EMENTA: DANO MORAL. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. Inexiste critério estabelecido no Ordenamento Jurídico, para fixação de indenização reparatória por dano moral. Dessa forma, o quantum deve ser fixado por arbitramento, levando em conta as circunstâncias do caso. A quantificação da indenização por danos morais deve considerar sempre o caso concreto, ou seja, suas peculiaridades, como as circunstâncias e o bem jurídico ofendido. Também cumpre zelar pela coerência e razoabilidade no arbitramento. O resultado não deve ser insignificante, nem exagerado.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Triunfo, Dr. Fernando Formolo, sendo recorrentes MOTRIX TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA., LANXESS ELASTÔMETROS DO BRASIL LTDA.  e recorridos OS MESMOS, XXXXXXXXXI.

 

Inconformadas com a sentença das fls. 745/769, que julgou procedente em parte a ação as reclamadas recorrem.

A primeira reclamada requer a reforma da decisão quanto à culpa, ao pensionamento vitalício, ao quantum indenizatório e aos honorários advocatícios.

A segunda reclamada pede a reforma do julgado com relação  à indenização por danos morais, à pensão vitalícia, ao cerceamento de defesa, ao pagamento de defesas futuras com tratamento, ao quantum indenizatório do dano moral, à constituição de capital, à condenação solidária, aos honorários advocatícios e à compensação.

Contrarrazões do reclamante nas fls. 848/880.

Conforme acórdão das fls. 895 e ss. o recurso da primeira reclamada não é conhecido, por deserto. No mérito, é negado provimento ao recurso da segunda reclamada.

Interposto recurso de revista pela primeira reclamada este sobe ao TST, que conheceu do recurso e o proveu, determinando o retorno dos autos à origem a fim de que sejam apreciadas as razões insertas no recurso ordinário da primeira reclamada, afastando a deserção declarada.

Os autos retornam a esta Turma para julgamento.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

RECURSO DA PRIMEIRA RECLAMADA.

CULPA DO RECLAMANTE.

Diz a reclamada que, para os casos de responsabilidade subjetiva, a indenização decorrente de acidente do trabalho apenas pode ser devida quando ocorrente hipótese de dolo ou culpa do empregador, sendo o empregado o ônus de comprovar a conduta dolosa ou culposa. Alega que o local de ocorrência do acidente era absolutamente seguro, tendo agido o reclamante com mau procedimento e tendo se dirigido inadvertidamente ao local onde ocorreu o acidente. Cita trechos do depoimento do reclamante e da testemunha Cleber Goulart.  Transcreve o art. 158 da CLT. Transcreve trecho do depoimento da testemunha Leandro de Vasconcelos Moraes. Diz que a máquina em que se deu o acidente, contrariante ao contido na sentença não foi projetada para funcionar com aquela proteção que foi colocada após o acidente.  Cita o depoimento da testemunha Mário Eugênio. Aduz ser rigorosamente necessário, todos os dias, que os funcionários participem dos DDs (diálogos diários de segurança), a partir do qual lhes é indicado  os postos que devem assumir no dia, procedimento do qual tinha conhecimento o reclamante, pois participou de todos os DDSs, desde o primeiro dia de sua contratação.  Diz que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do reclamante, ou, no mínimo, por culpa concorrente dele.

Examina-se.

A prova pericial (fls. 582 e ss.) demonstrou cabalmente a culpa das reclamadas pelo acidente sofrido pelo reclamante, não havendo o que modificar na sentença que as condenou ao pagamento de indenização por danos morais e patrimoniais. Diz o perito: “No equipamento que o autor trabalhou existia uma condição insegura ou de risco criado, pois inexistiam barreiras físicas ou proteções que impedissem a aproximação do pé do autor das partes móveis ou girantes do compactador, pois o autor ao executar os seus trabalhos movimentava-se nas proximidades da estrutura da peneira. O removia manualmente contaminações existentes sobre a esteira que não tinha qualquer sistema de proteção, no seu sistema de transmissão de força localizado junto ao piso. No dia do acidente a parte autora foi retirar uma contaminação existente sobre a esteira com a mão e escorregou o pé sobre um buraco sem proteção existe junto ao piso na frente da máquina e neste buraco esta o sistema de transmissão de força com o motor elétrico e motor redutor ligado. O pé do autor foi puxado pelas partes giratórias do rolo compactador, que deveriam estar devidamente protegidas e não estavam. O autor no instante do acidente ficou com o pé e o tornozelo esmagados pelos flanges que mantém na posição e suportam o rolo compactador, e ficou assim até que o rolo fosse desmontado e as peças afastadas, permitindo a que o pé fosse removido. Sendo então levado até o hospital, onde foi submetido a cirurgia que finalizou a amputação de seu pé e tornozelos direitos.  No local exato do acidente encontramos uma proteção metálica rígida com pintura recentíssima na cor laranja solar, que foi colocada no local após o acidente do trabalho (...)”.

