EMENTA: INDENIZAÇÃO POR “DUMPING SOCIAL”. Tendo a reclamada agido de forma reiterada e sistemática na precarização e violação de direitos, principalmente os trabalhistas, o entendimento referente à indenização por dano social é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Dessa forma, afigura-se razoável, diante da situação verificada nos autos, que a reclamada seja condenada ao pagamento de indenização a título de dumping social.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes CPM BRAXIS S.A. E XXXXXXXXXXXX e recorridos OS MESMOS.

 

Ajuizada ação trabalhista em face do contrato de trabalho apontado na petição inicial, de 25.04.2000 até 07.03.2009, foi proferida Sentença às fls. 327/335, integrada pela Decisão de embargos declaratórios de fls. 344.

A reclamada interpôs recurso ordinário às fls. 349/412. Requer o recebimento do recurso no efeito suspensivo e devolutivo. Busca, primeiramente, seja declarada a nulidade da Sentença por negativa de prestação jurisdicional, supressão da oitiva de testemunhas e ofensa ao contraditório e ampla defesa; seja declarada a nulidade da Sentença de embargos de declaração. Busca a reforma da Sentença, também, em relação aos seguintes aspectos: multa por litigância de má-fé; prescrição quinquenal; retificação da data de admissão na CTPS; condenação por danos sociais; descontos previdenciários e fiscais; honorários advocatícios; critérios de apuração da correção monetária; aplicabilidade do art. 475J do CPC; vínculo de emprego; horas extras, intervalo intrajornada e adicional noturno; adicional de sobreaviso; integração do salário da cota utilidade; e indenização por despesas com combustível.

O reclamante, por sua vez, interpôs recurso adesivo às fls. 460/463, requerendo a reforma da Sentença quanto ao pleito de danos morais.

Contrarrazões do reclamante às fls. 464/470 e, da reclamada, às fls. 474/476.              

Subiram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

RECURSO DA RECLAMADA.

1. EFEITOS DO RECURSO.

Requer a reclamada seja o presente recurso recebido no duplo efeito, suspensivo e devolutivo. Relata que a Sentença determinou que a recorrente retificasse a data de admissão na CTPS do recorrido até o dia 17/05/2010 (atualmente até o dia 26/07/2010, tendo em vista a greve deflagrada pelos servidores da justiça do trabalho), sob pena de multa diária de R$ 500,00, ou seja, antes do trânsito em julgado da decisão, sob o fundamento de assegurar o resultado prático do julgado, como se a sua decisão fosse derradeira. Aduz que a decisão afronta os artigos 5ª, II, LIV, e LV, da CF, bem como que não há falar em aplicação do art. 461, §3º, §4º e §5º, do CPC, uma vez que não se trata a presente reclamação de ação com pedido de obrigação de fazer ou não fazer. Ainda, assevera que não há pedido específico de tutela antecipada para a retificação da CTPS obreira. Requer a aplicação do efeito suspensivo ao presente Recurso Ordinário, tornado-se regular o exercício do direito da recorrente até o julgamento e o trânsito em julgado da ação.

Examina-se.

A decisão de retificação da data de admissão na CTPS do recorrido até o dia 17/05/2010, sob pena de multa diária de R$ 500,00, na forma como definido em sentença, não pode ser mantida. 

Como a Sentença estava sujeita a recurso e, portanto, podendo ser modificada quanto ao pleito objeto da determinação de retificação de CTPS, a data limite para a referida retificação deveria ser posterior ao trânsito em julgado da decisão.

A Sentença determinou que o reclamante depositasse sua CTPS em secretaria até o dia 07/05/2010, sendo que a reclamada teria até o dia 17/05/2010 para efetuar a retificação, sob a pena acima mencionada. Portanto, 10 dias após a entrega da CTPS em secretaria. Assim, no caso, entende-se que a multa só deverá ser aplicada à reclamada caso seja mantida a determinação de retificação e somente após o 10º dia útil do trânsito em julgado da decisão, caso a reclamada não efetua e retificação em questão.

Dá-se provimento ao recurso, no tópico, para determinar que, no caso de ser mantida a condenação referente à retificação, a multa será aplicada à reclamada, após o 10º dia útil, todavia contado do trânsito em julgado da decisão e se a reclamada não tiver efetuado a retificação em questão.

 

2. NULIDADE DA SENTENÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SUPRESSÃO DA OITIVA DE TESTEMUNHAS. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

Relata a reclamada que, em audiência realizada no dia 22.04.2010, a recorrente teve seu direito de defesa tolhido pelo juiz que achou por bem delimitar a oitiva das testemunhas apenas quanto aos supostos danos morais, ao argumento de que houve confissão ficta decorrente do depoimento pessoal da reclamada, em relação às demais matérias envolvidas na lide. Sustenta que equivocou-se o juízo a quo no que diz respeito à existência de confissão ficta derivada do depoimento pessoal quanto às demais matérias, com exceção aos danos morais. Aduz que resta claro que o juiz que conduziu a audiência cerceou o direito de defesa da recorrente, pois indeferiu a produção da única prova passível de demonstrar o descabimento das pretensões autorais, qual seja, a prova testemunhal. Colaciona jurisprudência favorável. Requer seja declarada nula a Sentença proferida, remetendo-se os autos à Vara de origem para a realização de audiência de instrução e, posteriormente, prolação de nova Sentença.

Examina-se.

O juízo de primeiro grau, na ata de audiência de fls. 314/315, consignou o seguinte: “Diante das declarações do preposto, resta como matéria controversa somente a questão do dano moral.”. Assim, delimitou a oitiva das demais testemunhas somente quanto aos danos morais.

Compete ao magistrado a direção do processo, sendo-lhe facultado apreciar livremente a prova, atentando aos fatos e às circunstâncias constantes nos autos, nos termos preconizados pelo art. 131 do CPC. Desta forma, ao delimitar a oitiva das demais testemunhas apenas quanto aos danos morais, o Julgador agiu dentro do poder de livre direção do processo que a lei lhe confere, não se cogitando de cerceamento ao direito de produção de prova. 

Diante do exposto, no caso, entende-se inexistente o cerceamento de defesa a ensejar a nulidade pretendida.

Rejeita-se.

 

3. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NULIDADE DA SENTENÇA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF/88 E OFENSA AOS ARTS. 458, DO CPC, E 832 DA CLT.

