EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. DESPEDIDA. MOTIVAÇÃO. Estando a administração pública indireta vinculada aos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade e publicidade, não sendo ato discricionário a admissão de pessoal nas entidades de direito privado pertencente à administração indireta, entende-se, da mesma forma, não é ilimitado o direito potestativo de desligamento do empregado público.

BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Na ausência de normas coletivas prevendo piso normativo ou profissional, a base de cálculo do adicional de insalubridade deve ser o salário mínimo regional.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrente HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE e recorrido XXXXXXXXXXX.

 

Ajuizada a ação trabalhista em face do contrato apontado na petição inicial, no período de 08.11.2004 a 13.11.2007, foi proferida a Sentença às fls. 141/146, integrada pela Decisão de embargos declaratórios das fls. 154/155.

A reclamada interpôs recurso ordinário, às fls. 165/181, argüindo que a reclamante não se apresentou, ainda, para o trabalho, apesar da determinação para sua reintegração, devendo ser cassada tal ordem.  Requer, ainda, a reforma da sentença com relação a declaração de nulidade do ato de despedida e conseqüente reintegração, pagamento de salários e demais vantagens do período de afastamento, adicional de insalubridade e reflexos, honorários e concessão do benefício da assistência judiciária.

Contra-razões às fls. 191/197.

Subiram os autos a este Tribunal.    

A reclamada interpôs Ação Cautelar Inominada requerendo fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso ordinário quanto à determinação para reintegração da reclamante. Conforme despacho das fls. 242/242 (autos apensados), foi indeferido o pedido de liminar eis que não se vislumbrou o preenchimento do requisito de “fumus boni iuris”, sendo que pelo despacho da fl. 249 foi determinado o apensamento da Cautelar ao presente processo.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

1. da cassação da determinação para reintegração da reclamante.

Argüindo que a reclamante não se apresentou, ainda, para o trabalho, apesar da determinação para sua reintegração, postula a reclamada seja cassada tal ordem. 

Examina-se.

Veja-se que o presente recurso foi interposto em 04.05.2009. Em 13.05.2009, conforme consta do verso do Mandado de Reintegração juntado à fl. 190, houve a reintegração da reclamante.

Se verifica que a sentença foi proferida em 17.04.2009, com a determinação para expedição de mandado de reintegração, que foi expedido em 25.03.2009 (fl. 161), sendo foi enviada notificação diretamente à reclamante, conforme se verifica à fl. 160, para endereço onde a mesma não mais residia.

Em manifestação juntada às fls. 163/164, os representantes da reclamante informam que a mesma se comprometeu a apresentar-se ao Oficial de Justiça em 04.05.09 para cumprimento do mandado.

Conforme petição juntada à fl. 184, protocolada em 04.08.2009, a reclamante compareceu à Central de Mandados

Foi expedido novo Mandado, que foi cumprido dia 13.05.2009, conforme se verifica à fl. 190.

Assim, em que pese tenha havido demora no cumprimento da determinação de reintegração não há como cassar tal determinação eis que a demora se deve ao fato de ter havido tentativa de comunicação diretamente com a reclamante que não estava mais residindo no endereço anteriormente informado. Ademais, não se pode esperar que a parte fique em casa aguardando a solução do litígio.

Desta forma não há como dar provimento ao pedido.

Nega-se provimento.

 

2. EMPRESA PÚBLICA. MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO. NULIDADE DA DESPEDIDA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO.

A reclamada não se conforma com a decisão que entendeu nula a despedida da reclamante. Entende a recorrente que a despedida imotivada de empregado admitido por meio de concurso público, regido pelas normas da CLT, é legal, não havendo afronta aos princípios de direito administrativo, especificamente, o princípio da motivação. Refere que o dispositivo constitucional que sujeita as empresas públicas a proceder a seleção de pessoal por meio de concurso público, não estabelece qualquer formalidade para a demissão de seu quadro de pessoal. Transcreve jurisprudência do TST. Postula a reforma da decisão.

Examina-se.

