EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. Hipótese em que se reconhece o vínculo de emprego, uma vez que caracterizada a prestação de serviços pelo reclamante à reclamada, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, estando presentes os requisitos da subordinação, não eventualidade, onerosidade e pessoalidade. Recurso ordinário da reclamada desprovido.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Carazinho, sendo recorrentes XXXXXXXXXXXXX E PERFER INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. e recorridos OS MESMOS.

 

O reclamante e a reclamada interpõem recurso ordinário contra a sentença prolatada pela Exma. Juíza do Trabalho Rubiane Solange Gassen Assis, que julgou parcialmente procedente a demanda (fls. 269/282 e 303/304).

O reclamante busca a reforma da decisão quanto à remuneração e aos honorários advocatícios (fls. 294/301).

A reclamada se insurge quanto aos seguintes aspectos: ilegitimidade passiva, nulidade da decisão por negativa de prestação jurisdicional, vínculo empregatício, aviso prévio, 13º salário, férias com 1/3, salários dos últimos 3 meses, quilômetros rodados, FGTS com 40% e multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT (fls. 307/327).

Depósito recursal e custas processuais nas fls. 328 e 329, respectivamente.

Com contrarrazões (fls. 334/341 e 343/347), sobem os autos a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

PRELIMINARMENTE.

1. DA RENUMERAÇÃO DO FEITO.

Determina-se a renumeração dos presentes autos a partir da fl. 334.

 

2. NÃO CONHECIMENTO DAS CONTRARRAZÕES DO RECLAMANTE.

Consoante certificado na fl. 348, as contrarrazões do reclamante não merecem conhecimento, diante da sua intempestividade.

Verifica-se que a intimação do reclamante para apresentar contrarrazões ao recurso ordinário da reclamada foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho em 06/05/2010 (quinta-feira), segundo a certidão da fl. 332, considerando-se publicada no primeiro dia útil seguinte, 07/05/2010 (sexta-feira).

Dessa forma, o prazo de 8 dias teve início em 10/05/2010 (segunda-feira) e encerrou-se em 17/05/2010 (segunda-feira). Entretanto, o reclamante apresentou suas contrarrazões apenas no dia 21/05/2010 (sexta-feira), sendo evidente a intempestividade da peça.

Portanto, deixa-se de conhecer das contrarrazões do reclamante, por intempestivas.

 

MÉRITO.

Inverte-se a ordem de análise dos recursos, passando-se a examinar por primeiro o recurso ordinário da reclamada, tendo em vista o caráter prejudicial da matéria.

I – RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.

1. ILEGITIMIDADE PASSIVA.

Inconformada com a decisão que rejeitou a preliminar, a reclamada renova a arguição de ilegitimidade passiva, sustentando que manteve com o reclamante uma relação comercial de compra e venda de sucata, afastando a existência de vínculo empregatício. Afirma que o reclamante possui depósito de sucata próprio, corroborando a sua tese. Argumenta que, conforme declaração juntada aos autos, no período do alegado vínculo de emprego, o reclamante também realizou comercialização de sucata de ferro, através de sua empresa, para a “Empresa Ferrovelho Cedrinho”, a demonstrar que a relação havida entre as partes é de cunho meramente comercial.

Analisa-se.

De acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário, a ilegitimidade de parte ocorre quando não houver coincidência entre os sujeitos do conflito de interesses e os da relação processual. Não é o que se vislumbra na hipótese dos autos, em que o reclamante pretende justamente o reconhecimento de vínculo empregatício com a reclamada, com o consequente deferimento dos créditos trabalhistas decorrentes da relação de emprego alegada. Salienta-se que as alegações formuladas pelo reclamante relativamente à ilegitimidade passiva confundem-se com o mérito da demanda e como tal serão analisadas.

Nega-se provimento.

 

2. NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.

A reclamada argúi a nulidade da decisão por negativa de prestação jurisdicional, sustentando que, embora tenha utilizado os embargos declaratórios para ver sanadas as omissões e contradições apontadas, não obteve pronunciamento jurisdicional, especificamente no tocante ao fato de a “sentença ter afirmado que a recorrente teria admitido a prestação de serviço pelo recorrido, fato esse negado pela recorrente nos autos” (fl. 311). Afirma que o Juízo de origem negou-se a apreciar as questões suscitadas, ao fundamento de que não há contradição, o que caracteriza violação dos artigos 5º, incisos LIV e LV, e 93, ambos da CF, bem como do art. 832 da CLT. Postula seja declarada nula a decisão, com o retorno dos autos à origem para pronunciamento sobre a omissão e a contradição referidas.

