Acórdão do processo 0114300-15.2008.5.04.0662 (RO)
Redator: CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA 

Participam: RICARDO CARVALHO FRAGA, LUIZ ALBERTO DE VARGAS

Data: 18/04/2012   Origem: 2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo

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Andamentos do processo


PROCESSO: 0114300-15.2008.5.04.0662 - RO

IDENTIFICAÇÃO

DESEMBARGADOR CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA

Órgão Julgador:  3ª Turma

 

Recorrente:  MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - Adv. Procuradoria Regional do Trabalho

Recorrido:  COLÉGIO DIRETO

Recorrido:  COOPERATIVA INTEGRAL DE TRABALHADORES LTDA. (EM LIQUIDAÇÃO) - Adv. Marilena Vieira

Recorrido:  XXXXXXXXXXXXXXXXX - Adv. Jeferson Alexandre Ubatuba 

Origem:  2ª Vara do Trabalho de Passo Fundo

Prolator da

Sentença:  JUIZ ADRIANO SANTOS WILHELMS 
 

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COOPERATIVA. INTERMEDIAÇÃO ILEGAL DE MÃO DE OBRA. O Ministério Público do Trabalho detém legitimidade ativa para propor ação civil pública para fins de verificação da legalidade na prestação do serviços dos cooperados.  

ACÓRDÃO

por unanimidade de votos, dar provimento ao recurso ordinário para declarar a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para propor a presente ação civil pública, determinando o retorno dos autos à origem para exame do mérito. 

RELATÓRIO

O autor recorre da sentença que extingue o feito sem resolução do mérito. Pretende seja declarada sua legitimidade para a presente ação civil pública e os pedidos que lhe são inerentes, com o retorno dos autos à origem para exame do mérito.

É o relatório.  

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA:  

LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DIREITOS SOCIAIS

O recorrente não concorda com a decisão de primeiro grau, que entendeu não ter o Ministério Público do Trabalho legitimidade para propor a presente ação. Invoca o disposto no art. 84 da LC nº 75/93, no sentido de que a legitimidade não se limita ao ingresso com a ação civil pública prevista no art. 83, III, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, como também é parte legítima para promover a ação civil pública em defesa dos direitos constitucionais e outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos, consoante redação do art. 6º, VII, alíneas "a" e "d", da LC nº 75/93. Cita jurisprudência do TST, que reconhece o Ministério Público do Trabalho como parte legítima para figurar no feito, ainda que se trate de direitos individuais homogêneos. De qualquer sorte, enfatiza que a presente ação tem como objeto o combate à terceirização irregular de trabalho efetuada pelas demandadas, assim como às fraudes instituídas com o objetivo de mascarar verdadeiras relações de emprego, e não a proteção ou a busca de qualquer direito disponível por parte dos trabalhadores supostamente lesados. Ressalta que se trata de lesão coletiva de origem única, cuja repercussão atinge, inclusive, interesses difusos, pois ao terceirizarem nos moldes efetuados os réus impedem o pleno acesso ao emprego a um número indeterminado de pessoas, as quais acabam se sujeitando à condição de "sócios" ou de "pseudo pessoas jurídicas", por exemplo, como única alternativa para obter um posto de trabalho. Ressalta que os direitos postulados são individuais, divisíveis, com titulares perfeitamente determinados, que podem ser satisfeitos ou  lesados em relação a cada um deles. Destaca que a homogeneidade desses direitos permite que eles sejam tratados de forma aglutinada, na medida em que há uma afinidade de circunstâncias de fato ou de direito nas hipóteses dos autos, como o vínculo de emprego, o reconhecimento, o registro do contrato de trabalho, os recolhimentos previdenciários e o FGTS. Sublinha que, no presente caso, há uma grande cumulação de pessoas em idêntica situação fática, enfrentando as mesmas consequências, oriundas do mesmo fato lesivo, caracterizando o conflito social, e não meramente individual. Pondera, ainda, os critérios de relevância social do bem jurídico tutelado na presente ação civil pública. Com isso, pretende seja declarada a sua legitimidade para a presente ação civil pública e os pedidos que lhe são inerentes, com o retorno dos autos à origem para apreciação e julgamento  do mérito.

O debate dos autos envolve a questão da natureza jurídica do vínculo jurídico mantido entre o trabalhador, a cooperativa e o Colégio Diretto.

Preceitua o parágrafo único do art. 442 da CLT, incluído pela Lei nº 8.949/94, que: Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviço daquela.

O dispositivo transcrito confere amparo legal à relação entre cooperativa e seus associados, ou entre estes e as empresas tomadoras de serviços daquela, ressalvando de tais situações a caracterização de vínculo de emprego nos moldes celetistas. Todavia, a jurisprudência tem reconhecido que a inclusão do referido parágrafo no dispositivo legal dá margem à fraude à lei, possibilitando que empregadores se utilizem formalmente do instituto com o objetivo de desvirtuar e impedir a típica relação trabalhista. Cabe ao intérprete da lei coibir o uso indevido da associação cooperativada para fins ilícitos, atentando, na espécie, para a aplicação das leis trabalhistas.

Antes de a Lei nº 8.949/94 introduzir o parágrafo único ao art. 442 da CLT, a Lei nº 5.764/71, que define a política nacional de cooperativismo, já obstava o reconhecimento do vínculo empregatício entre a cooperativa e seus associados, independentemente do tipo, se tratando, pois, de conceito genérico.

