EMENTA: RELAÇÃO JURÍDICA HAVIDA ENTRE AS PARTES. Hipótese em que a relação que emerge dos fatos alegados pelo autor, presumidos verdadeiros em face da confissão do reclamado, não se amolda à de emprego, conforme definição dos artigos 2º e 3º da CLT, porque incontroversamente ausente o requisito da onerosidade. Recurso ordinário do reclamante não provido no aspecto.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Passo Fundo, sendo recorrente XXXXXXXXXXXXXXXX e recorrido  MUNICÍPIO DE TAPEJARA.

 

Inconformado com a sentença de improcedência proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho José Renato Stangler às fls. 144/146 e fl. 163, recorre ordinariamente o reclamante (fls. 167/176).

Requer a reforma da sentença para que seja aplicada a pena de confissão ao reclamado pela ausência à audiência de instrução (fls. 58 e 142); que haja manifestação do julgador com relação às alegações da inicial no que tange ao vínculo de emprego no período de 01/01/1988 a 10/01/2009, pois o réu é confesso; que haja pronunciamento sobre o tema relativo à aplicação da Súmula 74 do TST e, por fim, requer a anulação da sentença “citra petita” nos termos do art. 128 e 460 do CPC e/ou a modificação da sentença com a procedência da reclamatória com o reconhecimento do vínculo de emprego tendo em vista a unicidade contratual, com o julgamento de procedência da reclamatória em todos os seus pedidos.

O Município reclamado apresenta contrarrazões às fls. 180/183.

O representante do Ministério Público do Trabalho exara parecer às fls. 187 opinando pelo não provimento do recurso ordinário.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE QUESTÃO PREJUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO E PRESCRIÇÃO.

Antes de adentrar à análise do mérito do recurso do autor sobre o vínculo de emprego, necessário tecermos algumas considerações iniciais.

Na inicial o reclamante alegou que manteve vínculo de emprego com o Município reclamado pelo período de 20 anos na atividade de cuidar do CTG do Município, que há mais de dez anos foi transformado em Salão de Esportes (Ginásio), atuando, basicamente, na limpeza e conservação do mesmo. Refere na inicial que também exerceu junto ao Município reclamado cargo de confiança (CC) por 2 anos, e, de acordo com as alegações da inicial e, ora renovadas no recurso, tal relação jurídica não alterou o vínculo de emprego cujo reconhecimento é ora postulado, mas apenas determinou alteração no seu horário de trabalho junto ao Ginásio, visto que ia trabalhar no Ginásio após expediente após as 18h30min, laborando até 24h.

O Julgador de origem, provocado a tanto pelo reclamado decidiu acolher, parcialmente, a arguição de incompetência em razão da matéria, em relação ao período posterior a 31.01.06, considerando que incontroversa a nomeação do reclamante nesta data para cargo em comissão, mencionando que “o Supremo Tribunal Federal - STF, em diversos julgados, vem decidindo pela incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar demanda relativa à contratação de natureza administrativa, ainda que temporária ou cargo de confiança, ao argumento que a relação jurídica decorrente de tal relação não é de trabalho, na forma do inciso I do art. 114 da Constituição da República, mas de direito público estrito”. O Magistrado, considerando que, em relação ao período anterior o reclamado não alega ser de natureza administrativa a relação jurídica havida, entendeu que, no período anterior a 31.01.2006, esta Especializada é competente para o julgamento da matéria, por força do disposto no art. 114 da CF/88.

Por consequência do acolhimento parcial da pretensão de declaração de incompetência, o Magistrado a quo entendeu limitado o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego ao período compreendido entre 01.01.88 e 30.01.06, de modo que, tendo em vista que ajuizada a ação em 13.03.09, acolheu a prejudicial de mérito arguida pela reclamada para pronunciar a prescrição da ação, em relação aos pedidos de natureza condenatória, uma vez que já ultrapassados dois anos da alegada relação jurídica. Nestes termos, o Magistrado de origem analisou (no aspecto declaratório) e julgou improcedente a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego com relação ao período compreendido entre 01.01.88 e 30.01.06.