Analisa-se.

No caso em apreço, não há constatação de fundamentação insuficiente a ponto de ensejar a nulidade da decisão.

Na realidade, insurge-se a reclamada contra o fato de o Juízo de origem ter considerado admitida a prestação de serviços na defesa, conforme consta na sentença (fl. 270 – verso). A questão foi suscitada em embargos declaratórios, nos quais a reclamada assevera não ter admitido a prestação de serviços pelo reclamante, mas tão-somente a relação comercial (fls. 287/293). Os embargos foram rejeitados, no particular, considerando a Julgadora de origem não haver omissão, obscuridade ou contradição na decisão recorrida (fls. 303/304).

Como se verifica, a sentença está devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, inciso IX, da CF, na medida em que expostos os motivos fáticos e jurídicos que conduziram a Magistrada a concluir pela existência de vínculo de emprego. Sendo assim, não há falar em violação do art. 5º, incisos LIV e LV, da CF e do art. 832 da CLT.

Salienta-se que o fato de o Julgador decidir contrariamente aos interesses da parte não significa negativa de prestação jurisdicional, uma vez que houve pronunciamento sobre as questões postas pelas partes. Eventual equívoco na decisão recorrida diz respeito ao mérito, passando-se a analisar a seguir a inconformidade da reclamada quanto ao vínculo de emprego reconhecido.

Portanto, nega-se provimento ao recurso.

 

3. VÍNCULO EMPREGATÍCIO.

O Juízo de origem reconheceu o vínculo de emprego entre o reclamante e a reclamada, no período de 20/06/2006 a 19/01/2008 (pelo cômputo do aviso prévio), na função de agente comprador de sucatas, com salário correspondente a R$ 0,02 por quilo de sucata comprado.

Inconformada, a reclamada sustenta que manteve com o reclamante relação comercial de compra e venda de sucatas de ferro, uma vez que não restaram comprovados os pressupostos para o reconhecimento de vínculo empregatício. Argumenta que houve confissão do reclamante no sentido de que não era subordinado à recorrente e que efetuava a venda de sucata a outras empresas, comandando a sua jornada de trabalho e os clientes a serem visitados, com a posterior revenda de produtos à reclamada. Assim, conclui que inexistiu subordinação entre as partes, afastando a relação de emprego. Assevera a ausência de exclusividade, referindo que o reclamante, no período do alegado vínculo empregatício, também realizava a comercialização de sucatas de ferro para a empresa “Ferrovelho Cedrinho”. Argumenta não ter admitido a prestação de serviços. Afirma que o reclamante admite, em depoimento pessoal, que no período anterior à abertura de seu depósito (o que ocorreu em 2008), ou seja, nos anos de 2006 e 2007, fazia compras de sucatas em outros estabelecimentos sucateiros, repassando material para outras empresas. Tece considerações sobre a prova testemunhal e defende ter sido comprovado que a relação havida foi comercial e não empregatícia, sendo o reclamante comerciante na região de Carazinho, realizando a compra e venda de sucata de ferro com várias empresas.

Analisa-se.

O contrato de trabalho decorre da conjunção do disposto nos artigos 2º e 3º da CLT. Nesse contexto, o empregador é quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. Já o empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Na petição inicial, o reclamante alega ter trabalhado para a reclamada de 20/01/2006 a 20/12/2007, quando foi despedido sem justa causa, sem anotação na CTPS. Afirma que a função desempenhada “consistia em visitar depósitos de sucata para após análise do material e negociação do preço, comprar sucatas de ferro e embarcá-las para a sede da Reclamada que posteriormente as encaminhava para siderúrgicas e fundições”, em diversas cidades da região. Discorre sobre a jornada de trabalho cumprida e afirma que deveria comparecer mensalmente na sede da reclamada, sempre recebendo ordens dos senhores Edorildo Bernardes e Marcos Bernardes, por meio de telefones celulares ou do telefone fixo da empresa. Assevera que recebia R$ 3.000,00 mensais a título de salário, mais R$ 0,02 por quilo de sucata comprada, garantindo renda de R$ 6.000,00 mensais (fls. 02/03).