Na inicial, a reclamante afirma ter sido admitida em 08.11.2004, por meio de processo seletivo e, injustamente despedida, em 13.11.2007. Refere ter sido enquadrada no cargo de auxiliar de enfermagem. Com base na natureza jurídica do Hospital demandado - Empresa Pública Federal, integrante da Administração Pública Indireta da União, pretende seja declarada a nulidade da dispensa imotivada operada, porque afrontam os princípios gerais de direito administrativo. Aduz que, se para a admissão lhe foi exigida a aprovação prévia em concurso público, nos moldes do disposto no inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e, portanto, o ato de demissão é ato administrativo vinculado, cuja eficácia se submete aos requisitos do “caput” do artigo 37 da Constituição Federal. Desta forma, porque não motivada a despedida, autêntico ato administrativo, postula a declaração de nulidade e conseqüente reintegração da reclamante ao emprego.

O hospital reclamado, na contestação, impugna a pretensão da reclamante, sob argumento de que a reclamante, empregada pública, regida pela CLT não tem garantida a estabilidade prevista na Constituição Federal. Refere, ainda, a sua condição de empresa pública com personalidade jurídica de direito privado, nos termos da Lei 5.604/70, sujeita ao regime jurídico das empresas privadas, com relação aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, em conformidade com o artigo 173, § 1º, II da Constituição Federal. Entende que a despedida é ato de gestão e não ato administrativo e por esse motivo, não há necessidade de observar qualquer formalidade para a demissão do quadro celetista. Transcreve jurisprudência que confortam a sua tese.

A decisão recorrida, considerando que “vedada a denúncia vazia do contrato de trabalho do autor, resulta nulo o ato da despedida. Assim, devida a reintegração no emprego, assim como os salários e demais vantagens, desde a despedida até a efetiva reintegração.

Incontroverso, in casu, que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre é uma empresa pública, e, portanto, sujeito aos princípios enumerados no caput do artigo 37 da Constituição da República. Incontroverso, ainda que a admissão da reclamante, em 08.11.2004, foi precedida por concurso público.

O entendimento defendido pelo Hospital reclamado está em consonância com o disposto na Súmula 390 do TST, que dispõe em seu item II: “Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988”.

Contudo necessário observar que apesar do entendimento acerca da inexistência de estabilidade ao empregado público de empresa pública, a discussão pertinente diz respeito a possível inexistência de motivação do ato da despedida, contrariando os princípios que regem a administração pública.

A recorrente é uma Empresa Pública Federal, criada pela Lei 5.604/70, integrante da Administração Pública Indireta da União, estando submetida, por força do disposto no art. 173, inciso II, § 1º, da Carta Magna, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. A prática dos atos de admissão e demissão não pode representar violação aos princípios que regem a Administração Pública. Não se pode considerar ato de gestão do administrador a nomeação e exoneração de empregados.

Nos termos do disposto no artigo 37 da Constituição Federal, o ato de admissão dos empregados é ato vinculado, submetido à prévia aprovação em concurso público. Não há lógica em entender que essa equiparação deu-se somente quanto ao ato de admissão, admitindo a demissão sem qualquer cautela ou motivação.

Desta forma, estando a administração pública indireta vinculada aos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade e publicidade, não sendo ato discricionário a admissão de pessoal nas entidades de direito privado pertencente à administração indireta, entende-se, da mesma forma, não é ilimitado o direito potestativo de desligamento do empregado público.

Assim, não se está a tratar de estabilidade, mas sim do respeito aos princípios administrativos previstos na Constituição aplicáveis à empresa pública federal e que vedam despedimentos arbitrários.

Importa ressaltar que a Orientação Jurisprudencial nº 247 da SDI-I do Egrégio TST foi alterada pela Resolução nº 143/2007, de 13.11.2007, passando a ter a seguinte redação:

247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

I - A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;

II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais (grifo atual).

A Orientação Jurisprudencial transcrita, apesar de condicionar a motivação do ato de despedida apenas à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, o faz com fundamento no fato de a ECT gozar do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais.

No caso do Hospital reclamado, também goza dos mesmos privilégios, entendendo-se, portanto, que a validade do ato da despedida também está condicionado à motivação.