Sustenta a reclamada que, quando do julgamento dos embargos declaratórios opostos, o juízo de origem restou omisso em julgar diversos pontos de fundamental relevância para o deslinde do objeto da presente demanda. Aduz que, conforme demonstrado em sede de embargos de declaração é fato incontroverso nos autos o rompimento da relação de emprego efetivada entre as partes no dia 07.03.2009, com aviso-prévio trabalhado, conforme inclusive confessado na própria petição inicial, em seu parágrafo primeiro. Assevera que, nesse mesmo sentido, conforme aduzido em sede de embargos de declaração, a documentação carreada com a inicial e a defesa, no caso, o Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho do reclamante, devidamente assinado pelas partes e homologado com a assistência do Sindicato Patronal (SINDPD-RS) no dia 22.04.2009, dá plena ciência de que a data do aviso-prévio deu-se em 06.02.2009 e o afastamento em 07.03.2009. Assim, aduz que requereu, em sede de embargos declaratórios, pronunciamento expresso do juízo a quo quanto à inexistência de qualquer controvérsia nos autos acerca da extinção do contrato de trabalho plenamente efetivada em 07.03.2009, motivo pelo qual evidente o equívoco perpetrado na Sentença embargada ao considerar: que o contrato de trabalho efetivado entre as partes ainda está em vigência; ser inviável o fluxo do prazo prescricional na vigência do contrato de emprego; olvidar-se em constar na parte dispositiva tais ponderações sobre a prescrição; determinar que a embargante, ora requerente, efetuasse retificações na data de admissão na CTPS do reclamante, antes do trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 500,00. Relata que requereu, ainda, posicionamento expresso acerca da aplicabilidade, no presente caso, dos artigos 11, I, da CLT e 7º, XXIX, da CF/88, tendo em vista, ainda, todas as demais verbas da condenação que não observaram o manto prescricional sob a fundamentação de que a relação de emprego ainda está em vigor. Diante do exposto, requer seja acolhida a preliminar de nulidade da Sentença, por negativa de prestação jurisdicional, para que seja determinado o retorno dos autos à instância a quo, e sejam julgadas as questões postas à apreciação em sede de embargos de Declaração, como bem entender aquele juízo.

Examina-se.

A Sentença de embargos de declaração de fl. 344 julgou a questão da seguinte maneira: “Conforme artigo 897A da CLT, os embargos de declaração no âmbito do processo do trabalho são cabíveis nas hipóteses de “omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso”. A reclamada-embargante sequer alega qualquer dessas hipóteses. Em realidade, revela sua inconformidade com a decisão proferida, insuscetível de ser dirimida por meio de embargos. Para tanto, deve manejar o recurso adequado.”.

No caso, não é cabível a declaração de nulidade da Sentença de embargos de declaração, não se podendo falar em negativa de prestação jurisdicional. Isso porque, o juízo a quo, quando da prolação da referida Sentença, entendeu que a embargante demonstrou inconformidade com a decisão proferida, e, portanto, insuscetível de ser dirimida por meio de embargos declaratórios. Importante ressaltar, ainda, que a matéria objeto dos presentes embargos pode sofrer reforma através do recurso adequado, qual seja, o recurso ordinário.

Rejeita-se.

 

4. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. OFENSA AOS ARTIGOS 5º, LIV E LV DA CF/88.

Relata a reclamada que foi condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Sustenta, em resumo, que à luz do princípio da razoabilidade não poderia a recorrente ter sido condenada ao pagamento da referida multa, uma vez que encontra-se no exercício de direito de defesa, garantido no ordenamento jurídico e assegurado pela Constituição Federal. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da Sentença para ser excluída a referida multa.   

Examina-se.

No caso, não se verifica que a interposição dos embargos declaratórios tenha atraído a incidência de algumas das hipóteses do art. 17 do CPC, motivo pelo qual não há falar em condenação da reclamada por litigância de má-fé. O que se verificou, com a interposição dos embargos de declaração, foi o exercício do direito de ampla defesa, assegurado no inciso LV do art. 5° da Constituição Federal de 1988.

Diante disso, dá-se provimento ao recurso da reclamada, neste tópico, para afastar a multa por litigância de má-fé a ela aplicada.

 

5. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ROMPIMENTO DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. AFRONTA AO ART. 7º, XXIX C/C ARTIGO 11, I, DA CLT. AFRONTA ÀS SÚMULAS Nº 206 E 308, DO TST.

A Sentença, em suma, decidiu que “diante desses fundamentos, entendo inviável o fluxo do praxo prescricional na vigência de contrato de emprego, operando-se o início da contagem tão-somente após o rompimento da relação. Não se observando tal ocorrência no caso em apreço, em que plenamente vigente a relação havida entre as partes, não há prescrição a ser pronunciada.”.     

A reclamada insurge-se contra referida decisão. Em suma, busca a reforma da Sentença, no aspecto, sob pena de afronta aos arts. 11, I, da CLT e 7º XXXIX, da CF/88. 

Examina-se.

A Julgadora de origem não acolheu a prescrição quinquenal, entendendo que enquanto não garantida a plena eficácia do sistema de garantia contra a despedida arbitrária, a vigência do contrato de emprego constitui elemento impeditivo ao fluxo do prazo prescricional.

Não se desconhece os argumentos de outro Juiz, Aroldo Plínio Gonçalves, de Minas Gerais, além dos mencionados na sentença, todavia em debate anterior a 1988.

Caso em que ajuizada a ação em 09.011.2009, restam atingidas pela prescrição as pretensões relativas a direitos consumados antes de 09.11.2004, de acordo com a regra insculpida no artigo 7°, inciso XXIX, da Constituição Federal, reiterada no artigo 11, inciso I, da CLT.

Dá-se provimento ao recurso ordinário da reclamada para declarar a prescrição das parcelas anteriores a 09.11.2004.

 

6. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. FRAUDE.

A Sentença (fls. 327/335) declarou a existência de relação jurídica de emprego entre as partes, desde 25.04.2000, determinando que a reclamada fizesse o registro correto da data de admissão e da remuneração na CTPS do autor.

