EMENTA: DOENÇA OCUPACIONAL. CONCAUSA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. A existência de concausa é circunstância que não elimina a culpa do empregador, admitindo-se tão somente a mitigação do valor da indenização, já que as condições em que era realizado o trabalho concorrem para o dano sofrido pelo empregado. Inafastável o dever de indenizar da reclamada, porquanto, além de assumir os riscos da atividade empresarial, tinha obrigação de propiciar um ambiente de trabalho sadio e equilibrado à saúde do trabalhador, fornecendo meios necessários ao labor em condições de normalidade. Provimento negado.  

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara do Trabalho de Gravataí, sendo recorrente RENNER SAYERLACK S.A. e recorrido XXXXXXXXXXXXXXX.

 

A reclamada inconformada com a sentença de parcial procedência proferida pelo Juiz do Trabalho José Frederico Sanches Schulte (fls. 689/691), apresenta recurso ordinário (fls. 695/720). Pretende a nulidade da decisão por cerceamento de prova, e sua reforma quanto ao reconhecimento de doença ocupacional, inexistência de danos materiais e morais e honorários periciais.

O reclamante apresenta contrarrazões às fls. 725/731.

Distribuídos os autos, vêm conclusos para julgamento.

Processo não submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.

          É o relatório.

 

ISTO POSTO:

CONHECIMENTO.

            Tempestivo o apelo (fls. 693, 694-v), regular a representação (fl. 27), custas processuais recolhidas (fl. 722) e depósito recursal efetuado (fl. 721), encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.

MÉRITO.

1. CERCEAMENTO DE PROVA. NULIDADE DA DECISÃO.

            Afirma a reclamada ter sido cerceado o seu direito de defesa. Primeiramente, porque foi indeferido seu pedido para que fossem oficiadas as empresas onde o reclamante laborou após o término da relação havida com ela para que trouxessem aos autos toda documentação médica pertinente ao empregado, em especial os atestados de saúde ocupacional (admissional, periódicos e demissional), bem como os respectivos Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPP). Objetivava avaliar as condições de trabalho do reclamante em tais oportunidades, o que foi indeferido pelo juízo de origem.  Em uma segunda oportunidade, pretendeu a complementação pericial para a avaliação dos problemas de saúde apresentados pelo reclamante em relação às atividades prestadas a outros empregadores, posteriormente ao seu desligamento, o que também restou indeferido. Alega ter o perito médico relatado no laudo (fls. 607/609) ser possível que as moléstias tenham sido agravadas em decorrência das atividades desenvolvidas pelo reclamante a serviço de seus novos empregadores. Sustenta ter sido prejudicada, pois a prova pericial é determinante para a condenação e, no caso, foi desconsiderado o fato de que o reclamante prossegue trabalhando após mais de dois anos da ruptura, de forma que os alegados problemas de saúde não mais guardam relação com o trabalho executado para a ora recorrente. Por fim, pretendia a oitiva da testemunha Carmem Lucia Kauer, médica que atendeu o reclamante no curso do contrato de trabalho, o que também restou indeferido. Relata ter a referida profissional acompanhado a evolução do quadro clínico, sendo a pessoa mais capacitada para esclarecer a questão. Assevera que tanto em razão do ônus de prova como pelo resultado da demanda, era imprescindível que lhe fosse assegurada ampla defesa, garantindo-lhe a produção de provas fundamentais ao deslinde da controvérsia. Busca a nulidade da sentença e a remessa dos autos à origem para que seja oportunizada a produção das provas antes indeferidas, sob pena de violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, e artigos 818 e 829 da CLT, bem como 333 e 405 do CPC.

            Sem razão.

            O juiz tem ampla liberdade para apreciar as provas e estabelecer o seu valor conforme seu livre convencimento, não podendo, contudo, deixar de observar o ordenamento jurídico vigente. Também ao juiz compete admitir ou não a prova após analisar a necessidade de sua produção (art. 130 do CPC). Nestes termos ainda, entende-se aplicável aos processos do trabalho em geral, independentemente do rito, o art. 852-D da CLT:

 

O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerando o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

 

 

Importa referir o art. 400 do CPC, que dispõe o seguinte:

A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:

I)             já provados por documento ou confissão da parte;

 II) que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.

