recibos juntados aos autos foram entregues aos procuradores pelo reclamante, não tendo estes qualquer responsabilidade quanto a sua confecção. Aduz que o juízo incorre em absoluto equívoco quanto à determinação judicial de juntada dos documentos de fl. 155, uma vez que a procuradora do reclamante, por liberalidade, aduziu em audiência que detinha outros recibos e ofereceu-se para juntá-los, ainda que tenha constado em ata a determinação judicial, o que não se coaduna com os fatos ocorridos. Afirma, também, que não há e nunca houve o alegado “conluio” entre os procuradores e o representante da primeira reclamada. Requer, diante disso, seja dado total provimento ao presente recurso, para ser reconhecido o vínculo de emprego postulado, com o retorno dos autos à origem para análise dos demais pedidos, bem como para absolver o reclamante e seus procuradores da condenação relativa à litigância de má-fé.

Examina-se.

Inicialmente, cabe ressaltar que o cooperativismo, tem amparo legal. As sociedades cooperativas são reguladas pela Lei 5.764/71, e definidas em seu art. 3º, como sendo "sociedade de pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro". Conforme o art. 90 do referido diploma legal "qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados". No mesmo sentido o art. 442 da CLT, cuja redação, por força da Lei 8.949/94, foi acrescida pela expressão: "nem entre estas e os tomadores de serviços daquela". 

Nessa trilha, cumpridos os requisitos legais de formação e desenvolvimento de uma sociedade cooperativa, preservadas a independência e autonomia dos cooperados e do trabalho desenvolvido, bem como a autogestão e liberdade do associado de permanecer ou não associado, não há falar em vínculo de emprego entre cooperados, seja com a cooperativa ou mesmo com tomadores de serviços.

Por outro lado, se ausentes os requisitos anteriormente referidos e presentes aqueles contidos no art. 3º da CLT, emerge a relação de emprego.

Na inicial, o reclamante afirmou que foi admitido pela primeira reclamada em 31 de Outubro de 2003, na função de ajudante, cuja atividade consistia em separar as bebidas para serem carregadas nos caminhões, bem como entrega de bebidas. Disse que percebia, ao final do contrato, o valor da diária de R$ 30,00 (trinta reais). Alegou que, em 28 de Maio de 2008, foi despedido sem justa causa da prestação de serviços, sem perceber qualquer indenização. Aduziu que o trabalho foi prestado sempre em benefício da terceira reclamada, uma vez que o reclamante sempre trabalhou na unidade da terceira reclamada em Porto Alegre/RS e em Sapucaia do Sul/RS, na separação das cargas de bebidas para serem carregadas nos caminhões. Asseverou que, a terceira reclamada, na tentativa de fraudar a legislação trabalhista, contratou a segunda reclamada para efetuar os serviços de arrumação de cargas, preparação dos pallets, amarração das cargas de bebidas, sendo que esta contratou a primeira reclamada, para a referida prestação de serviços. Sustentou estarem preenchidos os requisitos do art. 3º, da CLT.

A primeira reclamada (COOPER FORTE SUL) é revel e confessa, conforme ata de audiência de fl. 19. A segunda e terceira reclamadas negam a existência de vínculo de emprego com o reclamante, porém, conforme o pedido constante da letra “a” do petitório inicial, à fl. 07, tal situação foi postulada apenas em relação à primeira reclamada. A segunda reclamada, ainda, em contestação (fls. 29/45), reconhece que utilizava a mão de obra de cooperativados em situações eventuais.

A Lei nº 5.764, de 16/12/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo, define as sociedades cooperativas da seguinte forma:

“Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais pelas seguintes características (...)”.

No art. 6º da referida lei há a diferenciação entre sociedades cooperativas singulares, cooperativas centrais ou federações de cooperativas e confederações de cooperativas. As cooperativas de trabalho se inserem nas cooperativas singulares, as quais, segundo inc. I do referido artigo são aquelas “constituídas pelo número mínimo de vinte pessoas físicas, sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas ou correlatas atividades econômicas das pessoas físicas ou, ainda, aquelas sem fins lucrativos;”.

O art. 7º da lei em questão, dispõe: “As cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados”.

Na Seção V, a lei prevê:

“Art. 90 Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados.

Art. 91 As cooperativas igualam-se às demais empresas em relação aos seus empregados para os fins da legislação trabalhista e previdenciária”.