Entretanto, a regra do parágrafo único do art. 442 da CLT não é absoluta, consistindo em presunção juris tantum. Ademais, deve ser aplicada de modo compatível com as disposições legais que regulam o cooperativismo, dentre as quais, o art. 3º da Lei nº 5.764/71, que dispõe: Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. O art. 4º da mesma lei prevê que as cooperativas são constituídas para prestar serviços aos associados. O art. 7º, por sua vez, disciplina que as cooperativas singulares se caracterizam pela prestação direta de serviços aos associados.

Assim, depreende-se que as cooperativas são sociedades destinadas a congregar pessoas exercentes de um mesmo ofício ou profissão, com a finalidade primordial de melhorar os ganhos e as condições de trabalho de seus associados. Em regra, servem para fomentar a produção do trabalho autônomo, caracterizando-se como uma sociedade de pessoas, sem objetivo de lucro, na qual o trabalhador assume a condição de sócio, figurando como beneficiário direto dos serviços prestados pela cooperativa. Servem de exemplo as cooperativas de artesãos e as de serviços autônomos de táxi, em que os associados unem esforços com o objetivo de atender a necessidades comuns relacionadas à atividade que exercem e de trazer benefícios a todos os associados, sem perderem a autonomia que caracteriza sua prestação de serviços.

Deflui de tais considerações que as cooperativas não se prestam para intermediação de mão de obra. Neste modelo, a finalidade é a prestação de serviços para terceiros, não consentânea com os princípios que regem o cooperativismo. Ao invés de explorarem uma atividade econômica própria, seus associados são arregimentados para emprestar sua força de trabalho em prol do cumprimento de contratos ou licitações para prestação de serviços, servindo de mero instrumento para a consecução de tais projetos. Não raro, os associados permanecem vinculados ao mesmo tomador de serviços por tempo indeterminado, obedecendo a determinações deste ou de prepostos da cooperativa, trabalhando sem qualquer autonomia e sem colher os frutos de seu trabalho, identificando-se perfeitamente com o empregado subordinado, exceto quanto aos direitos trabalhistas a este assegurado. Desse modo, com a pertinente aplicação do princípio da primazia da realidade, a leitura textual do parágrafo único do art. 442 da CLT não é compatível com a legislação que regula o cooperativismo e com as disposições protetivas do trabalho da legislação trabalhista, não se coadunando também com os preceitos constitucionais que consagram o valor social do trabalho.

No caso dos autos, o centro da discussão é a possibilidade de fraude perpetrada pela Cooperativa reclamada, referente à prestação de serviços de seus associados para o Colégio Diretto, pertencente à própria cooperativa. As relações mantidas, tal como relatado na petição inicial, se confirmadas, caracterizarão caso típico de intermediação de mão de obra sob o invólucro de relação cooperativada. O fato de não existir proibição legal acerca da prestação de serviços pelos associados em prol da  própria cooperativa, não afasta a persecução acerca da natureza jurídica desta relação.

Ainda que seja mais efetiva a determinação de garantir, no âmbito da ação coletiva, uma determinada gama de direitos trabalhistas prevista no art. 7º da Constituição Federal, a presente ação tem por escopo primeiro a regularização de uma situação que se noticia fraudulenta. Neste sentido,  se comprovado, o mascaramento do vínculo empregatício pelo cooperativismo fraudulento implica a sonegação de direitos garantidos aos empregados, de modo que não há como entender pela ilegitimidade do MPTb, sob pena de se compactuar com a violação do ordenamento jurídico em prejuízo do trabalhador.

Pondero, ainda, que a ação civil pública busca resguardar direitos da coletividade, não se voltando exclusivamente para a reparação de danos ocorridos no passado. O Ministério Público do Trabalho apresenta uma série de evidências de descumprimento da legislação trabalhista.

Nada obstante o interesse individual de cada trabalhador possa ser resguardado por intermédio da ação reclamatória comum, nada impede que, diante de conduta inadequada por parte daquele que age como autêntico empregador, sem qualquer garantia deste não reincidir nas práticas ilícitas, o Ministério Público do Trabalho se valha da ação civil pública.

Ressalto, igualmente, que as pretensões deduzidas na petição inicial têm origem em procedimento que atinge direitos constitucionais de uma coletividade. Inclusive, no que diz respeito ao dano moral, além de atingir a pessoa individualmente, pode refletir na coletividade, compreendida como um grupo de pessoas que sofre um prejuízo de ordem extrapatrimonial em decorrência de um ato da mesma origem. Admite-se, pois, o dever de reparar pela violação de interesses coletivos.

O que é buscado, nesta ação civil pública movida pelo MPTb, envolve o exame da terceirização ilícita de serviços, anotação na CTPS da condição de empregados, pagamento de parcelas rescisórias para aqueles já desligados, indenização por dano moral coletivo, bem como se abstenha a demandada de tomar mão de obra presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. Se comprovadas as denúncias, será flagrante a violação ao art. 9º da CLT e aos princípios da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho, preconizados na Constituição Federal, no Título I - Dos Princípios Fundamentais, sendo manifesta a legitimidade da ora recorrente.

Neste sentido, dou provimento ao recurso para declarar a legitimidade ativa do MPTb para propor a presente ação civil pública, determinando o retorno dos autos à origem para exame do mérito.