Insurge-se a reclamada contra a mencionada decisão. Reitera a sua preliminar de nulidade da Sentença pela supressão da oitiva de suas testemunhas, em patente ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa. Aduz que, ao contrário do que restou decidido pela Sentença recorrida, não houve, em período anterior a 02.09.2004, nenhum tipo de vínculo empregatício entre o recorrido e a ora recorrente COM BRAXIS S.A. nos moldes dos arts. 2º e 3º da CLT. Assevera que o reclamante prestou serviço para a reclamada na qualidade de cooperado, prestador de serviços e pessoa jurídica, esta última através de empresa própria – KLM Gestão em Informática, conforme demonstra o contrato de prestação de serviços de programação na área de informática anexado a defesa. Sustenta que não há prova nos autos de que o recorrido tenha sido coagido a constituir empresa, nem que a sua contratação estivesse atrelada a essa condição, sendo que se percebe que o reclamante não foi obrigado a constituir empresa e prestar serviços exclusivos à reclamada, nos exatos termos dos arts. 818 da CLT c/c e 333, I, ambos do CPC. Afirma que a fraude necessita de prova robusta, o que não ocorreu no presente caso. Diz que se não há subordinação pessoal, física, técnica ou intelectual, não há como se deferir qualquer tipo de vínculo nos exatos termos do artigo 3º da CLT. Lembra que o poder diretivo havido no contrato de trabalho autoriza o empregador a dirigir, dando ordens no cumprimento de cada tarefa, incidindo diretamente no modus operandi do cumprimento da prestação. Cita os arts. 442 e 113 do CCB. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da Decisão.             

Examina-se.

A questão relativa à nulidade da Sentença pela supressão da oitiva de testemunhas já foi analisada no item 2. Portanto, descabe sua apreciação, reportando-se ao já decidido no item específico.

Quanto à questão do vínculo empregatício faz-se a seguinte análise. Na inicial o reclamante afirmou que foi admitido em 25.04.2000, tendo exercido nos últimos anos a função de supervisor, sendo que, não obstante tenha o autor iniciado suas atividades na data acima referida, somente teve sua CTPS assinada pela reclamada na data de 02.09.2004. Requereu o reconhecimento do vínculo a contar de 25.04.2000. Aduziu que visando fraudar a relação de trabalho havida, o autor foi obrigado a ingressar em uma cooperativa de trabalho chamada cooperdata, contudo, sempre laborou diretamente vinculado a ora reclamada. Falou que tal condição perdurou até 01.05.2003, quando então, por ordem da ora demandada, o autor passou a trabalhar através de uma empresa interposta, chamada Quinta-onda, porém, mais uma vez, sempre vinculado à ora reclamada. A situação narrada, segundo o reclamante, perdurou até 21.10.2003, quando então, o autor passou a laborar de forma avulsa, sem qualquer tipo de anotação em sua CTPS, bem como sem qualquer tipo de contratação por parte da reclamada, situação essa que se manteve até 05.01.2004, mas sempre prestando labor diretamente para a demandada. Asseverou que, em 05.01.2004, por ordem da reclamada, foi obrigado a constituir uma empresa de nome KLM gestão em informática, tendo labora nessa condição para a reclamada até 01.09.2004, quando então teve sua CTPS assinada pela mesma.

Como bem referido pelo juízo de origem, a reclamada expressamente admite a prestação de serviços do autor, a partir de 2000. Sua alegação de que não houve vínculo de emprego, mas sim relação de trabalho autônoma, não é corroborada pelos elementos probatórios. O representante da reclamada, em audiência, prestou declarações que demonstram a natureza da relação havida entre as partes. Informa que “a empresa faz desenvolvimento de softwares, atendimento de redes e consultoria” e que, inclusive, “o reclamante atuou como analista de infra-estrutura”. As declarações acima são suficientes para revelar a existência de subordinação nas atividades desempenhadas pelo reclamante, isso porque, já em 2000, foi contratado para realizar atividade essencial à consecução do objeto social da empresa.

O representante da reclamada, em depoimento de fl. 314, disse que “a COOPERDATA "foi uma empresa cooperativa que a CPM contratou para prestar todos os serviços que a CPM prestava"; que a COOPERDATA é uma empresa de São Paulo; que desconhece que essa empresa tenha tido sede no Rio Grande do Sul”; “as vezes a COOPERDATA fazia anúncios no jornal local para fazer contratação ou pedia que outra empresa fizesse isso pra ela; que a COOPERDATA fazia a "triagem" dos empregados”. (grifos atuais)

Assim, nas palavras do juízo de origem “Evidencia, pois, com clareza solar, a fraude na contratação de empregados por intermédio de uma pseudo-cooperativa, cuja função era exclusivamente fazer a “triagem”, contratar e “repassar” os trabalhadores para a CPM.”. (grifos atuais)

O preposto, quando do seu depoimento, chega a afirmar que “o gerente do reclamante já na época da COOPERDATA era um empregado da CPM” (grifos atuais) e demonstra a fraude praticada pela reclamada quando informa que “a troca do contrato da COOPERATIVA pela QUINTA ONDA foi uma estratégia administrativa da CPM, cujo objetivo desconhece; que a maioria dos empregado que prestavam serviços pela COOPERDATA passaram a prestar por intermédio de uma empresa chamada QUINTA ONDA; que quando houve a troca, alguém do RH da CPM entrou em contato com o pessoal que trabalhava por intermédio da cooperativa, para poder efetivar contrato com a nova empresa”. (grifos atuais)

Conforme referiu o juízo de origem, restou claramente demonstrado a pouca preocupação da reclamada com o sistema jurídico trabalhista em que está inserida, e que lhe permite atuar no mercado. O preposto chegou a afirmar que “quando você é tratado como PJ você recebe um valor, quando você passa a CLT, a empresa absorve esses valores e estipula um valor justo de mercado"; que as pessoas que trabalhavam como PJ foram chamadas, avisadas de que seriam contratadas como CLT, mas deveriam aceitar o novo valor, os que aceitaram foram efetivados; que valor pago como CLT é inferior; que a remuneração desses trabalhadores foi reduzida em torno de 15 a 20%”. (grifos atuais)

Assim, cumpre transcrever a conclusão a quo: “Do relato da empresa, em seu depoimento pessoal, resta fartamente demonstrada a série de ilegalidades perpetradas pela CPM, que contratou cooperativa fraudulenta para intermediar a mão-de-obra de empregados diretamente a ela subordinados, depois os fez “passar” para uma empresa igualmente fundada com o exclusivo escopo de fraudar direitos trabalhistas, para então “propor” a contratação direta, não sem antes “explicar” a essas trabalhadores a necessidade de redução do salário, de pelo menos 15% a 20%. É um verdadeiro festival de ilegalidades, a ser severamente coibido pelo Poder Judiciário Trabalhista, sobretudo porque praticado com vários empregados, como tornam certas as afirmações do preposto.”. (grifos atuais).

