EMENTA: LIBERDADE SINDICAL. REGISTRO SINDICAL. JORNALISTA NÃO FORMADO. CARTEIRA PROFISSIONAL. FENAJ. Por força da decisão proferida pelo STF no RE nº. 511.961, o exercício da profissão de jornalista não tem por condição sine qua non a existência de diploma em curso superior em jornalismo. Contudo, mesmo que trabalhadores não formados possam exercer o jornalismo, para fins de registro sindical e emissão da carteira nacional da profissão, necessário se faz a demonstração inequívoca do exercício do jornalismo, na condição de empregado ou free lancer. No caso, o requisito foi implementado nos presentes autos por meio da anotação da CTPS na condição de jornalista e do registro sindical obtido junto ao Ministério do Trabalho. Recurso ordinário dos reclamados não provido.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Rio Grande, sendo recorrentes FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS - FENAJ E SINDICATO DOS JORNALISTAS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e recorrido XXXXXXXXXXXXX.

Inconformados com a sentença de procedência parcial proferida pelo MM. Juiz da 1a Vara do Trabalho de Rio Grande (fls. 93/96) recorrem ordinariamente os demandados.

Objetivam a reforma do julgado no tocante à filiação compulsória ao sindicato réu e obtenção de carteira de identidade de jornalista profissional (fls. 99/103).

Custas e depósito recursal às fls. 105 e 104, respectivamente.

O recorrido não apresentou contrarrazões, conforme certidão da fl. 109, verso.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

1. DA FILIAÇÃO SINDICAL. EMISSÃO DE CARTEIRA PROFISSIONAL.

Investem os recorrentes contra a sentença de origem, ao argumento de que não há prova do exercício do jornalismo por parte do recorrido. Ressaltam que mesmo que se entenda, ainda que por argumento, que a condição de bacharel não é essencial para a filiação no sindicato, deve ser exigido que o recorrido trabalhe como empregado ou free lancer, o que não ocorreu. Reiteram que a identidade profissional somente é devida àqueles que efetivamente exercem a profissão, o que não é caso. Destacam que a identidade profissional não é nem nunca foi condição para o exercício do jornalismo, mesmo após o julgamento do RE 511.961, salientando que a decisão do STF inclusive fortalece essa possibilidade. Repisam que a decisão do STF não estende o grau de bacharel a quem não o obteve pelos meios regulares, ao passo que a pretensão formulada seria mero diletantismo, desnecessária para qualquer necessidade profissional. Tecem considerações com arrimo no princípio da liberdade sindical, o qual não admite a sindicalização compulsória, para nenhum dos lados. Aduzem que a decisão do STF entendeu por não ser monopólio dos jornalistas profissionais trabalhar no jornalismo, muito embora não tenha transformado em bacharéis em jornalismo todos que manifestaram o mero desejo de sê-lo.

Analisa-se.

A questão em exame se mostra bastante complexa, merecendo apurada análise, justamente por envolver princípios atinentes à liberdade sindical e à própria extensão da decisão proferida pelo STF quanto ao exercício do jornalismo por profissionais não diplomados.

Na petição inicial, o reclamante requereu a filiação ao Sindjor-RS  e a expedição da Carteira Profissional de Jornalista da FENAJ, Federação Nacional dos Jornalistas. Alegou que necessitava de tal documento, sob pena de lhe ser dificultado o exercício da atividade profissional, ao passo que as reclamadas recusam-se a receber formalmente o pedido, alegando que somente forneceriam a carteira mediante a apresentação do diploma do curso de jornalismo (fl. 03).

Na contestação, houve pretensão resistida, em que pese as entidades reclamadas não tenham negado a realidade fática da petição inicial, exceção feita à ausência de demonstração do exercício do jornalismo por parte do autor (fl. 33/36). Em síntese, a discussão centrou-se acerca da obrigatoriedade da associação do reclamante ao sindicato e a consequente emissão da carteira de identidade profissional, tendo em vista o fato relevante de que o reclamante não possui o diploma de nível superior em jornalismo.

Nos autos, foram trazidas cópias de declarações supostamente utilizadas no procedimento administrativo de registro sindical, as quais não foram convalidadas em Juízo, tampouco sendo autenticadas, razão pela qual não se prestam a produzir prova sobre o exercício específico da atividade de jornalista perante as tomadoras de serviço declarantes (fls. 19/23).

Ademais, quanto ao exercício de jornalismo, é certo que o reclamante tem, em sua CTPS, na seção de registro de profissões regulamentadas (fl. 15), consignação de que é jornalista profissional registrado junto à DRT, possivelmente em razão de procedimento administrativo que não foi trazido aos autos, tendo em vista o caráter precário da anotação referido na fl. 67.

Sobre o tema, veja-se o que foi assentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº. 511.961, mediante transcrição parcial da ementa da relevante decisão referida da Corte Constitucional:

6. DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR COMO EXIGÊNCIA PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. RESTRIÇÃO INCONSTITUCIONAL ÀS LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. As liberdades de expressão e de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses excepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral. Precedente do STF: ADPF n° 130, Rel. Min. Carlos Britto. A ordem constitucional apenas admite a definição legal das qualificações profissionais na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expressão e de informação por parte dos jornalistas. Fora desse quadro, há patente inconstitucionalidade da lei. A exigência de diploma de curso superior para a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades de expressão e de informação - não está autorizada pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º, da Constituição. 7. PROFISSÃO DE JORNALISTA. ACESSO E EXERCÍCIO. CONTROLE ESTATAL VEDADO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL QUANTO À CRIAÇÃO DE ORDENS OU CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação.

