EMENTA:

PUNIÇÃO DISCIPLINAR. PENA DE ADVERTÊNCIA.

Não restando demonstrada a responsabilidade do empregado pelo ato que lhe foi imputado, impõe-se a reforma da sentença que entendeu não ter havido excesso do empregador na aplicação da penalidade, para determinar a anulação da mesma e a conseqüente exclusão de seu registro nos assentamentos funcionais e na ficha registro de empregado do reclamante. Recurso do reclamante ao qual se dá provimento.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente XXXXXXXXXXX e recorrido NAVEGAÇÃO ALIANÇA LTDA..

 

Inconformado com a sentença das fls. 62/63, proferida pela Juíza Karina Saraiva Cunha, que julgou improcedente a ação proposta, o reclamante interpõe recurso ordinário nas fls. 68/73, insistindo na anulação da punição de advertência que lhe foi aplicada por seu empregador e no deferimento dos honorários advocatícios.

Com contrarrazões nas fls. 77/81, sobem os autos a este Tribunal.

Processo não sujeito a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

CONHECIMENTO.

            Tempestivo o apelo (fls. 64 e 68), regular a representação (fl. 05 e 66), custas processuais dispensadas (fl. 63) e depósito recursal inexigível, encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.

 

1. DA PENA DE ADVERTÊNCIA APLICADA AO RECLAMANTE.

O reclamante noticiou, na inicial, que a reclamada foi advertida e multada pela ANVISA, por mau procedimento no uso do cloro nas caixas de abastecimento das embarcações. Disse que como condutor de uma das embarcações, foi responsabilizado pelo ocorrido, tendo-lhe sido aplicada a pena de advertência disciplinar em novembro de 2009. Acrescentou, ainda, que nunca recebeu orientação de procedimento no uso do cloro, sendo tal responsabilidade do setor de segurança da reclamada, e que somente após a fiscalização da ANVISA é que foi repassado aos trabalhadores instruções acerca do procedimento a ser adotado a fim de evitar novas advertências. Com base nesses fundamentos, requereu seja a reclamada compelida a anular as punições que lhe foram impostas.

Defendendo-se, a reclamada alegou que a função de controle do uso do cloro sempre foi de responsabilidade do reclamante, não lhe restando outra alternativa a não ser a de advertir disciplinarmente o reclamante por não ter observado e corrigido o nível de cloro recomendado na caixa d’água da embarcação Trevo Sudeste, vindo a resultar no Auto de Infração Sanitária expedida pela ANVISA, conforme documentação em anexo (vide fl. 28). Acrescentou, ainda, que os colaboradores da empresa sempre tiveram ciência de como deveriam proceder em relação ao uso do cloro, inclusive tendo recebido treinamento necessário, e que o reclamante também falta com a verdade quando diz que nunca havia recebido qualquer advertência, uma vez que já tinha recebido outra advertência quando faltou ao trabalho, injustificadamente, durante 3 dias.

A magistrada de primeiro grau, ao analisar o contexto probatório, conclui não ter havido qualquer excesso por parte da reclamada na aplicação da penalidade de advertência, motivo pelo qual indefere a postulação obreira.

Inconformado com a decisão insurge-se o reclamante, insistindo na tese de que não detém qualquer responsabilidade pelo tratamento da água potável da embarcação. Sustenta que nunca recebeu orientação sobre como proceder em relação ao uso do cloro junto às caixas de abastecimento de água das embarcações, que era de responsabilidade do setor de segurança da reclamada (SESMT), conforme consta no depoimento da testemunha João Pedro Lopes Ferreira, que acrescenta que o controle do cloro é feito por sistema de bombona de cloro, que deveria ser automático mas nem sempre funciona. Esclarece o recorrente que o abastecedor é o funcionário do SESMT competente para controlar a qualidade da água e inserir cloro na água sempre que necessário, enquanto o tripulante da embarcação apenas acompanha o abastecimento, preenchendo devidamente o livro de registro, o mesmo acontecendo em relação ao combustível e ao óleo. Por outro lado, argumenta que os documentos das fls. 30 e 38/43 não são suficientes para comprovar que ele recebeu o treinamento necessário e adequado para observar e corrigir o nível de cloro, apenas comprovam que foi ministrado curso de treinamento para o uso e preenchimento do livro de óleo e livro de registro de abastecimento de água, o que difere do tratamento da água e calibragem com cloro. Chama a atenção para o conteúdo do documento juntado na fl. 09, destacando ser o mesmo dirigido ao chefe de máquinas, cargo não ocupado por ele, que é condutor. Com base em tais fundamentos, requer a reforma da sentença a fim de que sejam anuladas as punições que lhe foram impostas.

Ao exame.

Registra-se inicialmente, que o reclamante foi contratado pela reclamada em 01.04.1998, exercendo atualmente a função de condutor motorista fluvial.

A julgadora de origem julgou correta a atitude da reclamada, acolhendo sua tese de que o condutor da embarcação é o responsável pelas atividades nela realizadas, e o reclamante, como tal, deveria fazer o controle do cloro presente na água consumida pela tripulação.