Na defesa, a reclamada nega o vínculo de emprego com o reclamante, pela ausência dos requisitos previstos na CLT, alegando que a relação mantida com o autor teve natureza comercial, consistente na compra e venda de sucata (fls. 88/96).

Consoante a decisão recorrida, verifica-se que, na defesa apresentada, a reclamada não nega que as atividades relatadas na petição inicial tenham sido realizadas pelo reclamante. Pelo contrário, reconhece a relação mantida, embora tenha alegado que possui natureza comercial.

Admitida a prestação de serviços, a reclamada atraiu para si o ônus da prova quanto à alegada inexistência de vínculo empregatício, encargo do qual não se desincumbiu a contento, como decorre da análise da prova testemunhal e documental presente nos autos, que demonstra a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego – subordinação, não eventualidade, onerosidade e pessoalidade.

Passa-se a transcrever trechos do depoimento da primeira testemunha do reclamante, Fernando Chapuis dos Santos, no que interessa:

 

“que entre 2006 a 2008 o depoente fazia entrega de sucatas para a reclamada; que o depoente possui depósito de sucatas há 6 anos; que o reclamante e o Sr. Edorildo compareciam ao estabelecimento do depoente; que o reclamante trabalhava para a reclamada, era representante desta; que o reclamante providenciava as notas que vinham de Gravataí; [...] que o ajuste quanto a valores era feito com o reclamante; que o reclamante fazia ‘tudo pelo velho’, referindo-se ao proprietário da reclamada; que na época era apenas o reclamante que trabalhava nessa atividade, em favor da reclamada; que o reclamante trabalhava apenas para a reclamada não tendo vínculo com qualquer outra empresa; [...] que o reclamante tem depósito próprio, não sabendo o depoente especificar desde que data, afirmando ter sido após a saída da reclamada e há pouco tempo; [...] que as negociações havidas entre a reclamada e o depoente ocorriam em média duas vezes num mês; que o proprietário da empresa comparecia ao estabelecimento do depoente no máximo em uma oportunidade mensal para acompanhar a negociação e o carregamento; que o produto era classificado pelo reclamante; que o depoente recebia pagamento pelas mercadorias comercializadas em dinheiro, cujo montante era alcançado pelo reclamante; que o reclamante geralmente comparecia ao estabelecimento do depoente usando camiseta da reclamada; que acrescenta espontaneamente que ‘até eu tenho’ camiseta da empresa ré, porque ganhei de brinde, alcançada pelo reclamante; que o depoente recebia agenda e canetas da demandada, as quais eram entregues pelo reclamante; que após ter saído da reclamada, o reclamante passou a comercializar produtos para a empresa Ferrovelho Cedrinho; que pelo viu o depoente, tal comercilização não ocorreu no período em que o reclamante realizava atividades para a reclamada, pois o reclamante e o proprietário desta eram muito amigos; que o depoente mantinha contato com a reclamada somente quando o sócio Edorildo comparecia no local ou o reclamante” (fl. 263).

 

A segunda testemunha do reclamante, Karlos Adriano de Oliveira, traz as seguintes declarações:

 

“que em 2006 a 2007 o reclamante comparecia na empresa do depoente para fazer compra de sucata de ferro; que acredita que nesse período, o reclamante compareceu por 8 vezes ao estabelecimento do depoente para aquisição de material; que o reclamante dizia que a aquisição estava sendo feita para a reclamada, de Gravataí; que questionado sobre como era a fixação do preço do material adquirido, afirma que vinha uma carreta da empresa Rodomar, era feito o carregamento e a pesagem e o reclamante fazia o pagamento em dinheiro; [...] que em uma oportunidade de negociação de material em favor da reclamada, o sócio Eldorido acompanhou o carregamento; [...] que o depoente recebeu um boné, uma camiseta, uma calendário e uma agenda com o logotipo da reclamada no final de 2006, alcançados pelo reclamante; que o reclamante usava camiseta e boné da reclamada, desde a primeira oportunidade em que compareceu ao estabelecimento do depoente dizendo ser comprador de sucatas desta empresa; [...] que o depoente acredita que o reclamante representava a reclamada, tendo vindo ao local na companhia do proprietário desta e seguido o carregamento também na companhia deste (fls. 263/264).