Nesse sentido, o acórdão 00863-2003-005-04-00-8 RO, com a mesma reclamada - Hospital de Clínicas, da 1ª Turma deste Tribunal, tendo como relator o desembargador José Felipe Ledur cuja ementa se transcreve:

EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. NULIDADE DA DESPEDIDA. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. Se o empregado é admitido mediante concurso público obedecendo a princípio constitucional moralizador, quando do rompimento do liame deve ser atendida a motivação, por se tratar, a despedida efetuada por empresa pública, de típico ato administrativo, pena de abuso de poder. Reintegração que se determina, ante a nulidade da despedida não motivada. Recurso provido.

Relevante, ainda, o fato de que a motivação assegura o cidadão contra arbitrariedades da administração. Juarez Freitas, In Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à boa Administração Pública, Malheiros Ed., 07/2007, São Paulo, p. 47 refere: “Na era do direito administrativo da racionalidade aberta, o bom administrador público cumpre o dever de indicar, na prática dos atos vinculados e discricionários, os fundamentos de fato e de direito, em face da inafastável margem de apreciação, presente no mais vinculado dos atos. Imperativo, pois, que todos os atos administrativos, sobremodo se afetarem direitos, ostentem uma explícita justificação, em analogia com o que sucede com os atos jurisdicionais, excetuados os de mero expediente, os ordinatórios de feição interna e, ainda, aqueles que a Carta Constitucional admitir como de motivação dispensável”.

Sabe-se do recente Acórdão proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski, STF, (AG. REG. NO AI 651.512-7 RS), no sentido de que “as disposições constitucionais que regem os atos administrativos não podem ser invocadas para estender aos funcionários de sociedade de economia mista uma estabilidade aplicável somente aos servidores públicos”.

Contudo, a presente decisão não pretende estender aos empregados celetistas concursados os mesmos direitos aplicáveis aos servidores públicos. Veja-se que o servidor público é estável e para ser exonerado é necessário inquérito administrativo que o enquadre em um dos dispositivos passíveis de demissão, não sendo este o caso dos autos.

O que se pretende simplesmente, no caso, é que inexista despedida sem qualquer motivação para aqueles empregados de sociedades de economia mista, devidamente concursados. Nesse sentido, inclusive previsão na Convenção 158 da OIT (Parte II, Seção A).

Assim, não se acolhe a tese da defesa, quanto à possibilidade da despedida sem qualquer motivação, por se tratar o ato da despedida de típico ato administrativo.

Provimento negado.

 

3. DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO.

A sentença determinou o “pagamento de diferenças de adicional de insalubridade observado o salário base da autora, com repercussões em horas extras, 13º salários, férias com 1/3 e FGTS, este a ser recolhido”.

Contra tal decisão insurge-se a reclamada. Afirma que o adicional foi corretamente pago.

Examina-se.

A base de cálculo do adicional de insalubridade não deve ser o salário mínimo, por força do que dispõe o art. 7º, inc. IV, parte final, da Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal decidiu neste sentido, STF-RE- 236.396-5 MG - 1ª T - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Julg em 2.10.98 -DJU 2O.11.98. (Revista HS Editora, número 183 página 90). Igualmente nesta orientação foi decidido no RE 227.410-9, 1ª Turma, julgado em 7.12.99, Rel. Min. Moreira Alves, (“Direito do Trabalho no STF, volume 4, Georgenor de Souza Franco Filho, Editora LTr). Sendo assim, smj, após a Constituição Federal de 1988, o adicional de insalubridade não deve ser calculado sobre o salário mínimo.

Cumpre referir que sabe-se da revogação da Súmula 17 do TST, pela nova redação da súmula 228 do mesmo TST, a qual foi afastada em decisão do STF, adiante referida. No presente caso, vale recordar o Ac 00168.2006.002.04.00.0 Rel. Maria Helena Mallmann, julgado em 23 de julho de 2008, nesta 3ª Turma. Ali, estão lembradas decisões do STF contrárias à adoção do salário mínimo como base de cálculo, em razão do texto constitucional bem claro, art. 7º, inciso IV. Igualmente, está registrada a decisão do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, em 15 de julho de 2008, em Reclamação apresentada pela CNI. Nesta, o que se afasta é a utilização do salário básico, estabelecido na súmula 228 do TST.