Diante dos termos da legislação referida, a relação de cooperativismo se estabelece, de fato, quando o sócio-cooperativado é agente das atividades da cooperativa e, ao mesmo tempo, é paciente dos serviços por ela prestados. Portanto, a relação de cooperativismo proporciona ao associado a possibilidade dele se inserir no mercado de trabalho com o suporte da sociedade cooperativa, e obter ganhos diferenciados do que se fosse um trabalhador isolado e autônomo no mercado de trabalho e, também, usufruir de vantagens e serviços proporcionados pela cooperativa aos associados. Por essas razões, não são suficientes as formalidades para que a relação de cooperativismo se estabeleça, de fato, havendo a necessidade dessa interação entre a sociedade e o sócio, porque aquela existe em benefício deste, como uma forma de inserir o sócio trabalhador no mercado de trabalho, com maiores vantagens do que o trabalhador não-associado.

No caso em análise, não se verificam presentes os requisitos do art. 3º, da CLT.

Registre-se que, apesar da aplicação da pena de revelia à primeira reclamada, Cooper Forte Sul - Cooperativa Prestadora de Serviços Civis ltda. (ata de fl. 19), ao reclamante, em face do não comparecimento à audiência de instrução e julgamento, conforme ata de audiência de fl. 166, foi aplicada a pena de confissão quanto à matéria de fato.

Salienta-se que não há produção de prova oral no presente feito. Em relação às provas documentais carreadas aos autos, é preciso fazer algumas ponderações. À fl. 12, o reclamante junta 05 recibos de pagamento, dos meses de Outubro/2003, Novembro/2003, Setembro/2004, Setembro/2005 e Maio/2007. No entanto, como bem referido pelo Juízo a quo, presume-se que tais documentos estão eivados de vício e irregularidade. Sobre essa questão, assim se manifestou o juízo de origem, detalhadamente: “No caso dos autos o reclamante junta na fl. 12, cinco recibos de pagamento de diárias de serviços prestados em favor da cooperativa em alguns dias dos nos meses de outubro e novembro/2003, setembro/2007, setembro/2005 e maio/2007.

Como já referido, nos processos que tramitam neste Foro, patrocinados pelos mesmos advogados, são juntados recibos semelhantes aos trazidos aos autos.

Em 02/06/2009, por ocasião da instrução do processo n. 0005000-33.2009.5.04.0291[2], determinei a realização de perícia documentoscópica nos recibos de pagamento dos reclamantes, nos autos daquele processo e dos de número 0005200-40.2009.5.04.0291[3] e 0005700-09.2009.5.04.0291[4], conforme razões expostas na ata de audiência daquela ação, abaixo parcialmente transcrita:

“Considerando a informação trazida neste momento pela procuradora dos reclamantes de que possui centenas de documentos de recibos dos reclamantes cuja amostragem foi juntada nos processos para não ocasionar a juntada de um grande volume dos documentos, determino que a totalidade dos documentos seja depositada em Secretaria no prazo de 48 horas, sem preocupação quanto à forma, já que os documentos serão manuseados apenas pelo Juízo. (...) A procuradora informa que os documentos que possui são aqueles que lhe foram entregues pelos clientes e que alguns deles foram selecionados para serem anexados aos processos. independentemente da juntada dos documentos, que deverão ser exibidos ao Juízo tão logo decorrido o prazo, determino a realização de perícia grafodocumentoscópica pelo setor de perícias do Tribunal nos autos do processo 57/2009, 52/2009 e 50/2009 que servirão como amostragem para esclarecimento do Juízo. A dúvida que deverá ser esclarecida é a seguinte: se os documentos que constam datados na fl. 13 do processo 57/2009 referentes em sequência a partir de setembro/2005 até agosto/2008 foram preenchidos e assinados em épocas diversas, sabendo o Juízo que é difícil precisar se a data do preenchimento corresponde à data lançada no recibo, mas sabendo que não é difícil precisar ao Juízo se estes documentos foram produzidos no mesmo lapso de tempo, se tem uma temporalidade igual. O mesmo pretendo esclarecer nos recibos juntados nos demais processos, sendo que no processo 50/2009 também pretendo esclarecer se há identidade no padrão gráfico na letra que consta do preenchimento dos recibos e da assinatura contida no mesmo recibo. Da mesma forma no processo 52/2009, no documento 01 da fl. 12, pretendo informações sobre o padrão gráfico que preenche a expressão "cem reais", o número "100,00" e os números "5, 7 e 8 de 10/2007" e os números "22" e "6hs" com aquele padrão da assinatura do reclamante que consta no campo "assinatura". Pretendo também a análise da data 09 lançada no mesmo recibo com o padrão gráfico do reclamante. O mesmo deverá ser observado no documento 02 da mesma folha. Nos autos do processo 50/2009, na fl. 12, interessa ao Juízo saber da possibilidade, além da temporalidade da anotação dos documentos, de que a caneta utilizada no documento 04, 02 e 01, de tinta preta e que consta na assinatura do reclamante se pode ser a mesma caneta e com isso indicar eventual temporalidade dos documentos. O mesmo questionamento quanto à padronização da caneta deverá ser analisado também nos recibos da fl. 13 do processo 57/2009, por exemplo em relação aos documentos 08 e 06, 11 e 09, 02 e 06. Faculto às partes a apresentação de quesitos à perícia grafodocumentoscópica no prazo comum de cinco dias. Considerando a necessidade de esclarecimento do Juízo sobre as questões lançadas nesta ata e outras que eventualmente possam ser feitas por quesitos, determino o adiamento das instruções dos processos 51/09, 52/09, 53/09, 212/09 e 176/09, que se seguiriam a esta audiência.”.