 

a respeito da relação havida entre as partes, a primeira testemunha da reclamada, Ironi Daltro da Silva, declara o seguinte:

 

“que o depoente mantém relação comercial com a reclamada desde 2003; que o depoente tem um depósito de sucatas desde 1999; que de 2003 a 2004 o depoente entregava sucatas diretamente para a reclamada; [...] que o depoente tratava com o Sr. Eldorido a respeito da comercialização, bem como com Sr. Rafael e Sr. Marcos Bernardes, filho do Sr. Eldorido; [...] que no período de 2006 a 2007 as negociações com a demandada eram raras, pois nesse período a negociação era realizada com o reclamante; que o depoente sabe que o reclamante comprava sucata e repassava para a reclamada; que pelo que sabe não havia outra pessoa que realizasse essa atividade em Carazinho pela reclamada; [...] que acredita que o reclamante possui depósito de sucata desde 2004/2005; que sabe informar tal fato por passar na rua e ver o reclamante no local; que não sabe a espécie de contratação efetuada entre o reclamante e a demandada, dizendo saber que o reclamante é comprador de sucatas assim como o depoente fazendo repasse desse material para essas empresas; [...] que o depoente recebia apenas o valor da mercadoria comercializada da reclamada; [...] que a nota expedida pelo depoente era em favor da demandada, não sabendo este qual era a destinação posterior do material (fls. 264/265).

 

Por fim, a segunda testemunha da reclamada, Julio Cesar de Mattos, informa o que segue:

 

“que conhece o reclamante desde 2005/2006, quando esse compareceu ao comércio de sucatas do depoente; que vendeu sucata por uma ou duas vezes para o reclamante; que o reclamante dizia ao depoente o material seria encaminhado para uma empresa de Santa Rosa; que o depoente comercializa com a empresa reclamada desde 2004; que no período de 2006 a 2007 o depoente vendia mensalmente material para a reclamada; que o depoente mantinha contato com o proprietário da reclamada, Sr. Edorildo, via de regra por telefone; que questionado sobre se nesse período manteve contato com o reclamante afirma ter sido nesses anos de 2006 e 2007 que vendeu sucatas para o reclamante por duas ou três vezes; [...] que quando o reclamante compareceu no estabelecimento do depoente, aproximadamente 2005, o reclamante afirmou possuir depósito próprio; que o depoente sempre negociou diretamente com o Sr. Edorildo quando teve relação comercial com a reclamada (fl. 266).

 

Como já referido, desse contexto probatório, extraem-se os elementos caracterizadores da relação de emprego, não logrando a reclamada desconstituir a presunção de que a prestação de serviços pelo reclamante ocorreu na forma de vínculo empregatício.

É incontroverso que o reclamante recebeu pagamentos da reclamada pela realização de compra e venda de sucatas, conforme demonstram os extratos da conta bancária do reclamante (fls. 09/40), embora tenha sido negado que tais pagamentos tivessem natureza de salário. O fato de terem sido emitidas notas fiscais (fls. 71/73 e 104/137) não é suficiente para descaracterizar o vínculo de emprego, estando evidente, portanto, a onerosidade da relação havida.

Reputa-se presente, outrossim, a pessoalidade. A prova testemunhal demonstra que, no período de 2006 e 2007, as negociações de sucata com a reclamada, quando não realizadas diretamente pelos sócios da empresa, eram efetuadas somente por intermédio do reclamante, não havendo qualquer indício de que este pudesse se fazer substituir por outro trabalhador.

Em relação à subordinação, também não resta dúvida. Depreende-se da prova testemunhal que o reclamante atuava em nome da reclamada, realizando operações de compra de sucatas de outras empresas, às vezes sendo acompanhado pelo proprietário da recorrente. Além disso, comparecia às empresas de comércio de sucatas vestindo camiseta e boné da reclamada, bem como distribuía brindes da empresa, o que denota que se pautava de acordo com as determinações da ré, como verdadeiro representante da empresa.