Cabia à reclamada demonstrar que observou a todas as normas protetivas de saúde e segurança do trabalho, o que não fez. Cabe ao empregador manter um ambiente adequado e seguro ao bom desenvolvimento das atividades laborais, zelando pela saúde de seus empregados, não os expondo a riscos desnecessários, evitando assim a doença ocupacional do trabalho, o que não aconteceu no caso concreto, conforme analisado.

Ainda que assim não fosse, entende este Relator que a responsabilidade da ré é objetiva, sendo, portanto, devida a indenização independente de culpa, com fulcro no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil: "Haverá obrigação de indenizar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem.”. A indenização não decorre da ação ou omissão para gerar o direito, porque ele advém tão-somente do exercício da atividade de risco. No caso do Direito do Trabalho, deve ser observado, em especial, a teoria do risco profissional que decorre da atividade desenvolvida pela vítima.  O Direito Laboral nasceu dos conflitos entre capital e trabalho, criando-se uma desigualdade jurídica inclinada para a proteção do operário, mais fraco economicamente. Assim, as normas protetivas constituem um sistema legal em favor do hipossuficiente, de forma que as vantagens contidas em uma determinada norma, independentemente de sua hierarquia, não exclui outra vantagem prevista em outra norma, mas tão-somente a complementa. Trata-se do princípio protetivo do qual deriva o princípio da norma mais favorável, razão pela qual se tem que, embora a norma constitucional disponha sobre a responsabilidade subjetiva da empresa, deve ser aplicada também a norma infraconstitucional mais favorável, ainda que de menor hierarquia.

Há de se observar, ainda, em uma interpretação histórica, que o sentido real do dispositivo constitucional foi o de admitir a existência da responsabilidade do empregador também em casos de culpa leve ou levíssima, e não o de excluir a hipótese de responsabilidade objetiva do empregador.  A propósito cabe citar os comentários de Sebastião Geraldo de Oliveira sobre a corrente doutrinária que defende a aplicação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, em matéria de acidente de trabalho: "A segunda corrente assevera que o novo dispositivo tem inteira aplicação no caso do acidente do trabalho. Entendemos que a previsão do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretado em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prevê: 'São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social'. Assim, o rol de direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente 'outros que visem a melhoria da condição do trabalhador'. Como leciona Arnaldo Süssekind, o elenco de direitos relacionados no art. 7º é meramente exemplificativo, admitindo complementação." – (Oliveira, Sebastião Geraldo de, Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, 2005, LTr., p. 91).

No mesmo sentido também se posiciona Maurício Godinho Delgado: “Com os avanços produzidos pela Carta Magna, a reflexão jurídica tem manifestado esforços dirigidos a certa objetivação da responsabilidade empresarial por danos acidentários. Tal tendência à objetivação, evidentemente, não ocorre no campo dos danos morais e à imagem que não tenha relação com a infortunística do trabalho. De fato, essencialmente na seara da infortunística é que as atividades laborativas e o próprio ambiente de trabalho tendem a criar para o obreiro, regra geral, risco de lesões mais acentuado do que o percebido na generalidade de situações normalmente vivenciadas pelos indivíduos na sociedade.” – (Delgado, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 2004, LTr, 3ª Edição, p. 619).