O resultado da perícia efetuada pelo setor de Perícias do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região nos recibos juntados no processo n. 0005000-33.2009.5.04.0291 não surpreendeu, vez que o laudo pericial demonstrou que um único recibo de pagamento sofreu anotações em ocasiões diferentes, confirmando a fraude dos documentos acostados. No laudo, a perita constatou que em um determinado grupo de recibos houve a utilização de um mesmo instrumento subscritor, o que se coaduna com a conclusão de que tais recibos, referentes a períodos temporais distintos, foram firmados de forma extemporânea, ou seja, em data diversa da constante nos recibos. A perita ainda constata que alguns destes recibos foram assinados de forma sobreposta, pelo que se conclui que diversos recibos, conforme documentos daquele processo, foram entregues ao autor para assinatura concomitante, embora relativos a período distinto das datas constantes nos documentos.

Da mesma forma o laudo pericial realizado na ação n. 0005200-40.2009.5.04.02912, no seguinte sentido:

“Esse conjunto de discrepâncias não se coaduna, portanto, com a ocorrência de assinatura e/ou preenchimento dos recibos trazidos aos autos pelo reclamante em operação conjunta, mas sim em diferentes oportunidades.

(...) Como antes apontado para o doc. 02 de fl. 159, verificou-se diversidade de etapas no preenchimento de vários dos recibos inspecionados, tendo em vista a intervenção de diferentes punhos escritores no lançamento do texto complementar de um mesmo documento, ou as divergências constatadas quanto à pressão e à caneta empregadas na escrita – distinções essas observadas pelo estudo comparativo a que foram submetidos os traços manuscritos contidos em cada um dos recibos de fls. 12 e 159 a 161.

(...) No caso em tela (...) pela natureza dos registros lançados nas diferentes operações de preenchimento, uma delas correspondendo a dizeres cujo teor não enseja variações (como nomes no pagador e da localidade), enquanto que em momento diverso foram apostas aquelas anotações cujo teor dependeria do número de dias trabalhados (como valores, período, dia) ou da pessoa a executar o serviço (nome do quitador), não pode ficar afastada a hipótese de uma preparação previa e parcial dos recibos com registros de presença constante, a serem posteriormente complementados com aqueles de caráter variável.” [grifei].

Ainda que não tenha sido procedida a perícia especificamente nos recibos juntados nesta ação (fl. 12), o fato de terem sido entregues pela procuradora do reclamante numa mesma ocasião, conforme se verificou em outros processos (0005300-92.2009.5.04.0291, 0005800-61.2009.5.04.0291, 0006100-23.2009.5.04.0291, 0006200-75.2009.5.04.0291, 0011700-25.2009.5.04.0291 e 0027500-93.2009.5.04.0291), bem como o fato da notória semelhança entre os documentos, reforça a tese de que os recibos também se encontram eivados do vício da fraude, tal qual demonstrado nos recibos periciados, restando amplamente comprovado nos autos que a parte autora agiu de forma maliciosa no ajuizamento e na instrução deste processo, alterando de forma explícita a verdade dos fatos trazidos ao conhecimento do Juízo.