Da mesma forma, é inequívoca a não eventualidade, porque demonstrada a continuidade da prestação de serviços pelo reclamante em prol da reclamada durante o período do alegado vínculo de emprego. Soma-se a isso que os serviços de compra e venda de sucatas, realizados pelo reclamante, estão diretamente ligados à atividade-fim da empresa, pois inseridos como habituais e necessários à consecução dos objetivos sociais da ré (“indústria, comércio, transportes rodoviários, importação, exportação e beneficiamento de produtos metalúrgicos” – fl. 80).

Em atenção às teses recursais, rechaça-se a alegação da reclamada quanto à ausência de controles de horário, por se tratar de circunstância que não é indispensável à configuração do vínculo de emprego.

O mesmo se pode afirmar no tocante à ausência de exclusividade, uma vez que tal característica não é requisito para caracterização do vínculo de natureza empregatícia. Assim, é irrelevante o fato de que o reclamante possuísse depósito próprio. Quanto à realização de compra e venda de sucatas para outras empresas, não restou cabalmente comprovado nos autos, no que diz respeito ao período do vínculo com a reclamada (2006/2007). Frisa-se, nesse ponto, que o ofício encaminhado pela Receita Estadual de Carazinho (fls. 158/195) indica não terem sido emitidas notas fiscais pelo reclamante a empresas diversas no período de 2006/2007, embora isso tenha ocorrido nos períodos anterior e posterior ao vínculo de emprego reconhecido.

A situação retratada nos presentes autos, portanto, caracteriza o vínculo de natureza empregatícia, em face da ocorrência de trabalho nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT. Em consequência, impõe-se a manutenção da sentença que reconheceu o vínculo de emprego.

Nega-se provimento.

 

 

 

4. AVISO PRÉVIO, 13º SALÁRIO E FÉRIAS COM 1/3.

A reclamada não se conforma com a condenação ao pagamento de aviso prévio, 13ºs salários e férias com acréscimo de 1/3. Sustenta que “tendo em vista a inexistência de vínculo empregatício entre as partes, não há a obrigação da recorrente no pagamento das referidas verbas” (fl. 323).

Analisa-se.

Mantida a sentença quanto ao reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, permanece a obrigação da reclamada no tocante ao pagamento das verbas em epígrafe, as quais decorrem de imposição legal, não havendo a comprovação de seu adimplemento regular.

Nega-se provimento.

 

5. SALÁRIOS DOS ÚLTIMOS 3 MESES.

Insurge-se a reclamada contra a decisão no tocante ao deferimento de comissões correspondentes a duas cargas de sucata, sendo uma de 25.000 kg e outra de 26.000 kg, observado o valor ajustado de R$ 0,02 por quilo de sucata. Sustenta que não possuía vínculo de emprego com o reclamante, razão pela qual jamais efetuou o pagamento de comissão, não podendo ser responsabilizada pela suposta falta de pagamento de comissões.

Analisa-se.

A pretensão de reforma da sentença neste tópico tem como fundamento único a alegação da ausência de vínculo de emprego. Nos termos do item 3 da presente decisão, mantém-se a sentença que reconheceu o vínculo empregatício, devendo ser observada a forma de remuneração fixada pelo Juízo de origem, correspondente a R$ 0,02 por quilo de sucata, que não foi objeto de recurso.

Assim, não comprovado o volume de sucata comercializado nos últimos meses do contrato de trabalho, ônus que, como bem referiu a Magistrada, cabia à reclamada, tendo em vista o dever de documentar a relação de emprego, é devido o pagamento de diferenças equivalentes aos volumes de sucata informados na inicial (25.000 kg e 26.000 kg), como deferido na decisão recorrida.

Destarte, nega-se provimento ao recurso.

 

6. QUILÔMETROS RODADOS.

Insurge-se a reclamada contra o deferimento de indenização relativa aos quilômetros rodados. Reitera a tese de que não manteve vínculo de emprego com o reclamante, razão pela qual considera indevido o pagamento da parcela. Afirma que o reclamante deveria comprovar a quilometragem realizada, não havendo documentos que comprovem a utilização de veículo próprio para visitação de depósitos, podendo o deslocamento ter ocorrido de ônibus. Assim, sustenta não ter sido comprovada a utilização de veículo próprio, tampouco a quilometragem percorrida. Impugna a fixação de 2.800 km mensais, por afronta ao princípio da razoabilidade, tecendo considerações sobre o depoimento da testemunha Julio Cesar de Matos.

Analisa-se.