Portanto, sendo manifesta a fraude na forma de contratação e presentes os requisitos do art. 3º da CLT, cumpre manter a decisão de origem que declarou a existência de relação jurídica de emprego entre as partes, desde 25/4/2000 e determinou que a reclamada fizesse o registro correto da data de admissão na CTPS do autor, bem como que anotasse a remuneração inicial de R$1.500,00, alterando-a, a partir de 01/2003, para R$ 4.000,00, remuneração que deverá ser considerada para todos os efeitos, até o final do pacto, na medida em que vedada constitucionalmente a possibilidade de redução unilateral do salário, como realizada pela reclamada.

Em relação ao prazo da anotação da CTPS, reportamo-nos ao decidido no item 1.

 

7. RETIFICAÇÃO DA DATA DE ADMISSÃO NA CTPS ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA DE R$ 500,00.

A Sentença (fls. 327/335) reconheceu o vínculo empregatício entre as partes desde 25.04.2000, determinando que a recorrente realizasse a retificação da data de admissão na CTPS obreira até o dia 17.05.2010, sob pena de multa de R$ 500,00 por dia de atraso.

A reclamada insurge-se contra a referida condenação. Sustenta, em resumo, que não poderia o juízo de origem determinar a retificação da CTPS obreira até o dia 17/05/2010, sem a ocorrência do trânsito em julgado. Aduz que tem um erro evidente de interpretação na lide, uma vez que o contrato de trabalho do recorrido não está em vigor, ou seja, foi incontroversamente rompido em 07.03.2009, motivo pelo qual não há necessidade de se retificar a CTPS obreira. Requer seja reformada a Sentença recorrida que de forma arbitrária e extrapolando os limites da lide, para que seja excluída da condenação a obrigação de retificar a data de admissão da CTPS do reclamante, bem como da multa diária imposta, sob pena de afronta aos artigos legais e constitucionais citados.             

Examina-se.

Mantida a Sentença, conforme item anterior, fica mantida, também, a determinação de retificação da data de admissão na CTPS do reclamante, devendo ser observado, no entanto, o decidido nos itens “1” e “6”, do presente acórdão.

Registre-se que a presente decisão não está a violar dispositivos de lei e da Constituição Federal.

Nega-se provimento.

 

8. JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. ADICIONAL NOTURNO.

A Sentença (fls. 237/335) condenou a reclamada ao pagamento de diferenças de horas extras, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados; uma hora extra por jornada, em face dos intervalos não fruídos, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados; e diferenças de adicional noturno.

A reclamada insurge-se contra essa decisão. Sustenta, em resumo, que nos termos dos artigos 818 da CLT c/c 333, I, do CPC, o recorrido não se desincumbiu de seu ônus probatório. Em relação às horas extras, aduz que recorrido foi contratado para cumprir o horário das 08h às 17h, com intervalo de 01h, para refeição e descanso, de segunda a sexta-feira, respeitando-se, portanto, o limite semanal de 44h. Quanto ao intervalo intrajornada, afirma que a inicial é confessa ao aduzir que o recorrido usufruía de intervalo de 40 minutos para descanso e alimentação, motivo pelo qual não deve prosperar a condenação ao pagamento de 01 hora extra pelo intervalo parcial, e sim apenas os 20 minutos restantes sob pena de enriquecimento ilícito do recorrido. 

Examina-se.

Na petição inicial, o reclamante alegou que a reclamada sempre lhe exigiu o cumprimento de extensa jornada de trabalho, no que era atendida pelo reclamante, uma vez que, do contrário, não conseguiria desvenciliar-se das incumbências que lhe eram impostas. Disse que iniciava a sua jornada em torno de 9 horas, e findava, normalmente, às 22 horas, em média, sendo que, duas a três vezes por semana, laborava até às 02 horas do dia seguinte, sendo que tinha não mais do que 30 a 40 minutos para alimentação. Afirmou que os horários informados acima eram praticados se segunda à sexta-feira. Ainda, disse que por imposição da reclamada, também laborava em sábados, domingos e feriados, na média de dois por mês desenvolvendo jornada laboral das 09 horas às 18 horas, sendo que na média de duas vezes por sábado, duas vezes por domingo e duas vezes por feriado, realizava atendimentos fora do horário acima referido, inclusive durante a madrugada, despendendo em torno de duas horas para cada atendimento. Aduziu que, ainda que laborasse em jornada suplementar excessiva, a reclamada jamais pagou ao reclamante o serviço suplementar prestado, o que pode ser objeto de comprovação através dos contracheques nos autos, sendo que o reclamante anotava o ponto, que não era correto, uma vez que não era permitido anotar a totalidade da jornada laborada, restando desde logo impugnados os referidos documentos.

Na contestação (fls. 181/221) a reclamada destaca que o autor foi contratado para cumprir o horário das 08 horas às 17 horas, com intervalo de 01 hora, para descanso e refeição, de segunda a sexta-feira, sendo respeitado, portanto, o limite semanal de 44 horas, sendo que tal fato pode ser comprovado pelos documentos dos autos. Aduz que referido horário era efetivamente cumprido pelo reclamante, sendo, portanto, impugnados, por inverídicos, os horários de trabalho indicados pelo reclamante, bem como a alegação do reclamante que usufruía apenas de quinze minutos de intervalo para refeição e descanso. Esclarece que a jornada de trabalho era aquela constante nos registros diários, sendo certo que se houve labor extraordinário, sempre foi regularmente pago, bem como seus reflexos. Informa que concedia regularmente o intervalo intrajornada aos seus empregados, restando infrutífera a alegação de supressão de intervalo.         

Como bem referido pelo juízo de origem, embora a reclamada não tenha apresentado os registros de horário do reclamante, o preposto da empresa, em depoimento (fl. 314), admitiu que “o contrato da CPM com a CONTAX inclui previsão de suporte 24h; que o login que o reclamante fazia no sistema da CONTAX fazia constar o horário de início do trabalho no sistema; que não sabe se esses dados são armazenados; que havia plantões de 24h, que eram solicitados esporadicamente pela CONTAX, dos quais o reclamante participava e nessas situações acontecia do reclamante fazer atendimento de madrugada; que o trabalho do reclamante era interno, dentro da sede de um cliente da reclamada; que o reclamante tinha obrigação de cumprir carga horária diária, sendo das 9h às 18h; que o reclamante trabalhava em sábados quando o cliente solicitava, na média de um sábado por mês”. (grifos atuais) Portanto, era possível à reclamada ter o controle sobre o horário trabalhado pelo reclamante.

