Acórdão do processo 0001237-94.2010.5.04.0030 (RO)
Redator: LUIZ ALBERTO DE VARGAS 

Participam: RICARDO CARVALHO FRAGA, CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA

Data: 18/04/2012   Origem: 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

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Andamentos do processo


PROCESSO: 0001237-94.2010.5.04.0030 - RO

IDENTIFICAÇÃO

DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS

Órgão Julgador:  3ª Turma

 

Recorrente:  FORJAS TAURUS S.A. - Adv. Beatriz Santos Gomes, Adv. Rosana Akie Takeda

Recorrido:  xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx - Adv. Airton Tadeu Forbrig 

Origem:  30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

Prolator da

Sentença:  JUÍZA FABIOLA SCHIVITZ DORNELLES MACHADO 
 

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A atividade desenvolvida pelo empregado, por sua natureza, deve ser enquadrada no rol de atividades de risco, pelo grau de probabilidade de provocar dano, atraindo, na hipótese de dano, a responsabilidade objetiva, sendo, portanto, devida a indenização independente de culpa, com fulcro no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil. Provimento negado.  

ACÓRDÃO

por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada. 

RELATÓRIO

Recorre ordinariamente a reclamada às fls. 461/476, inconformada com a sentença das fls. 447/459 que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais, honorários periciais e assistenciais.

O reclamante apresenta contrarrazões às fls. 481/484.  

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS:  

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

Inconforma-se a reclamada com a sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais ao reclamante, sustentando a inexistência dos requisitos ensejadores de responsabilidade civil, quais sejam, dano, dolo ou culpa e nexo causal. Tece comentários sobre a responsabilidade subjetiva, que entende ser aplicável aos casos de doença ocupacional e acidente de trabalho. Alega que o autor foi admitido em 27/11/06, na função de polidor, trabalhando até 03/08/10, data da rescisão contratual, quando estava apto para demissão, conforme exame médico periódico em 24/06/10. Afirma que o autor não apresentou incapacidade laborativa e não esteve afastado em gozo de benefício previdenciário, e o laudo pericial médico concluiu pela inexistência de nexo causal entre as queixas do reclamante e suas funções laborais. Aduz que na CAT emitida em 13/08/10, após o desligamento do autor, pelo sindicato de classe, constou como origem da moléstia as atividades de polimento e lixamento, e como agentes causadores a repetitividade, força e postura, porém, tais informações foram fornecidas unilateralmente pelo autor e não restaram comprovadas pelo laudo médico pericial. Diz que a doença do reclamante não decorre de seu trabalho na empresa, que o autor jamais sofreu acidente do trabalho ou doença ocupacionais, não havendo dano a ser reparado. Acrescenta que não há falar, tampouco, em qualquer conduta ilícita, que deve ser comprovada em caso de responsabilidade subjetiva. Caso mantida a condenação no tópico, entende deva ser limitada ao dano que o reclamante comprove ter sofrido, e seja reconhecida a culpa concorrente do autor, com a consequente redução do valor arbitrado a título de indenização.