No caso, é dispensável o depoimento da testemunha Dra. Carmem Lucia Kauer. Em audiência inaugural, foi determinada a expedição de ofício à Dra. Carmem para que apresentasse todos os dados clínicos e documentos que possuísse do reclamante (fl. 25). Em resposta, ela junta ficha médica admissional e evolução clínica do paciente, detalhando todos os atendimentos realizados, assim como inúmeros exames complementares (fls. 272/368), motivo pelo qual entende-se suprida a prova testemunhal pelos documentos. Ademais, como exposto na origem, a reclamada poderia ter indicado a profissional como perita assistente, tendo em vista a realização de perícia médica nos autos. Todavia, indicou o Dr. Luiz Oscar Schneider como tal (fl. 437), que apresentou laudo pericial a fls. 571/584.

            Quanto ao indeferimento de complementação pericial, o juízo de origem defere o pedido de esclarecimentos, vetando respostas a quesitos que entendeu desnecessários (fl. 601).

O indeferimento de ofícios aos empregadores posteriores ao contrato com a reclamada, requerendo exames admissionais, periódicos e demissionais e perfis profissiográficos, também não caracteriza cerceamento de prova, pois são fatos posteriores à relação, não tendo relevância para o deslinde da controvérsia. Os inúmeros atendimentos médicos que constam da ficha do reclamante produzida na reclamada com queixas de lombalgia tornam evidente que a moléstia acompanhou o trabalhador ao longo de dez anos da relação laboral. Não prospera a tese da ré de que a perícia levaria em conta o quadro de saúde atual do reclamante, agravado pelas condições de trabalho no momento, pois está amplamente provado que as lesões são contemporâneas ao contrato com a reclamada. O pedido tem caráter protelatório, tendo em vista a farta prova produzida nos autos.

Rejeita-se o pedido de nulidade da sentença em razão de cerceamento de defesa.

            Nega-se provimento no tópico.

 2. INEXISTÊNCIA DE DOENÇA OCUPACIONAL.

            O juízo de origem entende estar provado que as atividades laborais aceleraram o processo degenerativo da coluna vertebral do reclamante, estando presente elemento culposo na conduta omissiva da empregadora, a quem cumpre tomar as precauções para evitar o adoecimento do trabalhador.

            A reclamada não se conforma, afirmando não lhe caber qualquer culpa ou responsabilidade pelas lesões que acometem o reclamante. Transcreve a ficha médica com os relatos dos atendimentos médicos realizados na vigência do contrato de emprego, e assim como as conclusões da médica Dra. Carmen Lúcia Kauer, dizendo ser a moléstia na coluna vertebral decorrente de alterações degenerativas, da idade e excesso de peso corporal; que a tendinite alegada como crônica, foi curada em 2002; que o reclamante já apresentava queixas de lombalgia no exame pré admissional, quando tinha 20 anos e 79 kg, tendo aumentado o peso em 15 kg; que foi orientado a praticar atividade física e trocar o colchão da cama, mas não tomou providências a respeito, assim como não aceitou fazer fisioterapia e tampouco trocar de setor. Assevera que as conclusões do perito oficial são também no sentido de que a genética e o excesso de peso contribuem para as lesões, e que o reclamante está apto para continuar trabalhando nas mesmas funções. Refere ter o reclamante deixado de trabalhar na empresa há mais de dois anos, de forma que as lesões atuais não têm nexo de causalidade com o labor em prol da recorrente, até mesmo porque restou comprovado ter ele trabalhado para outras empresas. Frisa ter o reclamante sofrido acidente de motocicleta em 16.12.03 quando fraturou a clavícula direita. Argumenta não ter o reclamante usufruído qualquer benefício previdenciário ao longo do contrato de trabalho. Sustenta culpa exclusiva do reclamante na sua doença, pois se recusou a seguir as orientações propostas pela empresa. Assegura não haver prova de invalidez nos autos, tendo o reclamante condições de levar vida normal e produtiva. Busca sua absolvição, entendendo inexistir incapacidade laboral, bem como nexo de (con)causalidade entre as moléstias que acometem o reclamante e o trabalho prestado.

À análise.