Nesse contexto, em que pese o reclamante não postule no recurso expressamente a reforma da sentença quanto ao item em que declarada a incompetência material desta Justiça Especializada para julgar o feito a partir de 31.01.2006 (data da nomeação para cargo em comissão no Município), entende-se que as razões recursais deduzidas a respeito da unicidade contratual no intuito de afastar a prescrição pronunciada levam ao conhecimento da matéria relativa à incompetência. Isso porque a declaração de prescrição total da ação com relação aos pedidos de natureza condenatória decorre do fato de que, declarada a incompetência o Julgador a quo entendeu “Limitado o pedido de vínculo de emprego, ao período compreendido entre 01.01.88 e 30.01.06”. Entende-se, que as razões deduzidas para a reforma da sentença, em especial quanto à unicidade de contrato, implicam a análise de ambos os itens (prescrição e incompetência), sendo que, para afastar a prescrição, necessário examinar a decisão quanto à incompetência declarada. Passa-se, portanto, a analisar estes dois itens, o que se faz antes de analisar o mérito do recurso quanto à relação jurídica havida, por se tratar de questão prejudicial.

1.1. Competência da Justiça do Trabalho.

Com efeito, na presente ação o reclamante pretende ver declarada a  relação de emprego que alega ter mantido com o Município no período de 01/01/1988 a 10/01/2009 nas funções de limpeza e outros cuidados relativamente ao Ginásio do Município, com a condenação do reclamado ao pagamento dos consectários legais.

Não prevalece, portanto, a decisão no tocante à incompetência declarada para julgar a presente ação a partir de 31/06/2006. Veja-se que a incompetência material desta Justiça Especializada para julgar a lide foi declarada com fundamento no fato de o reclamante ter sido nomeado para cargo em comissão a partir de 31/01/2006 (fl. 144). Todavia, o reclamante não deduz pretensão em razão da relação jurídica mantida com o Município reclamado no período de 31/01/2006  a 01/12/2007, no qual investido em Cargo em Comissão de Assessor da Secretaria de Serviços Urbanos (Portarias nº 074/06 e 883/07, fls. 100 e 108). Veja-se que na petição inicial o reclamante inclusive menciona que no período em que laborou como CC exercia suas atividades junto ao Ginásio a partir das 18h30min, ou seja, após findo o expediente na Prefeitura (fl. 03), do que se depreende que a alegação foi de que no período em que investido no cargo de CC (31/01/2006 a 01/12/2007), não houve prejuízo da relação mantida com o Município em razão das atividades que desempenhava no Ginásio, relação que sustenta se caracterizar como de emprego. 

Afasta-se, portanto, a incompetência declarada na origem com relação ao período a partir de 31/01/2006 em que postulado o reconhecimento de vínculo de emprego em razão das atividades desempenhadas junto ao Ginásio. 

Deixa-se de determinar o retorno dos autos à origem para análise do período cuja incompetência foi declarada, considerando-se que o recurso, ao atacar a decisão que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, devolveu ao Tribunal o exame de toda a matéria, mesmo do período não analisado na sentença, com relação ao qual os fatos são coincidentes, não comportando análise cindida. Aplica-se o art. 515, §3º do CPC.

2.2. Prescrição.

Afastada a incompetência material desta Justiça Especializada declarada, impõe-se também a reforma da decisão que, embora tenha analisado a pretensão declaratória de vínculo de emprego, pronunciou a prescrição da ação com relação aos pedidos de natureza condenatória relativos ao período compreendido entre 01/01/1988 e 30/01/2006, tendo em vista que declarada a incompetência material desta Justiça Especializada com relação ao período posterior. Cabível, no presente caso, apenas a prescrição parcial (quinquenal) quanto aos créditos postulados, cuja pronúncia, todavia, está condicionada ao reconhecimento da relação de emprego e direitos consectários, de modo que fica relegada para momento posterior.  

Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário para afastar a declaração de incompetência material com relação ao julgamento da ação no período a partir de 31.01.2006 e, consequentemente, afastar a prescrição total pronunciada do direito de ação quanto às pretensões condenatórias no período anterior a 31.01.2006.

Em face do decido, é necessário analisar a caracterização da relação de emprego na integralidade do período alegado na inicial, o que é feito a seguir, aplicando-se o disposto no art. 515, §3º do CPC.

2. VÍNCULO DE EMPREGO NO PERÍODO DE 01.01.88 A 10.01.2009. CONFISSÃO. JULGAMENTO CITRA e EXTRA PETITA.

O reclamante busca a reforma da sentença que julgou improcedente a sua pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego no período de 01.01.88 a 10.01.2009, entendendo que houve celebração de contrato de comodato no período analisado. Sustenta em razões recursais que reproduzem em parte a petição de embargos de declaração apresentada às fls. 151/156, que a decisão está em contradição com a Súmula 74, I, do TST, visto que o reclamado foi declarado confesso quanto à matéria de fato, na medida em que ausente à audiência (ata fl. 142) para a qual estava intimado a comparecer sob pena de confissão (ata fl. 58). Afirma que a referida Súmula não foi observada pelo Julgador, argumentando que a questão deveria ter sido decidida em seu favor nos termos do verbete, devendo ser aplicada a pena de confissão ao reclamado. Aduz que não há dispositivo que exima o ente público de responder pelos efeitos decorrentes do não comparecimento à audiência, citando a OJ 152 do TST. Afirma que o Magistrado julgou em contradição à Súmula 74 do TST ao não observar que o contrato de trabalho com relação ao período laborado no Ginásio nunca findou, pois mesmo quando estava trabalhando como “CC”, ia trabalhar no Ginásio, o que fazia após o expediente após as 18h30min, laborando até 24h. Assevera que não houve interrupção do labor prestado no Ginásio, mas somente além de trabalhar durante o dia como “CC”, após o expediente voltava às suas funções habituais de cuidar e limpar o Ginásio. Alega que, portanto, deve ser observada a unicidade contratual do contrato mantido ininterruptamente até janeiro de 2009, sendo afastada a prescrição total declarada com relação ao período anterior a 31.01.2006. Destaca que é defeso ao Juiz proferir sentença em objeto diverso do que lhe foi demandado, em favor de qualquer das partes, como ocorre no caso dos autos, referindo que o Julgador entendeu que ocorreu, no caso dos autos, contrato de comodato. Assevera que não foi alegado em defesa a celebração de contrato de comodato, razão pela qual sustenta que a sentença deve ser retificada neste ponto por se tratar de decisão extra petita. O reclamante também alega que a sentença também é citra petita porquanto não houve manifestação do Julgador quanto às alegações da inicial no que tange ao vínculo de emprego no período de 01.01.1988 a 10.01.2009 (fl. 10 da inicial), pois o réu é confesso, visto que o labor prestado no ginásio após as 18h continuou o mesmo após ter sido nomeado para exercício de cargo de confiança. Postula a reforma da sentença para que seja reconhecido o vínculo de emprego tendo em vista a unicidade contratual, com o julgamento de procedência da reclamatória em todos os seus pedidos. Requer seja aplicada a pena de confissão ao reclamado pela ausência à audiência de instrução (fls. 58 e 142); que haja manifestação do julgador com relação às alegações da inicial no que tange ao vínculo de emprego no período de 01.01.1988 a 10.01.2009, pois o réu é confesso; que haja pronunciamento sobre o tema relativo à aplicação da Súmula 74 do TST e, por fim, requer a anulação da sentença por ser citra petita nos termos do art. 128 e 460 do CPC e/ou a modificação da sentença com a procedência da reclamatória.

Analisa-se por partes as alegações.