Aliás, a fraude no preenchimento dos recibos juntados pela procuradora do autor, bem como o conluio do representante da Cooper Forte Sul – João Camargo, são confirmados pelo reclamante Clóvis Manoel Ribeiro dos Santos, quando prestou depoimento na reclamatória n. 0011700-25.2009.5.04.0291 em 19/01/2010[5]: “... que inquirido especificamente quanto aos recibos juntados aos autos, em face do que informou em seu depoimento, diz que estes recibos são os que assinava, que sua advogada tem cópia pois o seu colega que mora em sua rua, Dago, disse para ir na cooperativa "que estão dando recibos para todo mundo"; que quem dava os recibos era a filha de João Camargo; que não recorda quantos recibos pegou. (...) Que os documentos foram buscados na cooperativa após o depoente ter contatado com sua advogada.” [grifei].” (grifos originais).   

Atenta-se, ainda, à resposta ao ofício expedido ao INSS (fls. 149/151) que indica o recolhimento de contribuições previdenciárias em favor do reclamante pelas empregadoras “sindicato dos sncaen de m em geral de novo ham”, a partir de 30/09/2005 e para “Standard Logística e Distribuição S/A” a partir de 05/05/2009. Registre-se que tais períodos coincidem com grande parte do período em que o autor postula o reconhecimento do vínculo de emprego com a primeira reclamada.

Diante de todo o exposto, entende-se que não está comprovado o preenchimento, pelo reclamante, dos requisitos estabelecidos no art. 3º, da CLT.

Sentença mantida.

 

4.a) Litigância de má-fé.

Em relação à aplicação da pena de litigância de má-fé, no caso, necessárias as seguintes ponderações. Repitam-se os fundamentos expostos na sentença, nos seguintes termos: “O artigo 14 do Código de Processo Civil estabelece, como deveres da parte, “expor os fatos em juízo conforme a verdade” e “proceder com lealdade e boa-fé”. O artigo 17 do mesmo diploma legal, em seu inciso II, reputa litigante de má-fé à parte que alterar a verdade dos fatos, sendo que o artigo 18 do mesmo diploma legal prevê os parâmetros para condenação do litigante de má-fé.

O reclamante, juntamente com seus procuradores – Lucila Beatriz Abdallah Nunes e Paulo Adriano Rolim Abdallah, tentam induzir o Juízo a erro, trazendo aos autos documentos comprovadamente falsificados, elaborados de forma fraudulenta no processo, a fim de alterar a verdade dos fatos.

Veja-se os termos do depoimento prestado por outro reclamante Leandro de Oliveira Alves, em 10/02/2010, nos autos da reclamatória n. 0005400-47.2009.5.04.0291[6] que demonstra a ação arquitetada e intencional de falsear fatos e induzir o juízo em erro: “... que no entender do depoente entrou com este processo em favor do sr. Camargo e não contra ele; que não tem idéia do que está sendo postulado nesta ação; que conheceu a procuradora Lucilla através do sr. Camargo, que disse a ele que ela seria sua advogada; que entrou com o processo pois o sr. Camargo tinha que tirar dinheiro do próprio bolso para pagar os empregados, já que a Ambev não pagava, e no entender do depoente isto estava errado; que foi o sr. Camargo quem deu a idéia ao depoente de ingressar com a ação, esclarecendo que nem o sr. Camargo recebia dinheiro; que nunca foi ao escritório dos seus advogados, sendo tudo acertado na própria cooperativa ...” [grifei]. Assim, o relato transcrito, somado a todos os fatos acima noticiados em relação à fraude nos recibos que foram juntados em todas as ações patrocinadas pela mesma procuradora, demonstra fortes indícios de conluio entre a procuradora e o representante da Cooper Forte Sul – João Camargo do Nascimento. Tudo indica que havia uma prévia combinação entre parte autora e primeira reclamada para que recibos fraudulentos viessem aos autos comprovar as alegações dos autores, para que pífias contestações fossem apresentadas por João Camargo e que, depois, declarações de revelia e penas de confissão aplicadas à primeira reclamada determinassem que as demais envolvidas no processo respondessem integralmente pelas condenações.

É lamentável a conduta processual da parte autora e da primeira reclamada, devendo tal prática ser coibida na forma prevista em lei, enquadrando-se a hipótese nos artigos 14, caput e 17, inciso II do CPC, representando absoluto desrespeito ao Poder Judiciário.

A Lei n. 8.906/94 que regula o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, assim dispõe no seu artigo 32 e parágrafo único: “Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.”.