            A comprovação do dano e a existência de nexo causal entre este e a atividade desempenhada pelo trabalhador são requisitos essenciais para que surja o dever de indenizar danos morais e patrimoniais em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional.

O reclamante trabalhou para a reclamada de 04.01.93 a 05.11.03, tendo sido contratado como ajudante de expedição e ocupado os cargos, posteriormente, de prático expedição, operador de produção jr e operador de produção pl (fl. 57).  Infere-se do contexto probatório ter o reclamante sequelas de lesões em sua coluna vertebral, havendo nexo de concausalidade com as condições de trabalho. (fl. 564).

Segundo o laudo médico, as tarefas do reclamante consistiam, nos três primeiros anos, como ajudante de expedição e prático de expedição, a operação de máquina seladora e apanhamento de latas e galões armazenados em prateleiras, de acordo com os pedidos, dispondo-os em carrinhos de quatro rodas, os quais eram puxados com transporte máximo de 500 kg. Os volumes manipulados tinham peso variando entre 5 e 33 kg. Como operador de produção júnior e pleno, o reclamante laborava operando tanques de envazamento, apanhando latas com peso entre 20 e 22 kg para fechá-las e empilhá-las em estrados, revezando a função com colega a cada quarenta latas. Após dois anos nesta função, passou a trabalhar na dispersão, onde manipulava sacos de 25 a 30 kg contendo matérias-prima, abrindo-os e liberando o material para mistura. (fl. 562). 

            O perito médico afirma que a análise das tarefas executadas pelo reclamante evidencia nexo de concausalidade com as lesões, agravando-as, pois o trabalho exigia posturas habituais de flexão lateral e rotação do tronco, inclusive movimentando peso, determinando o aumento de pressão sobre o disco vertebral, tornando sua degeneração mais precoce (fl. 564).

Após inúmeros julgados sobre a matéria, sabe-se que os discos intervertebrais desgastam-se com o tempo e o uso repetitivo, o que facilita a formação de hérnias de disco, ou seja, a extrusão de massa discal que se projeta para o canal medular através de uma ruptura da parede do anel fibroso. Estas lesões têm origem degenerativa, podendo ser agravadas por trabalho com esforço, vibração, ou movimentos repetitivos.

Neste sentido, o laudo médico do perito designado é conclusivo de que, apesar de as lesões terem origem degenerativa, o trabalho é, evidentemente, concausa do agravamento do quadro. Atesta o perito comprometimento funcional calculado em 6,25% de acordo com a Tabela DPVAT.

A existência de concausa é circunstância que não elimina a culpa do empregador, admitindo-se tão somente a mitigação do valor da indenização, já que as condições em que era realizado o trabalho concorrem para o dano sofrido pelo empregado. Não há falar, portanto, em inexistência de nexo causal, como pretende a recorrente,

Apesar de a reclamada adotar medidas de segurança e ergonomia relativamente ao trabalho na linha de montagem, ainda assim, a prevenção não foi suficiente para evitar o agravamento da doença do reclamante.

A discussão quanto a ser a responsabilidade civil do empregador objetiva, calcada na teoria do risco, ou subjetiva, hipótese em que deve ser provada a culpa, é desnecessária no presente caso, pois a prova demonstra a omissão da reclamada em fornecer ambiente de trabalho seguro ao reclamante. O empregador tem o dever legal de cumprir e fazer cumprir as normas sobre a segurança e medicina do trabalho, em todas as atividades empresariais, nos termos do disposto nos artigos 157 e 184 da CLT. Incide, ao caso, os artigos 186 do Código Civil, e a indenização correspondente no art. 927 do mesmo Código, e o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal.

          Nega-se provimento

3. DANOS MORAIS E MATERIAIS.

            A sentença condena em danos morais no valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), e danos materiais consubstanciados em pensão mensal em parcela única no valor de R$ 12.000,00 (doze mil reais).