Nesse prisma, é correto inferir que a decisão do STF acabou, na prática, por solapar eventual restrição quanto ao exercício do jornalismo por jornalista não profissional, assim entendido aquele que não possui a habilitação em nível superior na referida profissão.

Entretanto, mesmo que se entenda que não pode haver diferenciação quanto ao enquadramento sindical entre o jornalista diplomado e o profissional que exerce o jornalismo sem diploma, é necessário, para que se verifique a condição de jornalista, o efetivo desempenho de tal mister.

Exige-se, outrossim, na hipótese vertente, a prova de que o reclamante exerce de fato o jornalismo, seja na condição de empregado, seja como free lancer. No aspecto, em que pese a impugnação lançada pelos recorrentes, as anotações da fl. 15 e 17 demonstram o efetivo exercício do jornalismo por parte do reclamante. Registre-se, por relevante, que a anotação na CTPS da fl. 17 não contempla nenhuma baixa, ocorrendo o mesmo em relação ao contrato da fl. 16. Como a anotação da CTPS contempla presunção relativa favorável ao seu conteúdo, infere-se que há continuidade no vínculo de emprego, de modo que, na ausência de prova em sentido diverso, reputa-se devidamente preenchido o requisito inafastável de exercício do jornalismo para fins de filiação sindical. Muito embora os reclamados contestem genericamente essa assertiva, não há prova nos autos de que a anotação na CTPS seja eivada de nulidade ou simulação, sendo demonstração suficiente do exercício do jornalismo.

Devidamente estabelecida a premissa de que o reclamante exerce o jornalismo, entende-se que  a inexistência de formação superior não é óbice ao registro sindical. Note-se que o enquadramento sindical no Brasil se dá tendo por base a atividade preponderante do empregador, exceção feita na situação de categoria diferenciada, na forma do artigo 511, § 3o da CLT, como é a situação do exercício da profissão de jornalista, sujeita a regramento por diploma profissional apartado.

Destaque-se, então, que o enquadramento na categoria de jornalista decorre do efetivo exercício profissional da condição de jornalista, que, segundo decisão acima transcrita, não tem como condição sine qua non a habilitação em nível superior em jornalismo. Embora se entenda indevida qualquer intervenção estatal na organização sindical, em atenção ao princípio da liberdade sindical insculpido no artigo 8o, I, da Constituição Federal, não se pode aceitar fator de discrímen o diploma, tendo em vista o decidido pelo STF, sob pena de se criar uma “subclasse” de jornalistas. O enquadramento sindical do reclamante não decorre da vontade autônoma do sindicato, mas, sim, da dicção legal, na esteira do disposto no artigo 511 da CLT e seus parágrafos. Não é razoável entender que o reclamante, por não ser formado em jornalismo, possa ser exercente da profissão, segundo restou decidido pelo STF, mas não possa filiar-se ao seu sindicato profissional e obter a carteira dos profissionais da sua categoria.

Pondere-se, então, que a não concessão da carteira profissional pode acarretar prejuízos ao reclamante, porquanto é legítima sua pretensão de ser reconhecido perante terceiros como efetivo exercente da profissão, com as prerrogativas que lhe são inerentes. Não se trata, pois, de mero diletantismo, até mesmo porque, nos termos do artigo 4o da Lei nº. 7.084/82, sequer o diploma de jornalismo é exigido para a emissão do referido documento, bastando o registro sindical junto ao Ministério do Trabalho, condição preenchida à saciedade no presente feito. Cite-se, por oportuno, o referido dispositivo legal:

Art. 4º - A Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais fornecerá carteira de identidade profissional também ao Jornalista não sindicalizado, desde que habilitado e registrado perante o órgão regional do Ministério do Trabalho, nos termos da legislação regulamentadora da atividade profissional.

Em síntese, chancela-se integralmente a conclusão exarada pelo Juízo de origem, na medida em que o reclamante possui a prerrogativa de exercer de forma plena a profissão, abarcando, outrossim, a filiação ao sindicato e a emissão da carteira nacional junto à FENAJ. Destaque-se, por relevante, que eventual diferenciação em relação ao enquadramento sindical existente entre jornalista formado ou não deve ser feita pela via legislativa, sendo certo que, ao presente momento, inexiste diferenciação no âmbito da profissão, sendo idêntico o enquadramento sindical existente, em virtude do princípio da unicidade sindical. Mantida a procedência da demanda, remanescem devidos os honorários, salientando-se que os requisitos da Lei nº. 5.584/70 não se aplicam ao caso em tela, pois não se cuida de processo não decorrente de relação de emprego, sendo aplicáveis os termos da IN nº. 27/2005 do C. TST.

Nega-se provimento ao recurso.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso ordinário dos reclamados.

Intimem-se.

Porto Alegre, 6 de julho de 2011 (quarta-feira).

 

 

DESEMBARGADORA FLÁVIA LORENA PACHECO

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