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PROCESSO: 0000800-86.2010.5.04.0019 RO

  

EMENTA

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. UNICIDADE CONTRATUAL. PRESCRIÇÃO. Hipótese em que correta a interpretação de que, afastada a incidência do art. 451 da CLT, quando da vigência dos 2 (dois) primeiros contratos estabelecidos entre as partes, é forçoso concluir que houve continuidade na prestação de trabalho, apenas com alterações pontuais e decorrentes da atividade desportiva, mantido o vínculo jurídico de emprego. Ainda, a extinção do instituto do "passe", de cunho escravagista e, tardiamente retirado da legislação trabalhista aplicável aos atletas profissionais de futebol, pretendeu dar maior liberdade aos trabalhadores deste meio, já suficientemente presos às agremiações desportivas, adaptando a legislação especial à ordem constitucional do livre exercício da profissão. Assim, não há incidência da prescrição, nos moldes pretendidos pelo Reclamado. Provimento negado. 

ACÓRDÃO

por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário do reclamado. 

RELATÓRIO

Inconformado com a Sentença das fls. 211/216 e 255/256 (Embargos de Declaração), recorre o Reclamado.

Apresenta Recurso Ordinário nas fls. 222/250 e 260/263 requerendo a reforma da decisão quanto à prescrição total, redução salarial, rescisão indireta, multa do art. 477 da CLT, FGTS, honorários assistenciais e reconvenção.

Com Contrarrazões do Reclamante nas fls. 269/277, vêm os autos para julgamento. 

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS:  

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO.

PRESCRIÇÃO TOTAL.

Afirma o Reclamado que a decisão recorrida reconhece que o Reclamante firmou 3 contratos a prazo determinado. Aponta que os 2 primeiros contratos foram rescindidos há mais de 2 anos contados da data de propositura da presente ação. Aduz que a legislação aplicável ao atleta profissional de futebol não permite reconhecer a existência de unicidade contratual. Transcreve doutrina. Faz breve arrazoado sobre a legislação. Colaciona jurisprudência. Assim, requer reforma para que seja declarada a incidência da prescrição total do direito de ação em relação aos contratos de trabalho cujo termo final ocorreu, respectivamente, em 31.12.2007 e 30.06.2008.

Examina-se.

O Reclamante firmou 3 contratos a prazo determinado com o Reclamado. O primeiro no período de 27.08.2007 a 31.12.2007 (fl. 64). O segundo ocorreu no período de 01.01.2008 até 30.06.2008 (fl. 85). Por fim, o último contrato foi de 01.07.2008 a 31.12.2008 (fl. 102).

Entende-se correta a Sentença de primeiro grau quanto à inexistência de prescrição total no que tange aos dois primeiros contratos.

O art. 30 da Lei n. 9.615/98 determina que "o contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos". Ainda, no seu parágrafo único, restou consignado que "não se aplica ao contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional o disposto nos arts. 445 e 451 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943".

Os artigos mencionados preconizam que "Art. 445 - O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, observada a regra do art. 451. Art. 451 - O contrato de trabalho por prazo determinado que, tácita ou expressamente, for prorrogado mais de uma vez passará a vigorar sem determinação de prazo".

Porém, o art. 451 foi incluído no parágrafo único do art. 30 da Lei n. 9.615/98 pela Lei n. 12.395/2011, restando que a redação original do artigo, no momento em que estavam vigentes os contratos de trabalho do Atleta com o Reclamado, possuía a seguinte redação: "Não se aplica ao contrato de trabalho do atleta profissional o disposto no art. 445 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT".

Desta forma, correta a interpretação de que, afastada a incidência do art. 451 da CLT, quando da vigência dos 2 primeiros contratos estabelecidos entre as partes, é forçoso concluir que houve continuidade na prestação de trabalho, apenas com alterações pontuais e decorrentes da atividade desportiva, sendo mantido o vínculo jurídico de emprego.

Ainda, a extinção do instituto do "passe", de cunho escravagista e, tardiamente retirado da legislação trabalhista aplicável aos atletas profissionais de futebol, pretendeu dar maior liberdade aos trabalhadores deste meio, já suficientemente presos às agremiações desportivas, adaptando a legislação especial à ordem constitucional do livre exercício da profissão.