Registre-se, por outro lado, que a Lei Complementar 103, de 14/07/00 autorizou a fixação do piso salarial estadual, instituído no Estado do Rio Grande do Sul mediante a edição da Lei nº 11.647, publicada no Diário Oficial do Estado de 16 de julho de 2001, valores atualizados anualmente (Leis 11787/02, 11903/03, 12099/04, 12283/05, 12509/06), excluindo de seu âmbito de incidência os empregados que têm piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo e aos servidores públicos municipais (art. 4º).

Em assim sendo, a legislação estadual está em conformidade com a CF/88, que prevê a possibilidade de instituição do piso regional em valor diferenciado do mínimo nacional.

Pelo exposto, não se pode utilizar a remuneração ou o salário base do reclamante como base de cálculo do adicional de insalubridade.

Nestes autos, inexiste norma coletiva com salário fixado. Ao julgador é exigida a solução do caso concreto, em conformidade como o artigo 126 do CPC. No caso, impõe-se, na falta de outro, utilizar o piso salarial, regional, previsto na Constituição Federal, artigo 7º, inciso V e Lei Complementar Federal 103, de 14 de julho de 2000. Nos termos da Lei Estadual, assim editada, par ao caso deve ser observado o previsto para a categoria dos empregados em estabelecimentos de serviços de saúde.

Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para determinar que a condenação ao pagamento de diferenças do adicional de insalubridade deve observar o piso salarial regional.

 

4. DA AÇÃO CAUTELAR.

Apensados aos presentes autos encontram-se os autos da Ação Cautelar nº 01811-2009-000-04-00-2, entre as mesmas partes, onde a reclamada, entendendo presentes os pressupostos da fumaça do bom direito e do perigo da demora, visa a suspensão da ordem para reintegração, imediata, da reclamante.

Considerada a manutenção da sentença que reconheceu a nulidade da despedida da reclamante, julga-se improcedente a Ação Cautelar, pois restam descaracterizados os pressupostos da aparência do bom direito e do perigo da demora.

 

5. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

A reclamada busca a reforma da sentença quanto à condenação ao pagamento dos honorários de assistência judiciária gratuita. Refere que o patrono da reclamante não possui credencial da categoria profissional do autor nos autos, bem como que a reclamante não comprova sua impossibilidade de arcar com as despesas e custas processuais.

O Juízo a quo condena o reclamado ao pagamento dos honorários de assistência judiciária equivalente a 15% sobre o valor da condenação, sob o fundamento de que a reclamante é pobre no sentido legal do termo, conforme declarado à fl. 05.

Examina-se.

Entende-se que são devidos os honorários ao seu procurador, na base de 15% do montante da condenação, sendo cabível a aplicação da Lei 1.060/50, que regula, em geral, a assistência judiciária gratuita, ainda que sem a juntada da credencial sindical. Medite-se que outra interpretação desta mesma Lei, com base na Lei 5.584/70, implicaria sustentar o monopólio sindical da defesa judicial dos trabalhadores, o que seria ineficiente para muitos trabalhadores.

Recorde-se, ainda, que ao Estado incumbe a prestação de assistência judiciária aos necessitados, nos termos do art. 5º, LXXIV da Constituição, motivo pelo qual não pode adotar o expresso em diversas manifestações jurisprudenciais do TST, valendo salientar que a Instrução Normativa 27 do mesmo já admite o cabimento de honorários para as demais ações, sobre relações de “trabalho”. Ademais, a Súmula 20 deste TRT no sentido do descabimento dos honorários buscados restou cancelada em Setembro de 2005.

Nega-se provimento.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para determinar que a condenação ao pagamento de diferenças de adicional de insalubridade deve observar o piso salarial regional previsto para a categoria dos empregados em estabelecimentos de serviços de saúde, bem como julgar improcedente a ação cautelar.

Valor da condenação mantido para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre,

 

 

DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA

Relator

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