EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Como regra, o acidente ocorrido no trajeto casa/trabalho, ou vice-versa, se configura como acidente do trabalho para fins previdenciários e para garantia no emprego, não implicando, todavia, em responsabilização civil do empregador. Contudo, no caso, extrai-se da prova ter o reclamado determinado a participação da reclamante em treinamento em determinada cidade e no dia seguinte a sua presença no trabalho em cidade distante, não havendo transporte coletivo em linha direta entre as localidades. Entende-se não estar provado haver determinação expressa para que os empregados pernoitassem na cidade onde era realizado o curso, assim como não havia proibição de que se deslocassem em veículo particular. O comportamento do reclamado demonstra descaso quanto à segurança no deslocamento dos estagiários ao evento, atraindo para si a responsabilidade pelo sinistro. Apelo parcialmente provido para reduzir o valor fixado a título de indenização por danos morais.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da Vara do Trabalho de São Borja, sendo recorrente BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. e recorrida  XXXXXXXXXXXX.

Inconformado com a sentença proferida pelo Juiz do Trabalho Ivanildo Vian, (fls. 718/731 e decisão de embargos de declaração de fls. 745/746), recorre o banco reclamado. Pretende a nulidade da sentença por cerceamento de defesa e a rediscussão quanto à responsabilidade em razão do acidente sofrido, indenizações por danos morais e materiais, além de honorários advocatícios (fls. 751/763).

Contrarrazões da reclamante nas fls. 778/795.

Distribuídos, vêm os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

CONHECIMENTO.

            Tempestivo o apelo (fls. 749 e fl. 773, verso), regular a representação (fls. 264/267 e 713), custas processuais recolhidas (fl. 765) e depósito recursal efetuado (fl. 764), encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.

MÉRITO.

1. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA.

            O reclamado não se conforma com a decisão da origem no que se relaciona à desconsideração como prova do depoimento da testemunha Eriovaldo Dornelles do Nascimento. Afirma que o acolhimento da contradita lançada pela parte autora importa em ofensa ao art. 405 do Código de Processo Civil e art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, remetendo à nulidade da sentença. Assevera que o exercício da função de Gerente Geral não é hipótese de suspeição, e nem serve para desqualificar o depoimento, pois os fatos discutidos na lide somente poderiam ser esclarecidos pela testemunha, mencionada inclusive no depoimento da reclamante. Repisa não estar o exercício de cargo de confiança dentre as hipóteses legais para suspeição ou impedimento, a teor dos artigos 405 do Código de Processo Civil, e 829 da CLT.  Alega evidente o prejuízo sofrido, justificando a nulidade, pois o depoimento da testemunha Eriovaldo guarda absoluta pertinência para solução da lide. Pretende a nulidade da sentença, e sucessivamente, a declaração de validade do depoimento e sua consideração como meio de prova válido e eficaz.

            Sem razão.

O juízo de origem afirma em sentença que o depoimento da testemunha Eriovaldo Dornelles do Nascimento não é considerado como fundamento de decidir, visto que ocupa a função de gerente geral de agência do requerido, cargo em razão do qual sabidamente goza de especial fidúcia por parte do banco.  Refere que altos funcionários gozam de fidúcia especial e recebem salário diferenciado, composto por gratificação de função, da qual podem ser destituídos a qualquer momento. Assevera possuírem assinatura autorizada do Banco, representando a instituição da área de atuação da respectiva agência (fl. 726).  Acolhe a contradita lançada na ata de fl. 609, deixando de considerar o depoimento na formação do convencimento.

O mero exercício do cargo de confiança não gera a suspeição da testemunha. A CLT disciplina especificamente as hipóteses em que se considera suspeito o depoimento prestado pela testemunha, ao dispor, em seu art. 829, a testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação.

Assim, embora o exercício do cargo de confiança envolva elevado grau de fidúcia, tal não corresponde à condição de amizade íntima, que é caracterizada pelas relações mantidas entre a testemunha e a parte que ultrapassam ao ambiente puramente profissional.

Contudo, anular a sentença e remeter aos autos à origem para  nova decisão que inclua a consideração do depoimento constante da fl. 609 é medida desnecessária e protelatória, tendo em vista a interposição de recurso que rediscute a matéria integralmente, e a oitiva da testemunha Luis Carlos dos Santos de Lara (fl. 658), convidada pela reclamada, cujo depoimento possui conteúdo semelhante ao da testemunha Eriovaldo. Ademais, Luis Carlos dos Santos de Lara era o gestor dos estagiários na época, segundo informa Eriovaldo.