Neste sentido, merece transcrição trecho da decisão recorrida: "Destarte, a fixação de termo aos contratos de jogadores de futebol, determinada pela lei em comento, tem por objetivo fixar prazo máximo para vigência dessas relações para garantir a liberdade profissional ao empregado. Assim, nada impede que, ao final de um contrato, o atleta firme novo ajuste com o mesmo clube, mantendo, neste caso, o vínculo empregatício anterior. Esse entendimento coaduna-se ao princípio da unicidade contratual, que orienta o Direito Laboral. Ante o exposto, a individualização dos três contratos a termo firmados entre as partes - considerada válida por não ser pretendida a conversão em contrato por prazo indeterminado, repiso - restringe-se às condições de trabalho ajustadas em cada período de um mesmo pacto laboral" - fl. 212.

Correta a decisão.

Provimento negado.

REDUÇÃO SALARIAL.

Sustenta o Recorrente que os documentos existentes nos autos comprovam que em 31.12.2007 foi rescindido o contrato de trabalho até então em vigor, sendo integralmente pagas ao Autor as parcelas devidas. Desta forma, não há qualquer irregularidade em fixar novo salário no contrato pactuado a seguir. As cláusulas fixadas em contratos distintos não se comunicam entre si. Requer reforma.

Examina-se.

Inicialmente, refere-se que a redução salarial ocorrida não decorre de nova pactuação, mas, conforme comprovam os documentos juntados, de redutibilidade salarial lesiva, porquanto teve como motivação lesão apresentada pelo Atleta.

O Contrato de Trabalho da fl. 64 consigna o salário de R$50.000,00. Da mesma forma, o Recibo de Pagamento de Salário da fl. 67 indica o mesmo valor pago a título de salário mensal. Porém, o comprovante da fl. 69 aponta o valor de R$25.000,00 como o efetivamente pago ao Reclamante.

Por fim, o Autor sequer conseguiu o deferimento do seu pedido de Auxílio-Doença, pela ausência de comprovação da qualidade de segurado (fl. 34).

A Constituição Federal, nos termos do inciso VI do artigo 7º, garante "Irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo".

Como se vê, a norma constitucional estabelece garantia ao trabalhador de não redução de seu salário, prevendo apenas uma possibilidade de redução salarial com amparo sindical, o que não é a hipótese dos autos.

Assim, a redução salarial ocorrida foi ilegal, afrontando o art. 468 da CLT.

Provimento negado.

RESCISÃO INDIRETA.

Alega o Reclamado que a prova dos autos demonstra que a rescisão antecipada decorreu de ato do próprio Reclamante, como veiculado na impressa na época. Transcreve notícias. Desde o dia 23.07.2008 o Reclamante não mais compareceu ao trabalho, limitando-se a encaminhar Atestado de Saúde Ocupacional, produzido de forma unilateral, que tratava de sua demissão. Requer reforma.

Examina-se.

A caracterização do abandono de emprego (art. 482, "i", da CLT), como pretende o Reclamado, e conforme a jurisprudência dominante, pressupõe a ausência injustificada ao trabalho, por mais de 30 dias, e a intenção do empregado de não retornar ao trabalho. A presunção é sempre pelo ordinário, que é a continuidade da relação de emprego. Ainda, tendo em vista os efeitos nefastos que essa espécie de ruptura contratual provoca, a justa causa deve ser comprovada de forma robusta, o que não ocorreu. O próprio Réu se contradiz, afirmando que houve pedido verbal de demissão e, após, modificando a tese para abandono de emprego.

Ao contrário, é a própria Reclamada quem descumpre a legislação. Determina o art. 31 da Lei n. 9.615/98, com a redação vigente na época, que "a entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos. §1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho. §2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias."

Primeiramente, destaca-se a ocorrência de redução salarial, conforme já analisado alhures. Ainda, a supressão de prêmios, reconhecida em Sentença, e sem recurso do Reclamado, no aspecto. Da mesma forma, quanto ao FGTS, houve pagamento irregular, consoante demonstrado nos autos.

Assim, deu causa o Reclamado à rescisão indireta reconhecida, porquanto houve claro e inequívoco desrespeito às obrigações contratuais, não merecendo qualquer reparo a Sentença recorrida, no aspecto.

Provimento negado.

MULTA DO ART. 477 DA CLT.

