Acórdão do processo 0000368-34.2010.5.04.0030 (RO)
Redator: LUIZ ALBERTO DE VARGAS 

Participam: RICARDO CARVALHO FRAGA, CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA

Data: 18/04/2012   Origem: 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

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Andamentos do processo


PROCESSO: 0000368-34.2010.5.04.0030 - RO

IDENTIFICAÇÃO

DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS

Órgão Julgador:  3ª Turma

 

Recorrente:  xxxxxxxxxxxxxxxxxxx  - Adv. Patrícia Hoffmann dos Santos

Recorrido:  CLARO S.A. - Adv. Danilo Andrade Maia, Adv. Paolo Lacorte 

Origem:  30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre

Prolator da

Sentença:  JUÍZA ADRIANA KUNRATH 
 

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. DOENÇA OCUPACIONAL. PERÍODO ESTABILIZATÓRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Hipótese em que o trabalho da reclamante na reclamada era de pressão e estresse excessivos, o que contribuiu para o desencadeamento da doença apresentada pela recorrente. Faz jus a reclamante à indenização pelo período estabilizatório, uma vez que reconhecida doença relacionada ao trabalho, estando a reclamante, à época da despedida, incapacitada para o trabalho. Provido o recurso da reclamante. 

ACÓRDÃO

por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso ordinário da reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de: indenização por danos morais no importe de R$10.000,000 (dez mil reais); indenização do período estabilizatório, com o pagamento dos salários do período, férias com 1/3, natalinas e FGTS; honorários assistenciais, à razão de 15% do valor bruto da condenação. Custas no valor de R$400,00, sobre o valor atribuído à condenação (R$20.000,00), pela reclamada. 

RELATÓRIO

Inconformada com a sentença lançada às fls. 283/288, recorre ordinariamente a reclamante. Investe contra o julgado quanto aos seguintes tópicos: doença ocupacional - indenização por danos morais; pensão vitalícia; indenização - período estabilizatório; honorários assistenciais (fls. 292/308).

Com contrarrazões da reclamada às fls. 312/314, sobem os autos ao Tribunal. 

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS:  

DOENÇA OCUPACIONAL. PERÍODO ESTABILIZATÓRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

A julgadora a quo indeferiu o pleito em epígrafe, sob o seguinte fundamento: "Assim, acolho o laudo pericial médico, e concluo pela inexistência de nexo entre a moléstia da autora e o trabalho desenvolvido em prol da reclamada, não havendo falar em responsabilidade do empregador, tampouco em pensionamento e indenização por danos morais."

A reclamante recorre. Sustenta que deve ser reconhecida a responsabilidade da reclamada, porquanto restou demonstrado que o trabalho contribuiu como concausa para a doença apresentada pela recorrente. Refere que exercia a função de atendente sênior responsável pela loja e a prova testemunhal comprovou que havia muita pressão no labor da recorrente, sendo que a doença foi desencadeada pela carga excessiva de trabalho. Aduz que os laudos médicos acostados aos autos, bem como as fichas de evolução hospitalares das internações psiquiátricas da recorrente remetem a causa do desencadeamento dos transtornos pelo trabalho na reclamada. Destaca que apesar de o perito ter concluído pela inexistência de nexo causal entre o transtorno da recorrente e o labor na reclamada, referiu que o estresse no trabalho pode ter desencadeado a doença psiquiátrica, existindo, portanto, concausa. Alega que não há estudo científico que comprove que o Transtorno Afetivo Bipolar se dê única e exclusivamente por uma questão hereditária, afirmando que não há casos deste tipo doença em sua família. Assevera que antes do labor na recorrida não fazia uso de qualquer medicação, tampouco realizava tratamento psiquiátrico, tendo trabalhado por longa data em outras empresas, provavelmente exposta a níveis de estresse normais, mas suportáveis ao ponto de não afetarem de tal forma sua saúde.Pretende seja declarada a responsabilidade da demandada quanto à sua doença, com a condenação da mesma ao pagamento de indenização do período estabilizatório, bem como ao pagamento de indenização por dano moral, porquanto comprovado o nexo de causalidade entre a doença apresentada e o labor na reclamada.

Examina-se.

Realizada a perícia médica (fls. 189/200), o perito concluiu que a reclamante apresenta quadro clínico compatível com CID 10 F31.3, Transtorno Afetivo Bipolar, episódio atual depressivo leve ou moderado, com perda temporária da capacidade laborativa estimada em 75%, segundo a tabela DPVAT. Concluiu, também, que não há relação de nexo causal entre a moléstia e o trabalho prestado na reclamada. Referiu que tal patologia tem origem genética/hereditária e não pode ser considerada doença ocupacional.

Nos esclarecimentos periciais (fls. 265/268), o perito admitiu a possibilidade de o trabalho ter atuado como elemento desencadeante da doença (concausa), condicionando-a, entretanto, à comprovação de que os serviços eram prestadas nas condições narradas pela autora durante a inspeção. Caso contrário, sustenta que o estresse no trabalho é apenas um sintoma da doença e a doença seria secundária a suas interpretações (fl. 267).