Contudo, o exame atento dos autos revela que a argumentação empresária não passa de retórica. Veja-se que não há qualquer prova no sentido de que o reclamante, efetivamente, fosse o responsável pela embarcação e tampouco pelo controle do cloro. Tem-se, nesse sentido, apenas a argumentação veiculada na defesa da reclamada e o depoimento de seu preposto, que merece ser transcrito: que a função do reclamante é condutor; que o condutor controla as atividades dentro da embarcação, ajuda a manter e organizar; que existe um setor de segurança do trabalho sesmt; que conhece Cibele, que é técnica de seguraça do trabalho; que o condutor é responsável pelo controle da água potável dentro da embarcação; que o sesmt serve para orientar os funcionários; que as embarcações fazem deslocamento de Porto Alegre a Rio Grande, e também para Taquari, Pelotas; que a reclamada possui uma filial em Rio Grande e um estaleiro em Taquari; que os condutores recebem treinamento para dosagem de cloro na água da embarcação, referindo, inclusive, que o treinamento estava atualizado; que o depoente não recorda quem ministrou este treinamento; que acredita que o último treinamento tenha sido em setembro deste ano; que o depoente não sabe como é feito o controle de cloro das embarcações, referindo que se trata de atividade específica do trabalhador da embarcação (vide fl. 59 – sublinha-se).

Já os documentos juntados pela recorrida nas fls. 30 e 38/43, conforme sustenta o autor em seu recurso, não se revelam suficientes para comprovar que ele recebeu o treinamento necessário e adequado para observar e corrigir o nível do cloro, apenas demonstram que ele foi treinado para preencher os livros de óleo e de registro de abastecimento de água. Note-se, a propósito, que os procedimentos de abastecimento descritos na fl. 42, não contêm qualquer instrução acerca de como corrigir o nível de cloro presente na água, apenas demonstram como realizar a medição. Neste aspecto, inclusive, é importante destacar o conteúdo do documento juntado pelo reclamante na fl. 09, que demonstra que as orientações sobre a forma correta de abastecimento de cloro eram passadas aos chefes de máquinas e folguistas, que deveriam repassá-las para o colega que fosse ficar responsável, não havendo qualquer prova no sentido de que tal colega seria o motorista condutor. Ressalta-se, por oportuno que o documento em questão não sofreu qualquer impugnação por parte da reclamada, sendo perfeitamente válido como meio de prova.

De ressaltar, ainda, que a reclamada, contrariamente ao afirmado em sua defesa (vide fl. 28), sequer traz aos autos o auto de infração sanitária expedido pela ANVISA, de forma a comprovar suas alegações.

Por outro lado, a única testemunha ouvida, trazida pelo reclamante, é taxativa ao afirmar que o responsável pelo controle da água é o SESMT e que o sistema utilizado deveria ser automático, mas nem sempre funciona: que trabalha na reclamada desde 2001, como contramestre fluvial; que por um período, em 2001, trabalhou na mesma embarcação que o reclamante; que o reclamante é condutor; que recebem treinamento do espaço confinado, citando como exemplo entrar dentro de porões; que o responsável pelo controle da água potável é o sesmt; que não há pessoa do sesmt que acompanha a embarcação em suas viagens; que o pessoal da segurança do trabalho trabalha em Porto Alegre, referindo o depoente que existe um rapaz deste setor que fica em Rio Grande; que as embarcações da reclamada se deslocam de Estrela até Rio Grande; que as embarcações vão até Estrela ou Taquari para serem carregadas ou são carregadas em Porto Alegre e depois deslocam-se para Rio Grande; que as embarcações ficam em média dois dias nas viagens; que o controle do cloro na água da embarcação é feito por sistema de bombona de cloro, que deveria ser automático, mas nem sempre funciona; que na embarcação existe um equipamento de medição de cloro, esclarecendo tratar-se de um dosador de picina e acrescenta que o pessoal do sesmt possui um aparelho dosador como o antes citado; que o pessoal do sesmt se preocupa com a dosagem do cloro apenas quando tem fiscalização da Anvisa (agendamento de visita); que o depoente está sempre atento à água, pois tem uma alergia, não sabendo dizer se é por cloro de mais ou cloro de menos; que a responsabilidade do condutor é apenas quanto ao controle do nível da água para pedir mais água quando estiver em falta; que os trabalhadores ficam embarcados de 12 a 13 dias, por quatro de folga; que nesse período raramente a água potável é fiscalizada (vide fl. 59 – sublinha-se). Segundo se extrai de tal depoimento, a responsabilidade do reclamante em relação à água era apenas quanto ao controle do seu nível, a fim de solicitar o reabastecimento, ficando a cargo do SESMT o controle do cloro presente nas bombonas.

Diante deste contexto, não há como se referendar a sentença de origem, impondo-se sua reforma para deferir o pedido obreiro, determinando-se à reclamada que seja anulada a pena de advertência aplicada ao reclamante, com a sua exclusão dos assentamentos e da ficha registro de empregado, no prazo de 10 dias, sob pena de pagamento de multa de 1/30 sobre o salário contratual por dia de atraso, limitada ao valor dado à causa, na inicial (R$ 21.000,00).

Recurso provido.

 

2. DOS HONORÁRIOS DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA.

Preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/70, a julgadora a quo deferiu ao reclamante o benefício da assistência judiciária gratuita (vide fl. 63).

Assim, considerando o provimento do recurso obreiro, cabível a condenação da reclamada ao pagamento de honorários advocatícios, face à sua sucumbência, os quais devem incidir no percentual de 15% sobre o valor dado à causa na inicial (R$ 21.000,00 – vide fl. 04), uma vez que a condenação diz respeito à obrigação de fazer.

Recurso provido.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário, para condenar a reclamada a anular a pena de advertência aplicada ao reclamante, excluindo o seu registro dos assentamentos funcionais e da ficha registro de empregado, no prazo de 10 dias, sob pena de pagamento de multa de 1/30 sobre o salário contratual do autor por dia de atraso, limitada ao valor dado à causa na inicial; e pagar ao reclamante honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor dado à causa na inicial.

Custas, fixadas na origem em R$ 420,00, revertidas para a reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 17 de agosto de 2011 (quarta-feira).

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

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