Tal interpretação está em consonância com os princípios fundamentais da própria Constituição Federal – dignidade da pessoa humana.  Nesse sentido também já se manifesta a jurisprudência, conforme segue:  "ACIDENTE DE TRABALHO. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. A culpa do empregador, no caso de acidente de trabalho, decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, que prevê a responsabilidade civil objetiva como forma de obrigação de garantia no desempenho de atividade econômica empresarial, dissociada de um comportamento culposo ou doloso. A teoria do risco da atividade parte do pressuposto de que quem obtém bônus arca também com o ônus. O parágrafo único do art. 927 do CC/02 recepcionou tal teoria em nossa legislação." (Relator José Felipe Ledur, processo nº 02414-2005-000-04-00-4, publicado em 19.01.06). 

Nega-se provimento.

PENSIONAMENTO VITALÍCIO-REDUÇÃO DA CAPACIDADE.

Diz a reclamada, em síntese, que considerando a plena capacidade do reclamante para o  trabalho, não pode permanecer a condenação em pensionamento vitalício, por advir pagamento sem a devida contraprestação, considerando-se enriquecimento sem causa.

O reclamante, consoante informa o perito médico, teve 50%  de perda da capacidade laborativa, fazendo jus ao pagamento de pensão vitalícia. Diz o perito: “(...) o reclamante apresenta sequela de acidente de trabalho típico, com perda de terço distal da perna direita, que resulta em incapacidade parcial para o desempenho  de suas laborativas e prejuízo na vida social. De acordo com a tabela DPVAT, a perda total do uso de um dos pés corresponde a 50%.” (fls. 604 e ss.).

Assim, faz jus ao reclamante a pensão vitalícia, que encontra amparo legal no art. 950 do Código Civil.

Nega-se provimento.

DANO MORAL-VALOR DA INDENIZAÇÃO.

O julgador fixou a indenização por dano moral em R$ 150.000,00.

A reclamada diz que tal valor está fora dos padrões indenizatórios para os casos de que se trata. Alega que o entendimento dos tribunais, ao contrário do exposto na sentença para os casos ainda mais graves, inclusive com a morte do trabalhador, tem se consolidado em valores muito inferiores aos arbitrados pelo Juízo de origem a título de danos morais. Transcreve jurisprudência e pede seja a indenização fixada em R$ 30.000,00.

Examina-se.

A indenização por indenização por dano moral tem seu fundamento no artigo 5º, inciso V e X, da CF/88. A justificativa da reparação material do dano moral encontra-se na doutrina. Segundo Agostinho Alvim: “O dinheiro serve para mitigar, para consolar, para estabelecer certa compensação” no dizer de Caio Mario da Silva Pereira: “oferecer (ao ofendido) a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode se obtido no fato de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança.”.

O dano moral é representado pelo sofrimento decorrente da doença adquirida, que é incurável, vindo a limitar a capacidade de convívio social do empregado, além do próprio sofrimento nos momentos de crise aguda da doença.

Inexiste critério estabelecido no Ordenamento Jurídico, para fixação de indenização reparatória por dano moral. Dessa forma, o quantum deve ser fixado por arbitramento, levando em conta as circunstâncias do caso. A quantificação da indenização por danos morais deve considerar sempre o caso concreto, ou seja, suas peculiaridades, como as circunstâncias e o bem jurídico ofendido. Também cumpre zelar pela coerência e razoabilidade no arbitramento. O resultado não deve ser insignificante, nem exagerado.

Por todo o exposto, e considerando que o acidente do trabalho decorreu de culpa exclusiva da reclamada e considerando, ainda, que, do acidente, resultou a amputação do pé e tornozelos diretos do reclamante, entende-se justa a indenização fixada na origem, R$ 150.000,00, negando-se provimento ao recurso, no aspecto.

HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

Insurgindo-se contra a condenação ao pagamento de honorários assistenciais, a reclamada diz que estão ausentes os requisitos legais para sua concessão. Alega que o reclamante recebia salário superior a dois mínimos, citando o art. 4º da Lei n. 1.060/50, assim como o § 1º do art. 14 da Lei n. 5.584/70 e as Súmulas ns. 219 e 329 do TST.

Examina-se.

No presente caso de ação indenizatória, com amparo na Instrução Normativa 27/2005 do TST, sendo sucumbente a parte ré, devidos os honorários deferidos na origem.

Neste contexto, nega-se provimento ao recurso.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:  por unanimidade, negar provimento ao recurso da primeira reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 1º de dezembro de 2010 (quarta-feira).

 

 

 LUIZ ALBERTO DE VARGAS

Relator

 

 

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