Admitida a possibilidade de o trabalho ter atuado como elemento desencadeante da doença (concausa), analisa-se a seguir a prova testemunhal produzida nos autos.

A testemunha da reclamante, ouvida à fl. 258, disse: "que trabalhou na reclamada de maio/2004 a março/2011; que a depoente era atendente de loja junior; que tem por tarefas atender clientes, recepcionar, vender planos, tarefas burocráticas; que trabalhou com a reclamante no BIG Alvorada e no Bourbon Ipiranga; que quando a depoente entrou a reclamante  já trabalhava no BIG Alvorada; que trabalhou com a reclamante no BIG Alvorada até a reclamante ser promovida a atendente senior, quando então a reclamante foi transferida para o Bourbon Ipiranga; que como atendente a depoente trabalhava em rodízio e por conta disso, era deslocada para trabalhar no Bourbon Ipiranga, referindo que isto ocorria em média duas vezes na semana e, por vezes, nos finais de semana, referindo em torno de um domingo por mês; que a reclamante tinha por atribuições as mesmas atividades que a depoente, além de arrumar vitrine, o estoque e outras questões burocráticas que não competiam à depoente como pendências, reposição de material de escritório, e outros; que na época em que trabalhavam no BIG Alvorada, a reclamante embora estivesse no cargo de atendente junior respondia pelo quiosque, fazendo às vezes de atendente senior; que é o atendente senior que responde pelo quiosque; que a reclamante era responsável pela escala de folgas, horários de almoço do pessoal do quiosque; que o horário contratual era de oito horas, mas dificilmente era cumprido e trabalhavam de dez a doze horas, referindo que eram apenas em três no BIG Alvorada; que o BIG abre das 09 às 22h; que na maioria das vezes a depoente trabalhava no mesmo horário da reclamante, referindo que a média de horas trabalhadas no BIG Alvorada era o mesmo para os três atendentes; que no Bourbon Ipiranga a depoente trabalhava menos referindo que trabalha de nove a dez horas no máximo; que nos domingos trabalhava das 13h30 até às 21h, pois tinham que fazer fechamento de caixa e recolher os aparelhos; que chegou a a trabalhar com a reclamante no quiosque do Bourbon Ipiranga, mas não sabe dizer o horário que a reclamante fazia lá, referindo apenas que muitas vezes quando chegava a reclamante já estava lá e nestas oportunidades a reclamante ia embora com ela, no final do dia; que nas datas festivas havia um horário a maior a ser feito; que o horário era registrado de forma manual em folha ponto pelo próprio empregado; que não registravam o horário real; que a depoente não sabe dizer ao certo quantos clientes atendia por dia, referindo apenas que eram muitos; que a reclamante se afastou do trabalho e ao que sabe foi por stress e isto foi divulgado pelo senior que assumiu o lugar da reclamante, de nome Aline; que quando começou  a trabalhar com a reclamante não notou nada de diferente na reclamante, ela trabalhava normalmente; que supervisor no BIG Alvorada era Frederico Marques e no Bourbon Ipiranga era Simone Barbacovi; que não sabe dizer se no BIG Alvorada se trabalhava mais que no Bourbon Ipiranga porque na Ipiranga a depoente apenas cobria horários; que a depoente não recebia corretamente as horas extras realizadas.".

A testemunha da reclamada, afirmou: "que trabalha na reclamada desde janeiro/2005, como atendente junior; que trabalhou com a reclamante por um ou dois dias quando esta era atendente senior do quiosque do Bourbon Country; que o atendente senior é o responsável pelo quiosque; refere que quem faz as escalas de folga são os gerentes, mas os seniors podem alterar estas escalas e faz a escala junto com o gerente; que as tarefas dos atendentes junior e senior são similares, mas o senior é quem distribui as tarefas e responde pelas questões burocráticas do quiosque; que inquirida pelo procurador da reclamada se a função do atendente senior tem muita pressão, a depoente diz que toda empresa que trabalha com vendas tem pressão e que no caso não é nada exagerado; que a depoente trabalha de oito a nove horas por dia; que espontaneamente diz que por ocasião das datas festivas é questionado ao pessoal se podem fazer horas extras, porque o movimento é maior; que a depoente trabalhou nos quiosques do Iguatemi e do Country; que no Iguatemi a depoente fazia um pouco mais de horas extras, referindo que trabalhava no máximo dez horas; que as horas extras eram devidamente registradas e pagas; que ficou sabendo que a reclamante foi afastada do trabalho por problemas de depressão;  inquirida pelo procurador da reclamada a depoente diz que não conhece bem a reclamante, mas que os comentários que foram feitos é que a reclamante teria desencadeado a depressão na época da Claro por se sentir pressionada, referindo também que comentavam que ela tinha problemas anteriores; que estes eram os comentários entre os colegas que conheciam a reclamante melhor; que não recorda quanto tempo a reclamante ficou afastada; que ao que recorda a reclamante foi afastada, voltou a trabalhar e nesta oportunidade a depoente trabalhou com ela por um ou dois dias no Country e depois disso a reclamante foi novamente afastada; que não tem conhecimento se a reclamante retornou após isto; que nos dias em que trabalharam juntas a depoente sentiu que a reclamante estava normal; que os comentários antes referidos partiram de Márcio Lencina, que a depoente diz ser bem conhecido da reclamante; que não recorda ao certo a data  em que trabalhou com a reclamante, referindo que a depoente trabalhou no Country de 2007 a agosto/2010." (verso da fl. 258).