2.1. Pena de confissão.

Frise-se, inicialmente, que a análise da aplicação da pena de confissão foi relegada para a sentença (fl. 142), ocasião em que o Julgador de origem considerou o réu confesso por não comparecer à audiência em prosseguimento e também ante a contestação genérica, salientando que são presumidos verdadeiras as assertivas da inicial, apenas destacando a necessidade de apreciar a pretensão do reclamante “com extremo zelo” por se tratar de ação movida contra o Poder Público e a fim de evitar prejuízo ao erário público (3º parágrafo, fl. 145). Não há falar, portanto, em afronta à Súmula 74 do TST ou OJ 152 do TST, segundo a qual é cabível a aplicação da confissão à Pessoa Jurídica de Direito Público, conforme feito pelo Julgador de origem, que, como visto, considerou o réu confesso quanto à matéria de fato.

2.2. Decisão extra petita ou citra petita.

Com efeito, a decisão não é extra petita ou citra petita, tendo o Julgador analisado as alegações deduzidas na inicial (presumidas verdadeiras) à luz da legislação aplicável, não cabendo anulação da decisão apenas porque a conclusão não foi favorável ao autor. Assinale-se que a aplicação da pena de confissão não determina automaticamente o acolhimento dos pedidos deduzidos na ação, mas apenas enseja a presunção de veracidade quanto aos fatos alegados na petição inicial, cumprindo ao Julgador extrair dos fatos, o direito aplicável. A presunção de veracidade, não é absoluta, podendo ser infirmada por prova em contrário, inclusive devendo-se levar em conta as declarações do autor quando da realização da perícia para investigação da insalubridade (fls. 137/137), ocasião em que refere período contratual diverso daquele alegado na inicial (01.01.88 a 10.01.2009), tendo afirmado para o perito que foi admitido em 01/1997 e demitido em 12/2008, conforme declarações constantes da fl. 137, firmada pelo autor.

No que tange à ausência de análise de parte do período de vínculo de emprego alegado não caracteriza sentença citra petita, visto que decorreu de acolhimento de prejudicial de mérito com relação à prescrição, a qual foi afastada, como visto. Frise-se que, de qualquer sorte, não há falar em nulidade da decisão pelo fundamento de caracterizar-se como citra petita, porquanto não há prejuízo ao reclamante, inclusive porque entendido que o recurso devolveu toda a matéria relativa ao reconhecimento de vínculo de emprego em todo o período alegado, procedendo-se à análise completa da pretensão, o que é feito a seguir.  

No que tange à alegação de decisão extra petita pela conclusão do Julgador de a relação jurídica havida entre as partes derivou de contrato de comodato, será analisada com o mérito do recurso quanto ao vínculo de emprego cujo reconhecimento é pretendido.

2.3. Relação jurídica havida entre as partes.

Acerca das questões fáticas cuja análise é proposta, cumpre inicialmente definir quais fatos são presumidos verdadeiros ante a confissão aplicada ao reclamado, considerando-se as alegações da petição inicial e também com base na prova pericial. Nesses termos, são presumidos verdadeiros os seguintes fatos: desde janeiro de 1997 o reclamante prestou atividades de limpeza no Ginásio (antigo CTG do Município transformado em Salão de Esportes), sendo que residia a 100 metros do local de trabalho e era responsável por cuidar do Ginásio, retirando o lixo, além de pagar a luz, água, lâmpadas e demais despesas com manutenção, não tendo recebido salários do Município, mas apenas “recebia R$ 5,00 (cinco reais) por hora (tempo)”, como alegado na inicial. Registre-se que a limitação quanto ao início do contrato a partir de janeiro de 1997 (e não 1988 como alegado na inicial) decorre do fato já referido de que o reclamante, por ocasião da pericia para investigação da insalubridade (fls. 137/137), afirmou para o perito que foi admitido em 01/1997, firmando a declaração da fl. 137.

Ainda com relação às alegações da petição inicial, merece destaque a  argumentação do autor no sentido de que “é absurdo dizer que o reclamado usa de mão de obra e não remunera seus empregados, pois o Ginásio era usado pelos alunos do Município, junto com os professores Paulo Marcon e Júlio Seco. Aconteciam no ginásio diariamente 3 tempos pagos e 4 não pagos, estes, eram usados pelas Escolas do Município por seus alunos (colégio Catarina Debastiani)”.