Aduz o Reclamado que o Autor manteve contratos a prazo determinado, hipótese em que não é devida a multa imposta. Transcreve jurisprudência. Requer reforma.

Examina-se.

Em relação à multa do artigo 477 da CLT, faz-se a seguinte análise.

Entende-se que é devida a referida multa, no presente caso. Isso porque as verbas decorrentes da rescisão indireta reconhecida incluem parcelas que foram pagas fora do prazo estabelecido em lei. É importante registrar que o Reclamante não pode ser prejudicado pela não concretização de seus direitos trabalhistas por parte do Reclamado.

Provimento negado.

FGTS.

Sustenta o Recorrente que a doutrina e a jurisprudência são pacíficas no sentido de que a multa de 40% sobre os depósitos de FGTS é devida somente nos contratos com prazo indeterminado, imotivadamente rescindidos por iniciativa do empregador. Requer reforma.

Examina-se.

Razão não assiste ao Reclamado.

Reconhecida a rescisão indireta, devida a multa de 40% sobre os depósitos de FGTS.

Provimento negado.

HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

Afirma o Reclamado que a Sentença reconhece expressamente que o Autor não está representado por advogado credenciado no sindicato de classe. Da mesma forma, o Autor recebe salário acima do teto previsto em lei. Ainda, a decisão acresceu à condenação o pagamento de 15% incidente sobre o valor estimado à reconvenção, o que também merece reforma.

Examina-se.

O Reclamante apresenta declaração de insuficiência de rendimentos na própria inicial (fl. 07) o que basta para o deferimento do benefício da assistência judiciária e condenação do Reclamado ao pagamento dos honorários advocatícios de assistência judiciária, nos termos da Lei n. 1.060/50, tanto na ação principal, quanto na reconvenção.

Entende-se que as restrições impostas pela Lei n. 5.584/70 encontram óbice no art. 133 da Constituição Federal, que reconhece em nível constitucional a imprescindibilidade do advogado, bem como nos artigos 5º, XIII, que veda, por atentatório à liberdade de atuação profissional a criação de "reservas de mercado" aos advogados ligados aos sindicatos, e do art. 5º, LV, já que está contido no direito à ampla defesa a possibilidade de escolha pelo litigante de advogado de sua confiança.

A propósito, transcreve-se a seguinte ementa: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO HIPOSSUFICIENTE NÃO ASSISTIDO POR SINDICATO. Demonstrada a hipossuficiência econômica, o regime da cidadania impõe (não só faculta) a concessão de gratuidade judicial (Lei nº 1.060, com posteriores alterações - 'Os poderes públicos CONCEDERÃO assistência judiciária aos necessitados, assim presumidos os que declaram essa condição' - arts. 1º e 4º, §1º), aí incluídos os honorários advocatícios, pois a Lei nº 5.584/70 não revogou o direito do cidadão, título anterior e sobreposto do homem antes de ser trabalhador" (TRT 22ª Reg. - Rel. Francisco Meton Marques de Lima) (LTR 59-9/1276).

Provimento negado.

RECONVENÇÃO.

Alega o Reclamado que havia interesse em contar com os serviços do atleta pela duração do contrato, tanto que foi estipulada multa para o caso de rescisão antecipada. Entende que o Reclamante descumpriu intencionalmente o pacto firmado, abandonando o clube sem qualquer aviso prévio ou justificativa. Assim, se alguém deu causa à rescisão contratual foi o Autor, fato que gera para o Reclamado o direito de cobrar cláusula penal prevista contratualmente, no valor de R$4.000.000,00. Faz breve arrazoado sobre o procedimento de transferência para outro clube. Requer reforma.

Examina-se.

Não procede o pleito do Reclamado.

Conforme já analisado em tópico anterior, foi reconhecida a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas pelo Recorrente.

Ainda, transcrevendo a decisão de primeiro grau, "resta comprovado pela prova documental carreada aos autos não ter o autor sido contratado por clube do exterior (fl. 189), bem como que a contratação dele por clube nacional ocorreu quase seis meses depois do seu desligamento da reclamada (fl. 156). Ademais, a pretensão da parte ré é obstaculizada pelo reconhecimento, neste julgado, da rescisão indireta do contrato por justa causa patronal" - fl. 215, verso.

Provimento negado.