A prova testemunhal demonstrou que a reclamante estava submetida a uma jornada de trabalho extensa (de dez a doze horas por dia) e que nas datas festivas trabalhava ainda mais. A primeira testemunha afirmou que a reclamante se afastou do trabalho e ao que sabe foi por stress e isto foi divulgado pelo senior que assumiu o lugar da reclamante. Já a testemunha da reclamada confirmou que toda empresa que trabalha com vendas tem pressão e que ficou sabendo que a reclamante foi afastada do trabalho por problemas de depressão, bem assim que os comentários que foram feitos é que a reclamante teria desencadeado a depressão na época da Claro por se sentir pressionada.

No caso em estudo, admite-se que o labor da reclamante na reclamada era de pressão e estresse excessivos, trabalhando diariamente de dez a doze horas, e, assim, contribuindo para o desencadeamento da doença apresentada pela recorrente. Os documentos juntados com a petição inicial atestam os inúmeros afastamentos da autora em razão do tratamento médico psiquiátrico. Já o atestado da fl. 262 dá conta que o quadro clínico da autora está associado, dentre outros fatores, a situação psíquica de natureza ocupacional, constando que "foi a partir de fatores estressores laborativos que houve o desencadeamento do transtorno" e recomendando o afastamento das atividades laborais por 180 (cento e oitenta) dias.

Desse modo, diverge-se da sentença, entendendo-se pela existência de nexo causal entre a moléstia da autora e o trabalho desenvolvido em prol da reclamada.

No que diz respeito à garantia no emprego, faz jus a reclamante à indenização pelo período estabilizatório, uma vez que reconhecida a doença relacionada ao trabalho, estando a reclamante, à época da despedida, incapacitada para o trabalho. Cumpre destacar que é fato incontroverso que a reclamante esteve em benefício previdenciário pelo período compreendido entre 05.04.2006 e 30.09.2008.

Dá-se provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$10.000,000 (dez mil reais), bem assim ao pagamento de indenização do período estabilizatório, com o pagamento dos salários do período, férias com 1/3, natalinas e FGTS.

PENSÃO VITALÍCIA.

A reclamante objetiva o pagamento de pensão vitalícia na proporção da redução da sua capacidade laborativa.

Sem razão.

Indefere-se o pleito em comento, porquanto o laudo é conclusivo no sentido de que a incapacidade laborativa da autora é temporária (fl. 195).

Nega-se provimento.

HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS.

A reclamante apresenta declaração de insuficiência de rendimentos (fl. 15) o que basta para o deferimento do benefício da assistência judiciária e condenação da reclamada ao pagamento dos honorários advocatícios de assistência judiciária, nos termos da Lei 1060/50.

Entende-se que as restrições impostas pela Lei nº 5.584/70 encontram óbice no art. 133 da Constituição Federal, que reconhece em nível constitucional a imprescindibilidade do advogado, bem como nos artigos 5º, XIII, que veda, por atentatório à liberdade de atuação profissional a criação de "reservas de mercado" aos advogados ligados aos sindicatos, e do art. 5º, LV, já que está contido no direito à ampla defesa a possibilidade de escolha pelo litigante de advogado de sua confiança.

A propósito, transcreve-se a seguinte ementa: "HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS AO HIPOSSUFICIENTE NÃO ASSISTIDO POR SINDICATO. Demonstrada a hipossuficiência econômica, o regime da cidadania impõe (não só faculta) a concessão de gratuidade judicial (Lei nº 1.060, com posteriores alterações - 'Os poderes públicos CONCEDERÃO assistência judiciária aos necessitados, assim presumidos os que declaram essa condição' - arts. 1º e 4º, §1º), aí incluídos os honorários advocatícios, pois a Lei nº 5.584/70 não revogou o direito do cidadão, título anterior e sobreposto do homem antes de ser trabalhador" (TRT 22ª Reg. - Rel. Francisco Meton Marques de Lima) (LTR 59-9/1276).

Dá-se provimento ao recurso para condenar a reclamada ao pagamento de honorários assistenciais, à razão de 15% do valor bruto da condenação. 
 

DT.