Dessa forma, aplica-se ao caso, a norma prevista no art. 58, da CLT, relativamente à duração normal do trabalho. Então, como restou evidenciado que o reclamante podia ter seu horário controlado pela reclamada e esta, notadamente, possuía mais de 10 empregados, assumiu ela o dever de registrar a jornada de trabalho do autor, na forma do art. 74, §2º, da CLT. Assim, presume-se verdadeira a jornada de trabalho apontada na inicial, na forma do item I, da Súmula nº 338, do TST, uma vez que a reclamada não apresentou os controles de freqüência do autor e não há, nos atos, prova em sentido contrário.

Dessa maneira, conforme decidido na Sentença, entende-se que o reclamante trabalhava “de 2ª a sábado, das 09h às 22h; e que, em média, 3 vezes por semana permanecia trabalhando até às 2h”, e que “fruía intervalo de 40 minutos”. Mantém-se a fixação de que a jornada se estendia até às 2h nas segundas, quartas e sextas. Pelo cotejo das declarações do reclamante, que não informou trabalho em outros horários, e do preposto da reclamada, que admitiu os plantões e, inclusive, a necessidade de trabalho de madrugada (“havia plantões de 24h, que eram solicitados esporadicamente pela CONTAX, dos quais o reclamante participava e nessas situações acontecia do reclamante fazer atendimento de madrugada”), mantém-se a decisão que fixou tenha o reclamante, além das jornadas antes mencionadas, trabalhado duas horas extras noturnas, em média duas vezes por mês, no primeiro e no último dia útil de cada mês.

Quanto ao intervalo intrajornada, entende-se que a não-concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo para repouso e alimentação implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho, nos termos da Orientação Jurisprudencial 307 da SDI-I do TST.

Ressalva-se, nesta 3ª Turma, o entendimento diverso da Desa. Flávia Lorena Pacheco, quanto à interpretação da mencionada Orientação Jurisprudencial nº 307, da SDI-I, do Tribunal Superior do Trabalho.

Dessa maneira, mantém-se a Sentença que deferiu o pagamento de diferenças de horas extras, assim consideradas as horas trabalhadas além de oito por dia e também as horas que excedem a carga semanal de 44 horas, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados, bem como a que deferiu o pagamento de uma hora extra por jornada, em face dos intervalos não fruídos, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados. Para o efeito de cálculo, deverão ser consideradas as jornadas antes fixadas e o adicional legal, ou aquele pactuado em norma coletiva, se mais favorável e o divisor a ser observado é o 220, conforme decidido na Sentença. Deverão ser considerados como não-trabalhados apenas os domingos e os dias feriados nacionais, estaduais e municipais, de acordo com o já estabelecido. Igualmente, mantém-se a decisão que deferiu o pagamento de diferenças de adicional noturno, observada a hora reduzida noturna e o adicional legal ou aquele pactuado em norma coletiva, se mais favorável, para as horas trabalhadas além das 22h, conforme jornadas antes fixadas. O adicional noturno deverá compor a base para o cálculo das horas extras, que será formada, também, pela remuneração antes reconhecida como devida durante o contrato, também conforme o decidido.  

 

9. HORAS DE SOBREAVISO.

A Sentença (fls. 327/335) condenou a reclamada ao pagamento de “horas de sobreaviso, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados.”.

A reclamada não concorda com a referida condenação. Sustenta, em resumo, que nunca houve determinação por parte da recorrente para que o recorrido permanecesse com o parelho celular ligado após o término da jornada laboral, e muito menos que permanecesse 24 horas à disposição da empresa. Aduz que nesse sentido foi o depoimento do preposto da empresa que esclareceu que o reclamante dava apoio a equipe e que poderia participar de escalas aos finais de semana. Afirma que nem mesmo nessa hipótese estaria a recorrente obrigada a remunerar tais horas, na medida em que ao recorrido não era imposto permanecer em nenhum local sem poder se deslocar, aguardando a determinação da empregadora, inclusive sequer há prova nesse sentido, nos termos dos artigos 818 da CLT c/c 333. Assevera que jamais exigiu que o recorrido permanecesse em sua residência ou em seu escritório e que não havia a necessidade de permanecer à disposição da reclamada e que, se mostra imprescindível para a configuração do sobreaviso a restrição de locomoção do recorrido, o que não se observou no caso em tela. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da Sentença.

Examina-se.

Para que se configure o regime de sobreaviso, é necessário que se prove que o empregador restringiu a possibilidade do empregado de livre locomoção, impondo-lhe, ainda que de forma tácita, a obrigação de permanecer à disposição para as chamadas. Tal prova, contudo, não foi produzida nos autos.

Entende-se, assim, que não houve cerceamento da liberdade de ir e vir do empregado, nem limitação do horário destinado ao convívio familiar e descanso, não havendo falar-se em horas de sobreaviso. Isto porque o espírito da norma é justamente retribuir a privação parcial da liberdade do empregado, no horário em que aguarda, em casa ou fora dela, o chamado do empregador. Nesse sentido, o entendimento contido na OJ 49, da SDI-I, do TST.

Portanto, deve ser reformada a decisão de primeiro grau que condenou a reclamada ao pagamento de “horas de sobreaviso, com reflexos em repousos semanais remunerados e feriados.”.

Dá-se provimento ao recurso da reclamada para absolvê-la da condenação relativa ao pagamento de horas de sobreaviso.

 

10. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO DA COTA UTILIDADE.