O artigo 6º do Código de Ética e Disciplina da OAB[7] estabelece que:  “É defeso ao advogado expor os fatos em Juízo falseando deliberadamente a verdade ou estribando-se na má-fé”. O artigo 20 do mesmo diploma legal dispõe que: “O advogado deve abster-se de patrocinar causa contrária à ética, à moral ou à validade de ato jurídico em que tenha colaborado, orientado ou conhecido em consulta; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ético quando tenha sido convidado pela outra parte, se esta lhe houver revelado segredos ou obtido seu parecer.”.

Assim, com base no artigo 18, combinado com o artigo 17, inciso II, do CPC, e nos termos do nos termos do artigo 32, caput e parágrafo único da Lei n. 8.906/94, bem como dos artigos 6º e 20 do Código de Ética e Disciplina da OAB, declaro o autor e seus procuradores – Lucila Beatriz Abdallah Nunes (OAB/RS 28.351) e Paulo Adriano Rolim Abdallah (OAB/RS 32.703), litigantes de má-fé, condenado-os ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, cada um, cujo valor deverá ser revertido para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Sapucaia do Sul, (criado pela Lei Municipal n. 2.906/06 que revogou a Lei Municipal n. 1.956/97), CNPJ: 88.185.020/0001-25, a ser depositado em nome do Fundo, no Banco do Brasil, Agência 2672-7, conta corrente n. 6.000-3, com comprovação nos autos.

Ainda, determino a expedição de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil, com cópia da presente, para que esta tome as providências que entender cabíveis, bem como ao Ministério Público Federal para apuração do crime de falsidade de documento.

Determino, também, que a Secretaria da Vara dê ciência da presente decisão ao Ministério Público do Trabalho, nos autos da Ação Civil Pública n. 0000202-92.2010.5.04.0291, com cópia desta sentença.”. (grifos originais)

Mantém-se a Sentença em relação à condenação à pena de litigância de má-fé aplicada ao autor.

Em relação à pena aplicada aos procuradores, faz-se a análise que segue. O artigo 32, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, dispõe o seguinte, in verbis:

“Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

         Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.” (grifos atuais).

Diante do mencionado dispositivo legal, cumpre afastar a condenação à pena de litigância de má-fé em relação aos procuradores, sendo mantida a determinação de expedição de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil.

Recurso parcialmente procedente, no aspecto.

 

RECURSOS DO RECLAMANTE (MATÉRIA REMANESCENTE), SEGUNDA E TERCEIRA RECLAMADAS. MATÉRIA PARCIALMENTE COMUM.

5. INDENIZAÇÃO POR DANO SOCIAL (DUMPING SOCIAL). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

A segunda reclamada, J.M. empreendimentos, transporte e serviços Ltda., insurge-se contra a Sentença que condenou as reclamadas, de forma solidária, ao pagamento de indenização pela prática de “dumping social”. Sustenta, de forma preliminar, que o presente feito deve ter a sua decisão totalmente anulada, por evidente equívoco no julgamento quanto ao reconhecimento da responsabilidade solidária da ora recorrente, uma vez que não houve qualquer pedido, nesse sentido, na peça vestibular. Observa que o reclamante apenas requereu, na inicial, a declaração da responsabilidade subsidiária da ora recorrente, não realizando nenhum pedido específico, ou mesmo alternativo, de condenação solidária. Dessa forma, diz ser evidente que a decisão se afigura como “extra-petita”, não podendo ser aceita, sob pena de afronta aos artigos 128 e 460, do CPC, o que torna a decisão nula. Diante disso, busca a reforma da sentença para que seja considerada nula a Sentença em face do julgamento “extra petita”, com o retorno dos autos à origem para que seja proferida nova decisão. Requer, ainda, caso não se adote o entendimento proposto, que se determine, de forma preliminar, a exclusão da condenação solidária imposta a ora recorrente, uma vez que inexiste pedido específico. Sustenta, também de forma preliminar, que a Sentença deve ser anulada, tendo em vista evidente equívoco do julgador a quo quando do deferimento da indenização por dano social (dumping social) no valor de R$ 100.000,00, uma vez que não há qualquer pedido na peça vestibular, relativamente a indenização deferida. Dessa forma, diz ser evidente que a decisão se afigura como “extra-petita”, não podendo ser aceita, sob pena de afronta aos artigos 128 e 460, do CPC, o que torna a decisão nula. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a anulação da Sentença e a determinação de retorno dos autos à origem, para nova decisão.              