Quanto ao horário de trabalho, o reclamante inicialmente alegou que trabalhava de segunda a sexta-feira das 8h às 12h e das 13h às 24h e aos sábados e domingos das 8h às 12h e das 13h às 17h, e, a seguir, referiu que “pela parte da manhã”, “trabalhava somente uma hora por dia e de forma esporádica; e a tarde/noite começava às 13h00min e ia até 24h00min (segunda a sexta)” (fl. 03). Como se observa, a efetiva jornada do reclamante restou obscura. Esclarece, ainda, o reclamante, que trabalhou como “CC” na junto ao Município reclamado por dois anos e que nesse período “abria o ginásio somente após as 18h30min até as 24hmin”. Afirma que o reclamado, contudo, não anotou sua CTPS, argumentando que “os requisitos do art. 3º da CLT encontram-se presentes no caso dos autos, com exceção do pagamento de salário, mormente quando o reclamante não tinha meios de subsistência, e o reclamante tinha sujeição a horário (abrir o ginásio para a prática de educação física), e submissão às ordens do empregador”.

O reclamante postula os salários do período do contrato de trabalho alegado e outros consectários, inclusive adicional de insalubridade em razão do trabalho de “limpeza e recolhimento de lixo dos sanitários de uso dos clientes (alunos, professores, terceiros) do ginásio” (fl. 05).

Com a inicial (fls. 16/51) o reclamante acosta diversos recibos comprovando o pagamento de contas de luz e água do imóvel no qual afirma que funcionava o ginásio do qual tomava conta referentes a parte do período alegado como tendo sido mantida a relação de emprego sendo o mais antigo de novembro de 2000 (fl. 42) e mais novo de janeiro de 2006 (fl. 30).

Avalia-se, consoante destacado na sentença, a contestação é genérica. Veja-se que o Município reclamado nada refere sobre o trabalho que o reclamante alega exercer no ginásio, não esclarecendo a que título teria se estabelecido a relação com o autor neste período, inclusive à vista dos comprovantes de pagamento de água e energia elétrica referentes ao imóvel juntados aos autos. O Município apenas afirma que o reclamante “foi nomeado em 31/janeiro/2006, em Cargo em Comissão (CC-03), conforme Portaria nº 074/06 de 31 de janeiro de 2006 (doc. Anexo). Assim, contesta-se o tempo alegado, bem como o trabalho, horário, e demais como se verifica nos itens que seguem individualmente” (fl. 71). No restante da contestação, o Município reclamado apenas refere que o reclamante, nomeado em Cargo em Comissão é regido por normas estatutárias, sendo impossível o pleito de parcelas trabalhistas; que a contratação sem concurso público seria nula e haveria ofensa ao art. 37, inciso II da CF, invocando a Súmula 363 do TST; que não prosperam os pedidos de salários, pois quando exerceu atividade recebeu por ela; que o autor não laborava à noite no serviço de assessor de serviços urbanos não fazendo jus ao adicional noturno, contestando os demais pedidos a partir da negativa genérica do direito postulado e ao fundamento da natureza administrativa da relação havida.  

Os fatos referidos acerca dos aspectos da relação jurídica havida entre as partes, conforme alegações da inicial, devem ser consideram verdadeiros, considerando a contestação genérica e também a pena de confissão aplicada ao reclamado em face do não comparecimento injustificado à audiência de prosseguimento.

Todavia, em que pese se presumam verdadeiros os fatos alegados pelo autor, tal circunstância não leva à procedência da ação. Com efeito, analisando-se o contexto fático e probatório, entende-se que não foi de emprego a relação havida entre o autor e o Município reclamado no período compreendido entre janeiro de 1997 a dezembro de 2008.