Insurge-se a reclamada contra a Sentença que a condenou ao pagamento de integração ao salário da parcela cota utilidade. Sustenta, em resumo, que, ao contrário do entendimento do juízo de origem, não há que se falar em natureza salarial das verbas recebidas a título de “cota utilidade” e “adiantamento”, isso porque nenhuma irregularidade subsiste no procedimento que a recorrente adotou a fim de oferecer aos seus funcionários, no ato de admissão, um pacote de benefícios que abrange previdência privada, reembolso de despesas médicas e farmacêuticas, reembolso de gastos com educação e complemento de vale-refeição e reembolso de combustível, nos exatos termos do artigo 458, §2º, da CLT. Aduz que, além de não haver natureza salarial, trata de uma opção que foi feita pela própria recorrida quando da sua contratação, não havendo que se falar em fraude ou à eventual tentativa de burlar leis trabalhistas. Logo, afirma que, por não integrar a remuneração do emprego, nem tampouco, o salário de contribuição que servirá de base para o recolhimento dos encargos previdenciários, além de correta, é estritamente legal a atitude da recorrente em reembolsar as despesas com transporte, sem que tal valor sirva de base para encargos trabalhistas, quanto previdenciários. Assevera ser evidente que os benefícios quitados pelo recorrente não tem natureza salarial nos exatos termos dos artigos 457, §2º e 458, §2, ambos da CLT. Colaciona jurisprudência favorável. Assim, sob pena de infração aos artigos supracitados, sem prejuízo da violação direta ao art. 5º, II, da CF/88, afirma não há que se falar em pagamento de salário por fora, e muito menos em integração ao salário e reflexos, devendo ser reformada a decisão de primeira instância.

Examina-se.

Pela análise dos demonstrativos de pagamento juntado aos autos, às fls. 22/31, entende-se, conforme decisão do juízo a quo, que o salário-utilidade que consta nos contracheques constitui salário stricto sensu e assim deverá ser considerado por ocasião da liquidação.

Sentença mantida.

 

11. INDENIZAÇÃO POR DESPESAS COM COMBUSTÍVEL.

Não concorda a reclamada com a Sentença que a condenou ao pagamento de indenização por despesas com combustível e desgaste do veículo, no valor de R$ 200,00 por mês, durante todo o período de vigência do contrato de trabalho. Sustenta, em resumo, que não há prova nos autos da utilização efetiva de veículo próprio, nem tampouco de utilização para o trabalho, o que atrai para si a aplicação dos artigos 818 da CLT, c/c 333, I, do CPC, ônus que lhe competia, do qual não se desvencilhou corretamente. Assevera que, inclusive, não havia qualquer ajuste contratual pelo uso de veículo na execução das atividades, sendo que seu pedido não encontra amparo em lei, tampouco nos acordos coletivos de trabalho da empresa. Busca a reforma da Sentença.

Examina-se.

De acordo com o decidido na Sentença “O preposto admite que o reclamante utilizava veículo próprio em serviço. Não há prova de ressarcimento pelas despesas daí decorrentes, razão pela qual defiro o pagamento de indenização por despesas com combustível e desgaste do veículo, em valor ora arbitrado em R$ 200,00 por mês, durante todo o período de vigência do contrato de trabalho.”.

No caso, não há o que ser modificado.

Sentença mantida.

 

12. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Não concorda a reclamada com a condenação ao pagamento de honorários advocatícios. Sustenta, em resumo, que na Justiça do Trabalho a matéria relativa aos honorários advocatícios continua a ser regida pela Lei nº 5.584/70, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.228/01, mesmo após o advento da CF de 1988 e da Lei nº 8.906/94. Busca a reforma da decisão.

Examina-se.

 O reclamante postulou honorários advocatícios. Igualmente apontou sua difícil situação econômica à fl. 32. Entende-se que são devidos os honorários ao seu procurador, na base de 15% do montante da condenação, sendo cabível a aplicação da Lei 1.060/50, que regula, em geral, a assistência judiciária gratuita, ainda que sem juntada a credencial sindical. Medite-se que outra interpretação desta mesma Lei, com base na Lei 5.584/70, implicaria em sustentar o monopólio sindical da defesa judicial dos trabalhadores, o que seria ineficiente para muitos trabalhadores.

Recorde-se, ainda, que ao Estado incumbe a prestação de assistência judiciária aos necessitados, nos termos do art. 5º, LXXIV da Constituição, motivo pelo qual não pode adotar o expresso em diversas manifestações jurisprudenciais do TST, valendo salientar que a Instrução Normativa 27 do mesmo já admite o cabimento de honorários para as demais ações, sobre relações de “trabalho”. Ademais, em setembro de 2005, o Pleno do TRT desta 4ª Região cancelou sua anterior súmula 20 no sentido do descabimento dos honorários buscados.

Sentença mantida.

 

13. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS.

Sustenta a reclamada que merece reforma a Sentença que não autorizou os descontos previdenciários e fiscais do crédito ao argumento de que não haveria incidência de imposto de renda sobre as verbas reconhecidas como devidas, caso tivessem sido pagas na época própria, mês a mês, o mesmo ocorrendo em relação à verba previdenciária. Busca a reforma da decisão com o objetivo de serem autorizados os descontos fiscais e previdenciários, de acordo com a Lei 8.514/92, Súmulas nºs 26 e 27 deste Tribunal, art. 156, VI, do CTN, c/c o art. 28 da Lei 10.833/03, INSRF 491/05 e Súmula 368, do TST. Busca a reforma da decisão.

Examina-se.

Os descontos previdenciários e fiscais devem ser autorizados, uma vez que decorrem de obrigação legalmente imposta. Nesse sentido, a Súmula nº 25, deste Tribunal Regional:

 “DESCONTOS PREVIDENCÍÁRIOS E FISCAIS. São cabíveis, independentemente de sua previsão no título judicial, resguardada a coisa julgada”.

No entanto, os critérios de cálculo devem ser estabelecidos apenas quando da fase de execução da dívida, na forma da lei.

Dá-se provimento ao recurso para autorizar os descontos previdenciários e fiscais, sendo que os critérios de cálculo devem ser estabelecidos apenas quando da fase de execução da dívida, na forma da lei.

14. CRITÉRIOS DE APURAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA.

Relata que, sob os critérios de apuração de correção monetária, entendeu por bem o juízo a quo determinar que deverá ser observada a legislação vigente à época do cálculo, utilizando o FACDT do mês de competência. Sustenta que nos estritos termos do §1º, do art. 459, da CLT, combinado com o art. 39, da Lei 8.177/91, é a partir do mês subsequente ao vencido que deve ser computada a correção monetária, consoante entendimento consubstanciado na Súmula nº 381, do TST. Busca a reforma da Sentença.

Examina-se.

Conforme bem decidido na Sentença, fixada a condenação, a correção monetária deve observar a Súmula nº 21 da Súmula do TRT da 4ª Região e os juros, o disposto no artigo 39 da Lei nº 8.177/91.