Em relação ao mérito, além de se reportar as preliminares já argüidas, a segunda reclamada sustenta, em resumo, que não lhe pode ser atribuída a responsabilidade de forma solidária pelos créditos impagos e devidos pela real empregadora do autor. Assevera que a Sentença deverá ser reformada, tendo em vista que a condenação de forma solidária da ora recorrente violou, além da Súmula 331, IV, do TST, do §2º, do art. 2º da CLT e do art. 265 do CC, também o art. 5º, inciso II, da CF. Quanto ao mérito da questão relativa ao deferimento da indenização por dano social, a segunda reclamada sustenta, em resumo, que não há amparo jurídico para a condenação titulada, uma vez que visa criar fundo em conta judicial para satisfação de crédito oriundo de outras ações trabalhistas arquivadas com dívida na unidade judiciária do juízo de origem. Alega que, ainda que se considerasse existente a “macro lesão” referida na Sentença, decorrentes dos inúmeros processos contra a mesma reclamada nos mesmos aspectos, ainda assim careceria de iniciativa a indenização impingida na Sentença, uma vez que determinada de ofício. Afirma que caberia ao Ministério Público promover a referida ação, nos termos do item III, do art. 129, da CF, jamais ao juiz singular, em uma ação individual, como realizado no presente feito. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da Sentença. 

A terceira reclamada, Companhia de Bebidas das Américas - AMBEV, insurge-se contra a Sentença que condenou as reclamadas, de forma solidária, ao pagamento de indenização pela prática de “dumping social”. Aduz a terceira reclamada que se surpreendeu duplamente com a elevadíssima condenação a título de “dumping social”, uma vez que inexiste qualquer pedido relacionado ao assunto e em vista da improcedência da ação. Sustenta, em resumo, que ao contrário do entendimento adotado pela juízo de origem, no sentido de que inexiste julgamento além dos limites da lide pelo fato de a condenação imposta encontrar amparo nos artigos 186, 187, 404, parágrafo único, 927 do CC e artigos 952, “d” e 832, §1º da CLT, é inconteste que não foi observado o limite imposto à lide, restando violado o disposto nos artigos 2º, 128, 293 e 460, todos do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao Processo Trabalhista. Afirma que na presente ação o reclamante não inclui entre os pedidos formulados na petição inicial qualquer pleito de pagamento de indenização por dano social, isto é, por dano causado à esfera coletiva. Diz que, além disso, não existe nos autos qualquer intervenção do Ministério Público do Trabalho no sentido de postular o pagamento de indenização por dano coletivo. Assevera que o juízo a quo não possui legitimidade para propor tal medida de ofício, uma vez que a indenização deferida somente poderia ter sido postulada em sede de ação civil pública, nos termos dos artigos 5º e 7º da Lei nº 7.347/85. Conclui essa primeira exposição aduzindo que a condenação em parcela não incluída nos pedidos elencados na petição inicial caracteriza julgamento extra petita, extrapolando os limites da lide, violando, assim, os artigos 128 e 460, caput, do CPC. Ressalta, ainda, que a obrigatoriedade de limitação do provimento sentencial aos limites da lide decorre justamente da necessidade de serem garantidos à reclamada os direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, conforme previsto no respectivo art. 5º, LV. Aduz que, ainda que superadas as questões anteriormente argüidas, não há como ser mantida a condenação ante a inexistência de previsão legal para a imposição de penalidade a tal título, ainda mais visando criar fundo a ser depositado em conta à disposição do juízo para pagamento de processos arquivados com dívida naquela Unidade Judiciária. Registra, ainda, que não se pode condenar a recorrente por “dumping social”, também, a partir da realidade dos autos. Para tanto, aduz que o “dumping” caracteriza-se como uma conduta comercial com o intuito de prejudicar e eliminar do mercado os concorrentes. Assevera que, no âmbito das relações de trabalho, o dano social poderia ser compreendido pela obtenção de lucros excessivos pelo empregador que, através de medidas reiteradas e contumazes, suprime direitos dos trabalhadores e paga salários aviltantes, podendo, com isso, oferecer produtos com preços bem inferiores no mercado, à custa da exploração da mão-de-obra. Afirma que, no caso em análise, “salta aos olhos” a alegação de “dumping social” em uma reclamatória que foi julgada improcedente. Salienta, também, que a reclamada é uma das maiores empregadoras do Município de Sapucaia do Sul, sendo que sua atividade empresarial gera divisas para o Estado, cria incontáveis postos de trabalho e desenvolve a região e seus arredores. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da decisão para ser absolvida da condenação imposta. Requer, caso não seja provido o recurso nos termos anteriores propostos, a redução do valor da condenação, uma vez que considera desarazoado e desproporcional.                             