O reclamante alega, na petição inicial, que percorria em média 1.200 km mensais e 4.800 km mensais em veículo próprio, deslocando-se entre os depósitos de sucata existentes na região (fl. 04).

A tese defensiva é no sentido de que eventuais deslocamentos do reclamante ocorreram por sua própria conta e risco, tendo em vista a ausência de vínculo de emprego, impugnando a quilometragem alegada pelo reclamante e afirmando que não foram trazidos documentos para comprovar as despesas alegadas (fls. 97/98).

No seu depoimento pessoal, o reclamante declara o seguinte:

 

“que a reclamada passou para o depoente 15 ou 16 cidades para serem visitadas; que o depoente fazia visitas semanais aos depósitos, fazia pagamentos e passava informações para a reclamada para emissão de notas fiscais, fazia classificação dos materiais, acompanhava o carregamento e pesagem dos caminhões para obter informação quanto ao valor que seria pago; que o depoente entrava em contato com os depósitos, por telefone, solicitando informações quanto à existência de material e diante de resposta positiva ia até o local; [...] que o depoente se deslocava com veículo próprio, percorrendo 1.200 quilômetros por semana e em média 200 quilômetros por dia; [...] que o depoente tinha que arcar com as despesas de transporte, alimentação e hospedagem; que quando da contratação foi ajustado que receberia valores relativos a esses gastos, os quais nunca foram pagos; [...] que Edorildo Bernardes é o proprietário da reclamada; que essa pessoa juntamente com sua filha fazia compras apenas na Região de Porto Alegre, sendo que apenas o depoente fazia compras em favor da empresa na Região Norte do Estado” (fls. 261/262).

 

As declarações da testemunha Julio Cesar de Matos, convidada pela própria reclamada, confortam as alegações da inicial. A testemunha, que possui comércio de sucatas em Passo Fundo (cidade distinta daquela na qual o reclamante tem domicílio – Carazinho), afirma ter vendido sucatas para o reclamante, o qual compareceu em seu estabelecimento com um veículo Gol. Ou seja, a prova testemunhal demonstra que o reclamante realizava viagens a outras cidades para comprar sucatas, atividade essa que era desempenhada por conta da reclamada, conforme já analisado. A reclamada nada alega no sentido de que teria fornecido veículo para os deslocamentos, sendo razoável considerar que o veículo informado pela testemunha pertencia ao reclamante.

Em face da manutenção da decisão quanto ao vínculo empregatício, incumbe à reclamada, na qualidade de empregadora, arcar com as despesas decorrentes da exploração da atividade econômica, como é o caso da utilização de veículo próprio do trabalhador para a prestação dos serviços, na forma do art. 2º da CLT.

Diante da ausência de documentos que comprovem a quilometragem percorrida, ônus que cabia à reclamada, tendo em vista o dever de documentação da relação de emprego, não há falar em redução da quilometragem fixada pelo Juízo de origem, em pouco mais da metade da quilometragem alegada pelo reclamante. Segundo referido no item 3 desta decisão, não há prova segura de que o autor teria comercializado sucatas com outras empresas durante o período discutido. Entretanto, o Juízo de origem considerou que tal foi demonstrado pela prova oral, utilizando tal fundamento para fixação da quilometragem a ser ressarcida, o que não foi objeto de recurso pelo reclamante, razão pela qual se mantém a sentença.

Por demasia, ainda que não impugnado no recurso, está correto o parâmetro adotado na sentença, qual seja, a tabela do Sindicato da categoria dos vendedores viajantes, porque o referido valor contempla os gastos do empregado com combustível, manutenção e depreciação do veículo particular utilizado em benefício da empresa.

Nega-se provimento ao recurso.

 

7. FGTS COM 40%.

O Juízo de origem deferiu FGTS do contrato e sobre as parcelas remuneratórias deferidas, com acréscimo de 40%.

A reclamada não se conforma com a condenação, sustentando que “como o reclamante não era empregado da recorrente não sendo dispensado por esta, não há o que se falar em depósitos de FGTS, com acréscimo de 40%” (fl. 326).

Analisa-se.

Mantido o vínculo empregatício reconhecido na sentença, nos termos da fundamentação do item 3, está a reclamada obrigada a depositar o FGTS referente à contratualidade, bem como a realizar os depósitos incidentes sobre as verbas remuneratórias deferidas, a teor do art. 15 da Lei nº 8.036/90.