Sentença mantida.

 

15. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 475-J DO CPC.

 Sustenta a reclamada, em resumo, que a multa do art. 475J do CPC é inaplicável ao processo do trabalho, nos exatos termos do art. 769 da CLT e em face de inexistência de lacuna normativa. Além do mais, a própria CLT já traz previsão legal para a apenação dos inadimplentes no processo do trabalho, consignada nos artigos 882 e 883, da CLT. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da decisão.

Examina-se.

A questão atinente à aplicabilidade do disposto no art. 475-J do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.232, de 22.12.2005, tem sido examinada por este Tribunal Regional. É bastante aceito o entendimento de que inaplicável ao processo do trabalho a multa prevista no art. 475-J do CPC, na medida em que a CLT possui regramento próprio regendo a execução (CLT, art. 880).

Nesse sentido, a Decisão no Processo nº 00953-2003-102-04-00-8, publicado em 17.08.07, da 2ª Turma, em que relatora a juíza Carmen Gonzalez, bem como a decisão no Processo nº 01251-2002-003-04-00-9, da 7ª Turma, publicado em 24.01.2007, em que relatora a Juíza Maria Inês Cunha Dornelles.

No caso, não se percebe utilidade quanto à celeridade para aplicação da multa em análise.

Recordem-se também os Acórdãos nºs 00840-2007-005-04-00-7 e 00843-2006-701-04-00-1, ambos da lavra deste Relator.

Dá-se provimento para excluir da condenação a multa do art. 475-J do CPC.

 

16. DANOS SOCIAIS.

A Sentença (fls. 327/335) condenou a reclamada ao pagamento de indenização por dano social, no valor de R$ 400.000,00, a ser atualizado na proporção dos créditos trabalhistas. O juízo determinou, ainda, que o valor deverá ser depositado em conta à disposição do juízo e será utilizado para pagamento dos processos arquivados com dívida nesta Unidade Judiciária, a iniciar pelo mais antigo, observada a ordem cronológica, na proporção de no máximo R$ 10.000,00 para cada exequente.

A reclamada insurge-se contra a referida decisão. Sustenta que o juízo de primeiro grau extrapolou os limites da lide, acabando por proferir decisão extra-petita, violando o art. 128 e 460 do CPC, uma vez que não há na inicial pedido de indenização por danos sociais e muito menos no valor de R$ 400.000,00, conhecendo de questões não suscitadas em inicial, a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte, na melhor compreensão do art. 128 do CPC. Aduz, também, que a decisão recorrida fere o princípio da ampla defesa uma vez que sequer contestou pedido de danos sociais, bem como o princípio da legalidade uma vez que não há previsão legal no ordenamento jurídico pátrio. Assevera que não se verificou a ocorrência de qualquer intervenção do Ministério Público do Trabalho no sentido de postular indenização por dano coletivo, sendo que a ação possui caráter estritamente individual, não cabendo ao julgador alterar sua finalidade, proferindo Sentença com conteúdo diverso. Colaciona jurisprudência favorável. Busca a reforma da decisão.

Examina-se.

Primeiramente, cumpre referir que no processo trabalhista, tendo em vista os princípios da celeridade e do aproveitamento dos atos processuais, o julgamento extra-petita não acarreta a nulidade da Sentença. Apenas se exclui parte excedente ao postulado, quando se verifica sua ocorrência, situação esta que será apreciada adiante.

Tendo por base as considerações expostas na Sentença, bem como as mencionadas no item 6 e o conteúdo constante dos presentes autos, coaduna-se com o entendimento do juízo de origem acerca da conduta da reclamada no que se refere ao agir de forma reiterada e sistemática na precarização e violação de direitos, principalmente os trabalhistas.

Destaca-se, em relação a essa questão, o enunciado aprovado na 1º Jornada de Direito Material e Processual, em 2007, realizada no Tribunal Superior do Trabalho, com a seguinte redação:

4. “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois como tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido “dumping social”, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os arts. 652, “d”, e 832, § 1º, da CLT.”

O entendimento inovador acima mencionado é plenamente aplicável e socialmente justificável para a situação que estabeleceu na presente demanda. Como já referido na sentença, Ao desrespeitar o mínimo de direitos trabalhistas que a Constituição Federal garante, a reclamada não apenas atinge a esfera patrimonial e pessoal dos trabalhadores, mas também compromete a própria ordem social. Atua em condições de desigualdade com as demais empresas do mesmo ramo, já que explora mão-de-obra sem arcar com o ônus daí decorrente, praticando concorrência desleal. Não contrata adequadamente os trabalhadores cuja mão-de-obra reverte em proveito do seu estabelecimento, eximindo-se, com isso, do pagamento das verbas salariais e dos encargos sociais daí decorrentes. E revela conduta contumaz evidenciada pelas declarações do preposto.” e “O trabalhador que não tem a CTPS registrada e, pois, não tem a contagem do tempo de serviço, não pode auferir benefício previdenciário, não recebe férias, com acréscimo de 1/3 nem gratificação natalina, assim como não tem depositado valores a título de FGTS, vive uma situação de precariedade que o torna pessoal, social e economicamente instável. Esse trabalhador sabe que não pode adoecer e que poderá perder não apenas sua fonte de subsistência, como também a possibilidade de ser-no-mundo, porque no dia imediatamente posterior àquele em que for descartado, não terá como sobreviver.”. (grifos atuais)

Lembra-se, ainda, os fundamentos constantes do processo nº 0058800-58.2009.5.04.0005, com reclamada do ramo de bebidas, também da lavra da Juíza Valdete Souto Severo, nos seguintes termos: “(...) considerando o número expressivo de processos relatando realidade de contumaz e reiterada inobservância dos mais elementares direitos humanos (nem sequer refiro os trabalhistas, mas apenas aqueles decorrentes do necessário respeito à integridade moral dos trabalhadores), entendo esteja a reclamada a praticar o que a jurisprudência trabalhista vem denominando “dumping social”. (...).

Em um país fundado sob a lógica capitalista, em que as pessoas sobrevivem daquilo que recebem pelo seu trabalho, atitudes como aquela adotada pela reclamada se afiguram ofensivas à ordem axiológica estabelecida. Isso porque retiram do trabalhador, cuja mão-de-obra reverte em proveito do empreendimento, a segurança capaz de lhe permitir uma interação social minimamente programada. (...) Ou seja, ao colocar o lucro do empreendimento acima da condição humana daqueles cuja força de trabalho justifica e permite seu desenvolvimento como empresa. Na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada pelo TST, em 23/11/2007, da qual participaram operadores de todas as áreas do direito do trabalho, foi aprovado Enunciado dispondo: “DUMPING SOCIAL”. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. (...)