Entendeu a sentença, às fls. 449/454, que embora o perito negue a existência de nexo de causalidade entre a moléstia da qual foi portador o autor e as atividades que desenvolvia na requerida, não podem ser olvidados os outros elementos de prova constantes dos autos, até porque o Julgador não está adstrito à prova pericial, conforme preceitua o art. 436 do CPC. Os documentos das fls. 20/21, datados de 06/08/2010, revelam que o requerente foi acometido por bursite subacromiodeltóidea, sinais de tendinose do supra espinhoso, epicondilite lateral, entre outras. Salienta, ainda, que o sindicato emitiu CAT em 13/08/2010, consignando como descrição da situação geradora da doença, polimento/lixamento dos carregadores de armas - 1 MIL - 1 MIL e 500 peças por dia e como agente causador, repetitividade/força/postura forçada. Assim, embora o perito não tenha constatado a existência de moléstia incapacitante atual, resta evidenciado que o autor foi portador de doença durante o contrato. Por outro lado, o Perfil Profissiográfico Previdenciário, acostado às fls. 111/113, demonstra a execução de movimentos repetitivos para o desempenho das atividades do autor (como por exemplo, o polimento manual de peças de produtos). Por conseguinte, sopesando as provas produzidas é possível reconhecer que o labor prestado em prol da requerida foi fator contributivo no desencadeamento ou agravamento das moléstias. Deve, contudo, ser considerado o caráter genético-hereditário e degenerativo das doenças apresentadas à época pelo autor, fatores que também devem ser considerados para fins de atribuição de responsabilidade pelo seu desencadeamento. Porém, o fato de outras causas terem contribuído para o surgimento-agravamento das lesões, não afasta o dever de indenizar, uma vez que as moléstias desenvolvidas são multifatoriais, pois além do labor em prol da requerida, têm origem também em outras causas, as quais devem ser sopesadas. Sinala que era da requerida o ônus de demonstrar a sua preocupação com a observância às normas de proteção e segurança do trabalho, além de fiscalizar e punir o descumprimento das normas relativas aos usos de equipamentos de proteção, do qual não se desincumbiu a contento, porquanto não acostou aos autos Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), tampouco Análise Ergonômica das Condições de Trabalho, tendo juntado, apenas, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) referente ao ano de 2009 e Programa de Ginástica Laboral referente ao ano de 2006 (fls. 119/219). Não basta, contudo, a empresa acostar tais programas, se não há prova que na prática se utiliza de tudo o que neles está recomendado. Ademais, tais programas não são contemporâneos a todo o período do pacto laboral mantido entre as partes. Por conseguinte, cotejando a prova produzida e presente o nexo técnico epidemiológico, é possível concluir pela existência de nexo de causalidade entre as patologias havidas à época do contrato e as atividades exercidas pelo autor em prol da requerida, além da responsabilidade desta que não comprovou ter adotado medidas capazes de evitar os infortúnios. Nesse diapasão, comprovadas as moléstias e o nexo causal, reconhece a responsabilidade da demandada, restando evidenciado o dever de indenizar. Entretanto, levando em consideração as concausas existentes, e, na ausência de parâmetro técnico em relação ao percentual de contribuição do trabalho prestado, arbitra a responsabilidade da requerida pelos eventos danosos em 50%.  O dano moral, em decorrência das patologias que se desenvolveram/agravaram em razão do trabalho prestado em favor da requerida, deve ser deferido, uma vez que resta evidente o sofrimento e a angústia provocados pelas moléstias, influenciando não somente a vida laboral do autor, mas a sua vida social e o convívio familiar, o que justifica a reparação do dano extrapatrimonial. Fixa o valor da indenização pelo dano moral em R$ 30.000,00, e levando em conta o grau de responsabilidade imputado à demandada (50%), a condeno ao pagamento de R$ 15.000,00, valor que observa aos critérios pedagógico, punitivo e reparador, balizadores da reparação do dano moral, instigando a requerida a tomar as devidas e necessárias precauções no intuito de diminuir a possibilidade de ocorrência de doenças ocupacionais a atingir a coletividade dos seus empregados.

Examina-se.

Considerando que a rescisão do contrato de trabalho do autor com a reclamada se deu em 03/08/10, as enfermidades constatadas pela ecografia cujo laudo foi juntado à fl. 20, em exame médico datado de 06/08/10, seriam compatíveis com a contratualidade mantida entre as partes desde junho/06. Já o laudo pericial médico das fls. 413/420, complementado à fl. 436, concluiu que as lesões do laudo juntado à fl. 20 são achados de ecografia, não caracterizando uma doença, uma vez que podem ser achados casuais, não comparados com o outro lado e sem correspondência com os dados do exame clínico, não sendo possível atribuir estes achados ao trabalho ou que possam ter sido agravados pelo labor. Referido laudo foi devidamente impugnado pelo reclamante. Por outro lado, a CAT emitida em 13/08/10, juntada às fls. 23/24, descreve como situação geradora da doença o  polimento/lixamento dos carregadores de armas, de 1.000 a 1.500 peças por dia, e como agente causador, a repetitividade, força e postura forçada, deixando demonstrado, portanto, que embora o perito não tenha constatado a existência de moléstia incapacitante por ocasião da perícia médica, o autor foi portador de doença durante o contrato. Não se pode desconsiderar o laudo ecográfico da fl. 20, como concluiu o perito médico, diante do restante da documentação juntada aos autos, mormente quando o perfil profissiográfico previdenciário do autor, à fl. 111, comprova que entre as atividades realizadas pelo autor durante a contratualidade constavam as atividades de polir manualmente peças de produtos.