Também é devida a indenização compensatória de 40% sobre o FGTS, considerando-se ter sido o contrato de trabalho rescindido sem justa causa, por iniciativa da empregadora, uma vez que a reclamada não comprovou a rescisão contratual, cujo ônus da prova era seu, consoante a Súmula nº 212 do TST.

Nega-se provimento ao recurso.

 

8. MULTA PREVISTA NO ART. 477, § 8º, DA CLT.

A reclamada insurge-se contra o deferimento da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, sustentando que “a mesma é indevida uma vez que toda relação ora discutida é controversa” (fl. 327).

Analisa-se.

No tocante à multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT para a hipótese de atraso no pagamento das verbas rescisórias, esta Relatora entende que, estando in judice o vínculo de emprego e, por consequência, a forma da despedida, não seria devida a multa pelo inadimplemento das verbas rescisórias objeto da condenação.

Todavia, este órgão julgador, em sua composição majoritária, considera devida a multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT mesmo na hipótese de reconhecimento judicial do vínculo empregatício, consoante o seguinte precedente de lavra do Exmo. Des. Luiz Alberto de Vargas:

 

“MULTA DO § 8º DO ARTIGO 477 DA CLT. A controvérsia acerca da existência ou não do vínculo empregatício, não impede a aplicação da multa prevista no art. art. 477, §8º, da CLT, posto que o contrato de trabalho é caracterizado pelas condições de fato efetivamente verificadas no curso da relação mantida entre as partes. Não há falar em constituição do vínculo jurídico de emprego, mas reconhecimento judicial de uma situação pretérita, por preencher os requisitos previstos em lei, porque é, na verdade, um contrato realidade” (Processo nº 0047200-14.2008.5.04.0801 RO – 3ª Turma – acórdão publicado em 10/09/2010).

 

Assim, vencida a Desembargadora Relatora, nega-se provimento ao recurso ordinário da reclamada, mantendo-se a decisão que deferiu a multa pelo não pagamento das verbas rescisórias.

 

II – RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.

1. REMUNERAÇÃO.

O Juízo de origem fixou a remuneração do reclamante em R$ 0,02 por quilo de sucata comprada. O reclamante recorre, sustentando ter sido demonstrado pela prova documental que havia o pagamento, além das comissões, de salário fixo no valor de R$ 3.000,00 mensais, tendo em vista o grande número de depósitos nesse valor. Argumenta que a não apresentação de documentos pela reclamada implica presunção de veracidade da tese da inicial. Invoca o art. 29 e § 1º da CLT. Quanto às comissões, defende que devem ser utilizados como base de cálculo, além dos depósitos identificados em nome da reclamada, as notas fiscais presentes nos autos.

Analisa-se.

Em relação à ausência de pagamento de salário fixo, não merece reparo a decisão recorrida. É certo que, uma vez impugnado pela reclamada o valor do salário alegado na inicial, cabia ao empregador a produção de prova no sentido da defesa, ônus do qual não se desonerou.

Porém, no caso, a perícia contábil realizada (cujo laudo encontra-se nas fls. 207/217) não autoriza concluir pela existência de salário fixo no valor de R$ 3.000,00, como alegado pelo reclamante, tendo em vista a grande variação nos valores depositados, bem como a existência de apenas cinco depósitos no valor de R$ 3.000,00, ao longo de todo o contrato de trabalho, como se observa nas tabelas das fls. 211/214.

Assim, prevalece a conclusão da sentença, no sentido de que o salário do reclamante consistia somente no pagamento de comissões sobre as compras realizadas, no valor de R$ 0,02 por quilo de sucata. Quanto à base de cálculo dessas comissões, para fins de cômputo das parcelas rescisórias, a sentença determinou o seguinte:

 

“Para efeito de elaboração dos cálculos, deverão ser observados os valores descritos nos extratos bancários do autor, correspondentes a depósitos e transferências efetuadas pela demandada, em que consta a empresa-ré como responsável pelo repasse dos valores, os quais são considerados correspondentes a comercialização de sucata efetuada pelo autor em favor da ré. Deverá ser observado, ainda, quando da impossibilidade de cômputo mensal dos valores alcançados pela demandada em favor do autor, o montante ajustado a título de comissões, conforme acima especificado, a quantidade de sucata comercializada pelo autor em favor da demandada, conforme registrado nas notas fiscais juntadas aos autos, e na ausência dessas, a quantidade de 370 toneladas mensais” (verso da fl. 276).