O reclamante, por sua vez, insurge-se contra o valor arbitrado a título de dano social. Sustenta, em resumo, que a condenação das reclamadas, de forma solidária, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) “beira a ingenuidade” por parte do Juízo de origem, uma vez que a terceira reclamada faz parte do segundo maior conglomerado mundial de fabricação e venda de bebidas. Alega que os prejuízos causados pela terceira reclamada ao mercado de trabalho, os impostos que deixou de recolher aos cofres públicos, o lucro que obteve com a prestação de trabalho dos cooperativados às margens da lei, sem qualquer ônus trabalhista e previdenciário, os prejuízos gerados ao Município, são incalculáveis. Diz que o valor arbitrado pelo juízo não atinge o faturamento de um único dia de produção e distribuição dos produtos da terceira reclamada, não possuindo assim qualquer caráter punitivo. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da Sentença para que seja arbitrado, a título de dumping social, um valor não inferior a R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais).

A sentença (fls. 176/184) condenou as reclamadas nos seguintes termos: “Condeno, assim, as reclamadas, solidariamente, ao pagamento de indenização em valor que fixo em R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser corrigido na proporção dos créditos trabalhistas, a partir da data de publicação da presente decisão. O valor deverá ser depositado em conta à disposição do Juízo e será utilizado para pagamento dos processos arquivados com dívida nesta Unidade Judiciária, com prioridade aqueles que envolvam condenação de cooperativas de trabalhadores que prestaram serviços em condições similares e causaram lesões de igual porte, a iniciar pelo mais antigo, observada a ordem cronológica, na proporção de no máximo R$ 5.000,00 para cada exequente.” (grifos atuais)

Examina-se.

Primeiramente, cabe referir que no processo trabalhista, tendo em vista os princípios da celeridade e do aproveitamento dos atos processuais, o julgamento extra petita não acarreta a nulidade da Sentença. Apenas se exclui parte excedente ao postulado, quando se verifica sua ocorrência.

Tendo por base as considerações iniciais expostas na Sentença e reproduzidas no item 1 e o conteúdo constante dos presentes autos, coaduna-se com o entendimento do juízo de origem acerca da conduta das reclamadas no que se refere ao agir de forma reiterada e sistemática na precarização e violação de direitos, principalmente os trabalhistas.

Destaca-se, em relação a essa questão, o enunciado aprovado na 1º Jornada de Direito Material e Processual, em 2007, realizada no Tribunal Superior do Trabalho, com a seguinte redação:

4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois como tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.”

Como bem exposto pelo juízo a quo, o entendimento inovador acima mencionado é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleu na presente demanda. Como já referido na sentença, “a atividade jurisdicional não pode ser conivente com tamanho abuso praticado por aqueles que exploram atividades econômicas que visam essencialmente o lucro em detrimento de relações sociais (...)”.

Lembra-se, para tanto, os fundamentos constantes do processo nº 0058800-58.2009.5.04.0005, da lavra da Juíza Valdete Souto Severo, nos seguintes termos: “(...) considerando o número expressivo de processos relatando realidade de contumaz e reiterada inobservância dos mais elementares direitos humanos (nem sequer refiro os trabalhistas, mas apenas aqueles decorrentes do necessário respeito à integridade moral dos trabalhadores), entendo esteja a reclamada a praticar o que a jurisprudência trabalhista vem denominando “dumping social”. (...) Ao desrespeitar o mínimo de direitos trabalhistas que a Constituição Federal garante ao trabalhador brasileiro, a empresa não apenas atinge a esfera patrimonial e pessoal desse ser humano, mas também compromete a própria ordem social. Atua em condições de desigualdade com as demais empresas do mesmo ramo, já que explora mão-de-obra sem arcar com o ônus daí decorrente, praticando concorrência desleal.

Em um país fundado sob a lógica capitalista, em que as pessoas sobrevivem daquilo que recebem pelo seu trabalho, atitudes como aquela adotada pela reclamada se afiguram ofensivas à ordem axiológica estabelecida. Isso porque retiram do trabalhador, cuja mão-de-obra reverte em proveito do empreendimento, a segurança capaz de lhe permitir uma interação social minimamente programada. (...) Ou seja, ao colocar o lucro do empreendimento acima da condição humana daqueles cuja força de trabalho justifica e permite seu desenvolvimento como empresa. Na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada pelo TST, em 23/11/2007, da qual participaram operadores de todas as áreas do direito do trabalho, foi aprovado Enunciado dispondo: “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. (...)

O professor Eugênio Facchini Neto, ao tratar da função social da responsabilidade civil, refere que “se o Direito, muitas vezes, sente-se incapaz para evitar e neutralizar os riscos, se os danos são inevitáveis, frutos inseparáveis da convivência social e do desenvolvimento tecnológico, ao menos o Direito deve buscar formas de fornecer segurança jurídica, no sentido de que todo o dano injusto (entendendo-se por dano injusto todo aquele para o qual a vítima não deu causa) deve ser, na maior medida possível, reparado”. O autor conclui o texto declarando: a idéia de função social, no âmbito do direito privado, está ligada ao valor da solidariedade. A própria solidariedade, na verdade, nada mais é do que uma conseqüência jurídica da inerente socialidade da espécie humana. Se a pessoa humana não consegue sobreviver senão em sociedade, se dependemos diuturnamente de outras pessoas, não só para vivermos com qualidade de vida, mas até mesmo para sobrevivermos, então resta claro que o que quer que façamos tem repercussão na vida de outrem. O Direito deve levar isso em consideração”. Esse é o fundamento axiológico da noção de reparação do dano social, que atinge não apenas a esfera individual, mas também essa sociedade, que pretendemos seja justa e solidária. (FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre, v.34, n.105, p. 153-188, mar. 2007).” Portanto, entende-se que, no caso, as reclamadas cometeram o denominado dumping social.

Dessa forma, afigura-se razoável, diante da situação posta no processo, manter a Sentença que condenou as reclamadas, solidariamente, ao pagamento de indenização a título de dumping social. Entende-se razoável, também, diante das circunstâncias, manter o valor da condenação que foi arbitrado em R$ 100.000,00.

Registre que a condenação solidária das reclamadas se justifica como forma de se coibir a conduta reiterada e sistemática de contratação de mão de obra irregular e precária, bem como para se coibir o agir do qual resulte em outras violações como as constatadas nos presentes autos e já referidas.

Salienta-se, ainda, e de conformidade com o já exposto pelo juízo de primeiro grau, que não há falar em julgamento extra petita, diante dos fundamentos retro expendidos. Não há falar, também, em violação de dispositivos legais e constitucionais, principalmente os referidos nos recursos.

Em relação à destinação do valor arbitrado a título de dumping social, é razoável que tal valor seja destinado ao “Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”, criado pela Lei 7.437/85, cujo objetivo é promover a reparação dos bens lesados e não sendo mais possível, os valores devem ser destinados a uma finalidade compatível. Sobre a questão, lembre-se o artigo do Juiz Rodrigo Trindade de Souza, PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal.”.

Condenação mantida.

   

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Preliminarmente, por unanimidade, rejeitar os requerimentos formulados em contrarrazões pelas reclamadas.

No mérito, por maioria, vencida a Desa. Flávia Lorena Pacheco quanto à manutenção da condenação em Dumping Social, negar provimento aos recursos das reclamadas.

Por maioria, vencida a Desa. Flávia Lorena Pacheco dar provimento parcial ao recurso do reclamante para afastar a condenação à pena de litigância de má-fé em relação aos procuradores, sendo mantida a determinação de expedição de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil. 

Intimem-se.

Porto Alegre, 10 de novembro de 2010 (quarta-feira).

 

 

DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA

Relator

\7



[1] Processos n. 0005000-33.2009.5.04.0291, 0005200-40.2009.5.04.0291 e 0005700-09.2009.5.04.0291, todos da 1ª VT de Sapucaia do Sul.

[2] Reclamante: Kleber Luis Da Rocha Dillmann; reclamadas: Cooper Forte Sul, JM e AMBEV.

[3] Reclamante: Cristian Alves Figueiró; reclamadas: Cooper Forte Sul, JM e AMBEV.

[4] Reclamante: José Paulo do Nascimento; reclamadas: Cooper Forte Sul, JM e AMBEV.

[5] Disponível em: http://iframe.trt4.jus.br/consultaprd/pls/submete?controle=1LfdoMd1s3Y4pTOWC&nroprocesso1 =0011700-25.2009.5.04.0291&nrodocumento=VARA-16&intervalo=60&acao=documento

[6] Disponível em: http://iframe.trt4.jus.br/consultaprd/pls/submete?controle=1LfeFhWmVIdPV8lRu&nroprocesso1 =0005400-47.2009.5.04.0291&nrodocumento=VARA-16&intervalo=60&acao=documento

[7] Disponível em: http://www.oabrs.org.br/cod_etica_disciplina.php