Assim sendo, entende-se correta a decisão de primeiro grau enquanto entendeu pela existência de nexo causal entre as atividades do autor e a doença ocupacional comprovada documentalmente. Embora o laudo pericial médico negue a existência da enfermidade, entende-se que a prova documental produzida se sobrepõe às conclusões do perito médico, devendo ser considerada, enquanto demonstra que as atividades exercidas pelo autor na reclamada, no polimento das peças, é prejudicial e capaz de acarretar a doença ocupacional alegada na inicial. A atividade desenvolvida pelo autor na reclamada, por sua natureza, deve ser enquadrada no rol de atividades de risco, pelo grau de probabilidade de provocar dano a outrem, atraindo, na hipótese de dano, a responsabilidade objetiva, sendo, portanto, devida a indenização independente de culpa, com fulcro no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil: "Haverá obrigação de indenizar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem." A indenização não decorre da ação ou omissão para gerar o direito, porque ele advém tão somente do exercício da atividade de risco. No caso do Direito do Trabalho deve ser observado, em especial, a teoria do risco profissional que decorre da atividade desenvolvida pela vítima. O Direito Laboral nasceu dos conflitos entre capital e trabalho, criando-se uma desigualdade jurídica inclinada para a proteção do operário, mais fraco economicamente. Assim, as normas protetivas constituem um sistema legal em favor do hipossuficiente, de forma que as vantagens contidas em uma determinada norma, independentemente de sua hierarquia, não exclui outra vantagem prevista em outra norma, mas tão somente a complementa. Trata-se do princípio protetivo do qual deriva o princípio da norma mais favorável, razão pela qual tem-se que, embora a norma constitucional disponha sobre a responsabilidade subjetiva da empresa, deve ser aplicada também a norma infraconstitucional mais favorável, ainda que de menor hierarquia. A propósito cabe citar os comentários de Sebastião Geraldo de Oliveira sobre a corrente doutrinária que defende a aplicação do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, em matéria de acidente de trabalho: "A segunda corrente assevera que o novo dispositivo tem inteira aplicação no caso do acidente do trabalho. Entendemos que a previsão do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretado em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prevê: 'São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social'. Assim, o rol de direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente 'outros que visem a melhoria da condição do trabalhador'. Como leciona Arnaldo Süssekind, o elenco de direitos relacionados no art. 7º é meramente exemplificativo, admitindo complementação." - (Oliveira, Sebastião Geraldo de, Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, 2005, LTr., p. 91). No mesmo sentido também se posiciona Maurício Godinho Delgado: "Com os avanços produzidos pela Carta Magna, a reflexão jurídica tem manifestado esforços dirigidos a certa objetivação da responsabilidade empresarial por danos acidentários. Tal tendência à objetivação, evidentemente, não ocorre no campo dos danos morais e à imagem que não tenha relação com a infortunística do trabalho. De fato, essencialmente na seara da infortunística é que as atividades laborativas e o próprio ambiente de trabalho tendem a criar para o obreiro, regra geral, risco de lesões mais acentuado do que o percebido na generalidade de situações normalmente vivenciadas pelos indivíduos na sociedade." - (Delgado, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 2004, LTr, 3ª Edição, p. 619). Tal interpretação está em consonância com os princípios fundamentais da própria Constituição Federal - dignidade da pessoa humana. Nesse sentido também já se manifesta a jurisprudência, conforme segue: "ACIDENTE DE TRABALHO. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. A culpa do empregador, no caso de acidente de trabalho, decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, que prevê a responsabilidade civil objetiva como forma de obrigação de garantia no desempenho de atividade econômica empresarial, dissociada de um comportamento culposo ou doloso. A teoria do risco da atividade parte do pressuposto de que quem obtém bônus arca também com o ônus. O parágrafo único do art. 927 do CC/02 recepcionou tal teoria em nossa legislação." (Relator José Felipe Ledur, processo nº 02414-2005-000-04-00-4, publicado em 19.01.06).

Quanto à pretensão do recorrente, no sentido de que seja reconhecida a culpa concorrente do autor, sem objeto o apelo, uma vez que a decisão recorrida já arbitrou a responsabilidade da requerida pelos eventos danosos em 50%. No que respeita à limitação ao dano que o reclamante comprove ter sofrido, entende-se que o argumento, neste sentido, já foi devidamente considerado pelo juízo de primeiro grau, ao fixar o valor da indenização.

Nega-se provimento.  

HONORÁRIOS PERICIAIS. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

Provido seu apelo no tocante à indenização por danos morais, pretende a reclamada ser absolvida da condenação ao pagamento dos respectivos honorários periciais e assistenciais.

Sem razão.

Mantida a sentença em sua integralidade, deve ser mantida também no que se refere aos honorários periciais e honorários assistenciais, porquanto mantida a sucumbência da reclamada no feito.

Nega-se provimento. 

lst.