            A reclamada recorre, repisando inexistir responsabilidade que enseje a condenação, pois não concorreu para o alegado dano, e porque o reclamante estava apto no momento da rescisão do contrato de trabalho. Alega ter o ordenamento jurídico adotado a Teoria da Culpa, hipótese em que responderia pelo dano apenas se fosse provada sua culpa, não valendo a mera presunção. Nesta linha, afirma não prosperar a condenação imposta, pois não há amparo fático legal que a autorize. Assevera inexistir prova da extensão dos danos sofridos pelo reclamante capaz de justificar a indenização no montante deferido. Refere que a condenação em pensão mensal se equivale ao auxílio doença ou aposentadoria por invalidez, benefícios que devem ser pagos pela Previdência Social, sendo inadmissível a cumulação de rendimentos, sob pena de bis in idem ou enriquecimento sem causa. Relata estar o mercado de trabalho “tremendamente aquecido” para portadores de deficiência física, e as empresas sequer conseguem preencher as cotas que a lei lhes impõe. Contudo, entende descabido deferir pensionamento ao reclamante, porque é pessoa saudável, tem capacidade laborativa e deve desenvolvê-la. Afirma também que o dano sofrido pelo reclamante tem alicerce na deficiência do Estado em prestar atendimento na área da saúde pública. Busca sua absolvição, sob pena de violação aos artigos 5º, II, V, X e LV, e 7º, XXVIII, da Constituição Federal. Alternativamente, não sendo o entendimento da Turma pela sua absolvição, pretende a redução dos valores fixados, pois se mostram excessivos, desproporcionais e sem razoabilidade. Alega proporcionar a condenação em tal monta o enriquecimento sem causa do trabalhador, estando afastada da finalidade reparatória e sancionatória.

            A discussão quanto à existência de nexo de causalidade e culpa da reclamada foi superada no item anterior, tendo sido mantida a sentença, quanto à responsabilidade da reclamada em indenizar danos em decorrência de doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho para efeitos jurídicos. Resta a análise quanto ao valor arbitrado, pretendendo a reclamada a sua redução.

            Contudo, não tem razão a reclamada.

O laudo pericial conclui ser o trabalho concausa importante no agravamento das lesões, apesar de a patologia ter origem degenerativa. O perito afirma estar o reclamante incapacitado para o trabalho que realizava na reclamada, sendo o comprometimento funcional calculado em 6,25% de acordo com a Tabela DPVAT.

A responsabilização decorrente de ato ilícito tem natureza de reparação civil, não se confundindo com os benefícios concedidos pelo INSS ou por previdência complementar instituída pela reclamada. As decisões judiciais relativamente a esses benefícios em decorrência do mesmo acidente não vinculam este juízo.

O valor de indenização por danos morais deve ser fixado objetivando a reparação da dor da vítima, ainda que nunca se alcance a reparação integral, sendo impossível a pretensão de se restituir à pessoa o seu estado anterior. Paralelamente, o valor deve ser significativo de modo a desestimular a conduta do ofensor.     

O argumento de que o mercado de trabalho para portadores de deficiência física está “tremendamente aquecido” carece de fundamentação jurídica

 Destaca-se ter o reclamante trabalhado por mais de dez anos para a empresa em tarefas que exigiam esforço físico.

Tem-se como adequados os valores fixados na origem, danos morais em R$ 6.000,00 (seis mil reais), frente à natureza e extensão do dano sofrido e R$ 12.000,00 (doze mil reais) a título de danos materiais, em parcela única, pois considerou  a sentença, fl.691verso, “ que o grau da lesão e a participação da reclamada para o dano ora arbitrada resultaria no pagamento de pensão de pouca monta, cuja implementação mais transtornos causaria do que restituiria o status quo ante, reconheço o direito ao pagamento de uma indenização global. Arbitro, pois, considerados, além dos critérios supracitados, também o valor da remuneração recebida no contrato e a expectativa de vida do autor(que estimo em 70 anos), o valor de R$12.000,00”.

      Nega-se provimento.

4. HONORÁRIOS PERICIAIS.

            Esperando pelo integral provimento do recurso, propugna pela reversão dos honorários periciais ao reclamante na forma da Súmula 236 do C. TST.

Sem razão.

Mantida a condenação da reclamada, deve arcar com os honorários do perito médico, por sucumbente no objeto da perícia, à luz do art. 790-B, da CLT.

Nega-se provimento.

PREQUESTIONAMENTO.

Não se entende presente violação aos artigos apontados, admitindo-se como prequestionados, mesmo quando não foram expressamente mencionados no acórdão, a teor da Súmula 297 do TST.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 15 de setembro de 2010 (quarta-feira).

 

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

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