 

No particular, porém, a decisão enseja pequeno reparo. Entende-se que os depósitos realizados pela reclamada na conta-corrente do reclamante, conforme consta nas tabelas das fls. 211/214, correspondem à efetiva remuneração pelo trabalho prestado.

Entretanto, como alegado pelo reclamante, afigura-se possível que os pagamentos das comissões, em determinadas ocasiões, tenham sido realizados por depósitos sem identificação do depositante, ou até mesmo por outros meios, como dinheiro ou cheque. Assim, na elaboração dos cálculos, para fins de apuração das comissões pagas ao reclamante, devem ser considerados os valores depositados na sua conta-corrente em cada mês, em cotejo com as notas fiscais juntadas aos autos, devendo prevalecer o valor da comissão correspondente às quantidades de sucata registradas nas notais fiscais, caso seja superior aos depósitos realizados pela reclamada. E, apenas na ausência de comprovação de depósitos e de notas fiscais, deve ser considerada a quantidade de 370 toneladas mensais, fixada pelo Juízo de origem.

Dá-se provimento parcial ao recurso, para determinar que, na apuração das comissões pagas ao reclamante, sejam considerados os valores depositados na sua conta-corrente em cada mês, em cotejo com as notas fiscais juntadas aos autos, devendo prevalecer o valor das comissões correspondente às quantidades de sucata registradas nas notais fiscais, caso seja superior aos depósitos realizados pela reclamada, e somente na ausência de depósitos e notas fiscais, a quantidade de 370 toneladas mensais.

 

2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Inconformado com o indeferimento dos honorários advocatícios, o reclamante recorre, sustentando que, ao não utilizar o jus postulandi, contratou advogado particular, o que implicou gasto com honorários advocatícios contratuais, os quais deverão ser compensados com a condenação sucumbencial. Cita jurisprudência e invoca os artigos 389 e 404 do Código Civil.

Analisa-se.

No entendimento desta Relatora, na Justiça do Trabalho, a assistência jurídica a que se refere a Lei 1.060/50, bem como os respectivos honorários, está regulada pela Lei 5.584/70. Segundo disposto no art. 14 da referida lei, a assistência judiciária será prestada pelo sindicato da categoria profissional do trabalhador àquele que perceber salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal ou, aos de maior salário, desde que provada situação econômica que não permita demandar em juízo sem prejuízo de seu sustento ou da família.

No entanto, esta Turma Julgadora, em sua atual composição majoritária, entende que são devidos os honorários pela aplicação da Lei .1060/50, independente da apresentação da respectiva credencial sindical.

Dessa forma, vencida a Relatora, dá-se provimento ao recurso ordinário do autor para condenar a reclamada ao pagamento de honorários assistenciais de 15% do valor bruto da condenação.

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: preliminarmente, por unanimidade de votos, não conhecer das contrarrazões do reclamante, por intempestivas. Ainda, preliminarmente, por unanimidade de votos, determinar a renumeração dos presentes autos a partir da fl. 334. No mérito, por maioria de votos, vencida parcialmente a Desembargadora Relatora, negar provimento ao recurso ordinário da reclamada. Por maioria de votos, vencida parcialmente a Desembargadora Relatora, dar provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante, para determinar que, na apuração das comissões pagas ao reclamante, sejam considerados os valores depositados na sua conta-corrente em cada mês, em cotejo com as notas fiscais juntadas aos autos, devendo prevalecer o valor das comissões correspondente às quantidades de sucata registradas nas notas fiscais, caso seja superior aos depósitos realizados pela reclamada, e somente na ausência de depósitos e notas fiscais, a quantidade de 370 toneladas mensais, bem como honorários assistenciais à razão de 15% do total bruto da condenação. Custas processuais acrescidas em R$ 60,00, sobre o valor da condenação, majorado em R$ 3.000,00.

Intimem-se.

Porto Alegre, 24 de novembro de 2010 (quarta-feira).

 

 

DESEMBARGADORA FLÁVIA LORENA PACHECO

Relatora