O professor Eugênio Facchini Neto, ao tratar da função social da responsabilidade civil, refere que “se o Direito, muitas vezes, sente-se incapaz para evitar e neutralizar os riscos, se os danos são inevitáveis, frutos inseparáveis da convivência social e do desenvolvimento tecnológico, ao menos o Direito deve buscar formas de fornecer segurança jurídica, no sentido de que todo o dano injusto (entendendo-se por dano injusto todo aquele para o qual a vítima não deu causa) deve ser, na maior medida possível, reparado”. O autor conclui o texto declarando: a idéia de função social, no âmbito do direito privado, está ligada ao valor da solidariedade. A própria solidariedade, na verdade, nada mais é do que uma conseqüência jurídica da inerente socialidade da espécie humana. Se a pessoa humana não consegue sobreviver senão em sociedade, se dependemos diuturnamente de outras pessoas, não só para vivermos com qualidade de vida, mas até mesmo para sobrevivermos, então resta claro que o que quer que façamos tem repercussão na vida de outrem. O Direito deve levar isso em consideração”. Esse é o fundamento axiológico da noção de reparação do dano social, que atinge não apenas a esfera individual, mas também essa sociedade, que pretendemos seja justa e solidária. (FACCHINI NETO, Eugênio. A função social do direito privado. Revista da Ajuris: doutrina e jurisprudência. Porto Alegre, v.34, n.105, p. 153-188, mar. 2007).” Portanto, entende-se que, no caso, a reclamada cometeu o denominado dumping social, devendo, por isso, ser responsabilizada.

Dessa forma, afigura-se razoável, diante da situação verificada no processo, manter a Sentença que condenou a reclamada ao pagamento de indenização a título de dumping social. Entende-se razoável, ainda, diante das circunstâncias, reduzir o valor arbitrado para R$ 200.000,00. Para tanto, recorde-se que as lesões tratadas nos demais itens são aquelas que habitualmente tem ocorrido. Por outro lado, a reclamada não é de pequeno porte. De acordo com a informação constante do Site oficial da reclamada, no endereço www.cpmbraxis.com, acessado em Abril/2010, a empresa contrata cerca de 300 empregados ao mês, em média.

Salienta-se, ainda, diante dos fundamentos retro expendidos e de conformidade com os argumentos já expostos pelo juízo de primeiro grau, que não há falar em julgamento extra petita. Não há falar, também, em violação de dispositivos legais e constitucionais, principalmente os referidos no recurso.

Em relação à destinação do valor arbitrado a título de dumping social, é razoável que tal valor seja destinado ao “Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”, criado pela Lei 7.437/85, cujo objetivo é promover a reparação dos bens lesados e não sendo mais possível, os valores devem ser destinados a uma finalidade compatível. Sobre a questão, lembre-se o artigo do Juiz Rodrigo Trindade de Souza, PUNITIVE DAMAGES E O DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinqüência patronal.”.

Dá-se provimento parcial ao recurso, no tópico, para reduzir o valor relativo à condenação por dumping social para R$ 200.000,00.

     

RECURSO ADEVISO DO RECLAMANTE.

17. DANOS MORAIS.

Insurge-se a reclamante contra a Sentença que indeferiu o pleito relativo aos danos morais. Sustenta que o julgador a quo não avaliou a prova produzida nos autos, deixando de indenizar o recorrente pelos abalos e constrangimentos sofridos. Esclarece que a prova produzida na audiência realizada no dia 22.04.2010 não pode ser desconsiderada quanto ao presente item, pois o foi robusta ao demonstrar a forma desumana que a reclamada tratava o reclamante. Assevera que, ao contrário do entendimento do julgador de origem, a prova testemunhal produzida deve ser considerada e enseja o pagamento da indenização postulada, pois restou comprovado que inúmeras vezes o autor foi humilhado e ofendido perante seus colegas de operação sem que tenha dado origem a qualquer tipo de justificativa para tal atitude por parte de seus superiores hierárquicos. Afirma que há prova suficiente no sentido de ensejar o pagamento de indenização por danos morais. Busca a reforma da decisão, requerendo seja dado provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de indenização nos moldes postulados na inicial, em valores não inferiores a 100 salários mínimos.

Examina-se.

Como bem referido pelo juízo de origem “A prova produzida pelo autor, acerca da conduta do superior hierárquico é frágil, primeiro porque as duas testemunhas repetem a mesma expressão ofensiva, sem conseguir contextualizar uma situação de trabalho que justificasse algo de tal natureza. Segundo, porque a petição inicial é genérica, sequer indica quem seria o autor dos fatos alegadamente lesivos à honra do autor. Diante da fragilidade da prova, dos termos genéricos da petição inicial e da gravidade da imputação, cotejando os elementos de prova, manifesto convicção na rejeição do pedido.”. Nada a modificar.        

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencidos os Desembargadores Flávia Lorena Pacheco quanto aos honorários advocatícios e em relação à condenação por dumping social, e Luiz Alberto de Vargas que manteria o valor do dumping social, dar provimento parcial ao recurso da reclamada para determinar que a multa, referente à retificação, seja aplicada após o 10º dia útil, todavia contado do trânsito em julgado da decisão e apenas no caso de não efetuar a retificação em questão; para afastar a multa por litigância de má-fé; para declarar a prescrição das parcelas anteriores a 09.11.2004; para absolvê-la da condenação relativa ao pagamento de horas de sobreaviso; para autorizar os descontos previdenciários e fiscais, sendo que os critérios de cálculo devem ser estabelecidos apenas quando da fase de execução da dívida, na forma da lei; para excluir da condenação a multa do art. 475-J do CPC; para reduzir o valor relativo à condenação por dumping social para R$ 200.000,00, sendo que tal valor deve ser destinado ao “Fundo de Defesa dos Direitos Difusos”, conforme fundamentação.

Por unanimidade, negar provimento ao recurso do reclamante.

Valor da condenação reduzido em R$ 210.000,00, para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre, 8 de junho de 2011 (quarta-feira).

 

DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA

Relator

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