O contrato de trabalho decorre da conjunção do disposto nos artigos 2º e 3º da CLT. Nesse contexto, o empregador é quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. Já o empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Quanto ao requisito “mediante salário”, é preenchido pela verificação de que a força de trabalho humana é prestada com onerosidade, ou seja, mediante contraprestação aferível monetariamente. O trabalho prestado de forma gratuita não é tutelado pelo direito do trabalho. Na espécie, conjugando-se as alegações do autor e da reclamada, não se percebe qual a contraprestação paga ao autor pelo trabalho de cuidar da manutenção do Ginásio de esportes que era utilizado por alunos e professores do Município. O valor cobrado dos “clientes” do ginásio (reclamante disse que recebia R$ 5,00 por hora - tempo), não preenche o requisito da onerosidade, inclusive porque não representa contraprestação pelo trabalho do autor, mas se tratava de valor pago pelo aluguel do espaço. E, além de não receber contraprestação pelo trabalho, o autor pagava taxas para manutenção do local em que realizava o trabalho.

Nesse contexto, tem-se que o pacto havido entre as partes teve como objeto a permissão por parte do Município reclamado do uso e da exploração econômica do Ginásio de Esportes por parte do autor, em troca de manter limpo e organizado o local, inclusive para o uso de alunos e professores do Município, sendo o reclamante, ainda, responsável pelas despesas básicas de manutenção do imóvel com energia elétrica e água. Ou seja, a exploração do imóvel se dava por conta e risco do reclamante.

Os termos em que estabelecida a relação não se amoldam ao contrato de emprego, delineando relação que é mais parecida com a que surge de um contrato de comodato. No caso, embora não haja alegação neste sentido ou prova documental a respeito da celebração de um contrato de comodato, é esta a relação que se delineia na hipótese, cabendo ao Julgador, a partir da análise dos fatos evidenciados no processo, dizer qual o direito aplicável (o que não configura decisão extra petita). E, na espécie, os fatos evidenciados no processo afastam a aplicação das regras pertinentes ao contrato de trabalho.

Além de ausente a onerosidade, já que incontroverso que o reclamante não recebia contraprestação pelo trabalho de limpeza e conservação do local em que alega prestar o trabalho, analisando-se as alegações do autor, entende-se que não resta evidenciada a existência de subordinação na prestação das atividades junto ao Ginásio. Embora o reclamante refira horário a ser cumprido, não menciona que houvesse qualquer fiscalização do cumprimento ou penalidade em hipótese de falta ou atraso. A inexistência de elementos configuradores de subordinação nas alegações do autor corroboram a conclusão quanto à inexistência de relação de emprego.

Nesse contexto, confirma-se a sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com o Município reclamado. Consoante entendeu o Julgador de origem: “Perfeitamente aplicável a lição de MAURÍCIO GODINHO DELGADO: o animus contrahendi do autor nunca teve a intenção de se vincular ao ré como empregado, pois a atividade econômica que explorava, em decorrência da cessão gratuita do bem imóvel do reclamado, mostrava-se mais conveniente, razão pela qual não há, no plano subjetivo, o elemento fático-jurídico da onerosidade, o que afasta, em decorrência, a incidência do disposto no art. 3o da CLT”.

Nesse contexto, analisada a matéria com relação ao reconhecimento do vínculo de emprego em todo o período alegado na petição inicial por aplicação do art. 515, §3º, do CPC, confirma-se a sentença de improcedência também com relação ao período anterior a 31.06.2006.

Considerando que confirmada a decisão que não reconhece o vínculo de emprego, deixa-se de pronunciar a prescrição parcial.

Nega-se provimento ao recurso do reclamante, no tópico.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para afastar a declaração de incompetência material com relação ao julgamento da ação no período a partir de 31.01.2006 e, consequentemente, afastar a prescrição total pronunciada do direito de ação quanto às pretensões condenatórias no período anterior a 31.01.2006, aplicando-se o art. 515, §3º do CPC, e com relação ao reconhecimento do vínculo de emprego em todo o período alegado na petição inicial, negar provimento ao recurso.

Intimem-se.

Porto Alegre, 30 de março de 2011 (quarta-feira).

 

 

DESEMBARGADORA FLÁVIA LORENA PACHECO

Relatora

 

MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO