EMENTA: EXTINÇÃO DA AÇÃO. SIMULAÇÃO Hipótese em que a análise de vários aspectos, acrescidas de pareceres do Ministério Público do Trabalho, levam à conclusão da existência de lide simulada, com o objetivo de resguardar o patrimônio das executadas perante credores do Juízo Cível. Resulta configurada a hipótese de colusão a qual alude o art. 129 do CPC, realidade que impõe observância da regra constante do art. 129 do CPC. Recurso do reclamante não provido. .

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, recebido como AGRAVO DE PETIÇÃO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara do Trabalho de Santa Cruz do Sul, sendo recorrente XXXXXXXXXXX e recorridos OLIVÉRIO A. RIBEIRO & CIA. LTDA., OLIMINAS MINERAÇÃO E PESQUISA LTDA. E RIEMPA EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA..

 

 Inconformado com a sentença das fls. 732 (frente e verso) e decisão de embargos de declaração da fl. 741, da lavra da Juíza do Trabalho Substituta Juliana Oliveira, o reclamante recorre.

Conforme razões das fls. 744/752, volta-se contra a decisão enquanto declarou extinta a execução e requer os benefícios da Assistência Judiciária Gratuita. Em síntese, aduz que o acordo homologado somente pode ser atacado através de ação rescisória e, assim, a arguição do Ministério Público atinente à lide simulada deveria ser feita através de tal ação e não da forma como foi processada e acolhida. Invoca o artigo 836 da CLT.

Com contraminuta das reclamadas às fls. 755/756, sobem os autos a este Tribunal.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE:

RETIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO.

Com base no princípio da fungibilidade recursal, na medida em que o processo está em fase de execução,  conhece-se do Recurso Ordinário interposto como Agravo de Petição.

Assim, determina-se a retificação da autuação para que no lugar de Recurso ordinário passe a constar Agravo de Petição.

 

MÉRITO.

EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. LIDE SIMULADA - COLUSÃO

O Juízo da origem acolhendo parecer do Ministério Público do Trabalho, concluiu que efetivamente “as reclamadas, em conluio com o reclamante, utilizam-se de processo simulado para burlar a constrição de seus bens nas execuções das quais são parte” e extingue o processo sem resolução do mérito, com fundamento no inciso IV do artigo 267 do CPC.

Inconformado, o agravante sustenta que a presente execução deriva de sentença homologatória de acordo com efeitos de coisa julgada. Cita a Súmula 259 do TST, salientado que somente através de ação rescisória pode ser atacado o ajuste. Acrescenta que por ocasião de sua intimação, o Ministério Público do Trabalho ainda tinha “cerca de 06 (seis) meses para promover a desconstituição do acordo judicial por ação rescisória”,  perante a qual deveria ser apurada a alegação de ocorrência de lide simulada feita pelo MPT.

Examina-se.

De início, veja-se que o exeqüente sequer ataca a alegação do Ministério Público do Trabalho a respeito da ocorrência de lide simulada. O recurso é exclusivamente voltado a atacar afronta a coisa julgada (acordo homologado) e a necessidade de ação rescisória para sua anulação e extinção da presente execução.

Neste aspecto não prospera o agravo de petição do exeqüente.  A declaração de extinção da ação não é dependente da proposição de uma ação rescisória. Em que pese à ação rescisória esteja compreendida na competência do Ministério Público, a hipótese não depende da ação rescisória porque está inserta na função do juiz, a teor das regras e princípios consagrados nos artigos 125 e seguintes do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária nesta Justiça Especializada.  Em que pese não explicitado na decisão agravada, trata-se de julgamento feito com fundamento no artigo 129 do CPC, norma aplicável também na fase de execução do processo e, portanto, que não exige proposição de ação rescisória. Assim, descabidos os argumentos do agravante de que somente por através de ação rescisória a execução pode ser extinta.

Nos termos do inciso III do artigo 125 do CPC, “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (...); III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça”, e o art. 129 também do CPC salienta que “Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que o autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes”.

Com relação à extinção propriamente dita, a conclusão exarada pela Julgadora da origem, no sentido de que “Resta evidenciado pelos fatos narrados no relatório que as reclamadas, em conluio com o reclamante, utilizam-se de processo simulado para burlar a constrição de seus bens nas execuções das quais são parte”  (fl. 732), encontra-se amparada no longo e minucioso levantamento do comportamento das partes no processo e em dados existentes dos autos, suficientes para um completo esclarecimento da situação.

Na manifestação das fls. 464/465, o Ministério Público do Trabalho já apontava para indícios de lide simulada. O fato de o acordo firmado pelas partes (R$ 600.000,00, fl. 280), ser muito superior ao valor atribuído à causa (R$ 50.000,00); e o fato da informação do Registro de Imóveis  noticiar que sobre os bens penhorados neste processo, já incide penhora em execução fiscal movida pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS (processo nº 024/1.03.0002927-0). Frente a tais indícios, o MPT solicitou várias diligências, as quais foram deferidas à fl. 468.

Realizadas as diligências, foi notificado o Ministério Público do Trabalho para se manifestar acerca de eventual ocorrência de lide simulada. Em resposta, o “parquet”  apresenta o parecer das fls. 710/714,  concluindo que “as circunstâncias fáticas estão a demonstrar que o autor foi empregado dos reclamados, na função de gerente comercial, por mais de trinta anos e que é de total confiança destes; que estes possuem dívidas de vulto que comprometem todo o patrimônio; que a ação visa tão somente buscar a transferência dos bens para fraudar credores, pelo que a extinção do feito, sem julgamento de mérito, na forma dos artigos 129 e 267, VI, do CPC, é medida que se impõe”. Em seu parecer salienta as questões que o levaram a tal conclusão, a saber:

-                          Os termos da petição inicial, na qual o reclamante sustenta a unicidade de vínculo de emprego ininterrupto desde 1972 e parcelas de todo o período de 2005, mais descaracterização da função, férias, comissões, pagamentos por fora, indenização em dobro até 1988 e FGTS a partir de então, em que pese todas as rescisões feitas tenham recebido homologação do sindicato de sua categoria.

-                          O reconhecimento, por acordo, da existência de insalubridade em grau máximo de todo o contrato, para a atividade de gerente comercial”.

-                          O fato que o autor teria trabalhado mais de trinta anos para o mesmo grupo econômico, tendo se aposentado no trabalho, conforme revelam às fls. 11 e seguintes, como gerente comercial, o que leva a supor tenha sido pessoa de grande confiança do empregador.

-                          O fato de todas as reclamadas terem como representante o Sr. Eduardo Radici Ribeiro, o qual representou o Grupo na audiência cuja ata está à fl. 280 e firmou o acordo para pagamento de R$ 600.000,00, em 150 parcelas de R$ 4.000,00 cada uma, com desconto de 20% em caso de pontualidade e cláusula penal de 25% sobre o saldo devedor, além do vencimento antecipado de todo o débito, em caso de mora numa parcela.

-                          O fato de o referido diretor presidente ter firmado acordo judicial de tal vulto e de tão dilatado prazo no dia 26 de julho de 2006, e em reunião especial realizada 48 horas após, ou seja, no dia 28 de julho de 2006, explanar para os membros da Diretoria, Sócios e Conselheiros “sobre a difícil situação financeira da empresa, o elevado endividamento financeiro, fiscal e trabalhista, herdado da anterior administração”, salientando que “a situação em que as empresas se encontram é de uma profunda crise financeira...”, conforme consta na ata da referida reunião juntada às fls. 546/547.

 

Na hipótese em exame, os fatos e circunstâncias levantados pelo Ministério Público do Trabalho efetivamente chamam atenção, principalmente se acrescermos os seguintes:

a)                Apesar de terem contestado articuladamente todos os pedidos expressos na petição inicial, as reclamadas ajustam o pagamento de R$ 600.000,00, em 150 de 4.000,00, valor mais de dez vezes superior ao valor dado à causa (R$ 50.000,00), o que não é condizente com a finalidade do acordo, o qual pressupõe a ocorrência de concessões mútuas.

b)                O ajuste prevê uma redução de 20% no valor da parcela no caso de pagamento com pontualidade e, em que pese isso, as reclamadas teriam pago somente seis parcelas, fazendo incidir uma cláusula penal de 25% que torna o saldo devedor superior ao valor originário, em que pesem os pagamentos parciais.

c)                O reclamante noticia o descumprimento do acordo nos termos da petição das fls. 284/285, referindo o pagamento de apenas 06 das 150 parcelas. Porém, curiosamente nada refere a respeito da pontualidade, tampouco apresenta os comprovantes de tais pagamentos.

d)                Após citadas por via postal na execução do acordo inadimplido, as reclamadas indicam à penhora 26 bens imóveis, atribuindo ao mais caro o valor de R$ 70.000,00 e, sendo que as respectivas matrículas registram em regra a existência de penhoras anteriores (fls. 298/402), e em relação a alguns imóveis até mesmo outros gravames (hipotecas e garantias de cédulas de crédito industrial). Mesmo diante desta realidade, o reclamante não se manifestou sobre a indicação, muito embora tenha sido instado a fazê-lo (fls. 404/405).

e)                 Feita a penhora e avaliação dos bens indicados, as reclamadas opõem “Embargos à Execução” (fls. 447/448), no qual se voltam contra a avaliação atribuída ao hectare. Em que pese o valor da execução e os gravames já existentes sobre os imóveis, o exequente instado a impugnar os embargos (fl. 456), não se manifesta.

f)                   Causa estranheza, mormente diante do elevado valor da execução, que no período de fevereiro/2008 a janeiro/2009 em que procedidas às diligências solicitadas pelo Ministério Público do Trabalho, o autor não tenha se manifestado espontaneamente nos autos.

g)                 Igualmente causa estranheza o fato de o autor, na resposta à notificação para se manifestar sobre o parecer do Ministério Público do Trabalho em que este opina pela extinção do processo, não sustentar a boa-fé do ajuste, tampouco argumentar contra as evidências de lide simulada, mas tão somente - tal como neste agravo - simplesmente sustentar a ocorrência de afronta a coisa julgada (acordo homologado) e a necessidade de ação rescisória para sua anulação do ajuste e extinção da presente execução.

h)                 O fato de nas cópias dos contratos sociais a das alterações de contratos sociais das empresas reclamadas, encaminhadas aos autos pela Junta Comercial em resposta à solicitação do Juízo de origem, constar a assinatura do reclamante na quase totalidade dos documentos como testemunha, o que reforça a tese do Ministério Público de o autor ser pessoa de extrema confiança das reclamadas.

 

Assim, no caso em exame, diante de todas as evidencias e aspectos supra salientados, principalmente àqueles levantados pelo Ministério Público do Trabalho, os quais repita-se não são refutados pelo agravante, tem-se configurado o caráter simulado da presente demanda. Fica claro que o objetivo da presente ação não é a satisfação de créditos trabalhistas, mas sim,  considerando que sobre os bens penhorados já havia penhoras anteriores levadas a efeito pela Justiça Comum, de utilização da presente reclamatória trabalhista para realizar simulação e, em razão da preferência do crédito trabalhista, inviabilizar as execuções cíveis e fiscal promovidas na Justiça Comum.

Registre-se que o fato de haver acordo homologado, com efeito de coisa julgada, não impede seja declarado o conluio e seja a intenção fraudulenta das partes obstada por decisão judicial. Antes disso, o compromisso com a boa-fé nas relações processuais e o fato de o conluio comprometer a existência mesma de uma verdadeira lide, impõe-se uma pronta atuação do juízo. Acresça-se que não havendo lide, na realidade, sequer é possível sustentar a existência de sentença juridicamente existente. Trata-se do que a doutrina denomina de “sentença nula ipso iure”, passível de ter sua ineficácia reconhecida, inclusive de ofício, pelo juiz.

Frente a esse contexto, ratifica-se a conclusão de existência de lide simulada entre as partes, com o objetivo de garantir a permanência dos bens envolvidos no patrimônio dos litigantes, em fraude a ações correntes na Justiça Comum, nos moldes do inciso III do artigo 125, do CPC, e do art. 129 também do CPC, supra transcritos. Por tais fundamentos, nega-se provimento ao agravo de petição.

 

2. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA.

O reclamante postula, na petição inicial, a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita por “estar passando por sérias dificuldades financeiras”  (fl. 10).

No presente recurso, reitera o pedido argumentando não possuir condições financeiras para arcar com as despesas processuais (fl. 752)

Não há nos autos declaração de pobreza firmada pelo autor.

De resto, não há condenação do autor ao pagamento de custas ou de qualquer outra despesa processual, restando sem objeto a pretensão como posta no recurso.

Nega-se provimento.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, à unanimidade de votos, conhecer do recurso interposto como Agravo de Petição, determinando a retificação da autuação para que no lugar de Recurso Ordinário passe a constar Agravo de Petição, e, por unanimidade de votos, negar provimento ao recurso.

Intimem-se.

Porto Alegre, 15 de setembro de 2010.

 

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

 

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