           Diante do exposto, não há violação ao princípio da ampla defesa a teor do art. 5º, LV, da Constituição Federal. Rejeita-se a prefacial de nulidade da sentença, por se entender o pleito meramente protelatório. Prestigia-se o art. 5º, LXXVIII, também da Constituição Federal, que assegura a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Nega-se provimento.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS E MATERIAIS.

            O juízo de origem entende presente a culpa do reclamado no infortúnio sofrido pela reclamante, pois agiu com descaso ao permitir e estimular que empregados utilizassem veículo particular a serviço ou que pegassem carona, especialmente após um dia dedicado a curso e com deslocamento à noite. Afirma estar provado que havia exigência da reclamante se apresentar no trabalho já no dia seguinte, quando no dia anterior participou de atividade em cidade distante com presença também obrigatória. Destaca que tal postura evidencia claro descaso, e embora não tenha sido determinante para a ocorrência do acidente, contribuiu para o trágico desfecho do deslocamento da autora e de seus ex-colegas de trabalho. Condena o reclamado em indenização por danos morais em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) e danos materiais emergentes segundo valores comprovados nos documentos de fls.47/55.

            O reclamado se insurge, asseverando inexistir prova de nexo causal entre o suposto acidente e o trabalho, não se configurando também sua culpa no evento danoso. Relata ser o acidente culpa exclusiva de terceiro, no caso, o estagiário José Augusto Dornelles, que, acompanhado da reclamante, viajou em automóvel locado, contrariando as diretrizes do empregador, e agindo diversamente dos demais colegas, que pernoitaram na cidade de Passo Fundo. Transcreve acórdão nos autos do processo de nº 00190.2006.871.04.00.00, onde são autores João Carlos Viana Dornelles e Éster Dornelles, pais de José Augusto Dornelles,  estagiário do banco réu e motorista do veículo que conduzia a reclamante, cuja decisão de improcedência já transitou em julgado, tendo a 5ª Turma do Regional concluído inexistir comprovação de culpa ou dolo no procedimento do reclamado, não havendo como imputar-lhe qualquer responsabilidade. Pretende solução idêntica no caso, aduzindo que também aqui a prova confirma a tese da defesa, segundo a qual a reclamante indevidamente optou pela carona com estagiários que se deslocavam em carro alugado para a cidade de São Borja, com intuito de retornar a sua cidade de origem, Santiago. Assevera ter a reclamante contrariado a programação instituída pelo empregador, que compreendia pernoite na cidade de Passo Fundo e retorno no dia seguinte, de ônibus, entendendo ter ela assumido os riscos da sua conduta, e extinguindo qualquer culpa ou responsabilidade imputável ao ora recorrente. Destaca o depoimento da testemunha Eriovaldo Dornelles do Nascimento, no sentido de que o veículo foi locado em nome do banco, mas sem autorização, sabendo que o réu não efetuou o pagamento da locação. Frisa ter a testemunha informado ainda que nem mesmo o gerente geral da agência pode locar veículo em nome do banco. Aponta o depoimento da própria reclamante que afirma que deslocamentos em veículo particular são ressarcidos, e que em ocasiões anteriores em que participou de cursos em outras cidades, utilizou ônibus para o deslocamento, tendo inclusive pernoitado em outras localidades. Sustenta ser falsa a tese da reclamante de que havia imposição de retorno no mesmo dia, e que a carona teria sido intermediada pelos gerentes de prospecção  e  geral de São Borja. Frisa contradição com o depoimento da testemunha Maristani Minozzo Bobek, que relata ter sido a carona intermediada pelo gerente Luis Carlos Lara. Destaca que Eriovaldo Dornelles do Nascimento e Luis Carlos dos Santos de Lara não confirmaram tais alegações, não determinando ou sugerindo à reclamante o retorno juntamente com os demais colegas, assim como não reconhecem tivesse ela obrigação de comparecer ao trabalho no dia seguinte. Relata o depoimento da testemunha Luis Carlos dos Santos de Lara, que afirmou haver orientação verbal para que os estagiários se deslocassem preferencialmente de ônibus de linha; que havia reserva no hotel para os estagiários que acabaram se envolvendo no acidente; e que esses agiram de modo distinto dos demais, que pernoitaram em Passo Fundo. Diz forçosa a conclusão de que não há como configurar o acidente de trânsito como acidente de percurso, pois o sinistro ocorreu no período em que a reclamante deveria estar pernoitando no hotel em Passo Fundo. Argumenta que, mesmo ausente conduta dolosa ou culposa, a reclamante admite ter o ora recorrente agido com zelo e respeito a sua saúde, concedendo-lhe auxílio médico e redução da jornada de trabalho após o acidente.

            Em relação ao dano material, refere incabível a condenação em ressarcimento de despesas comprovadas pelos documentos de fls. 47/55, pois não estão devidamente justificadas como sendo relativas ao evento. Entende também que tais procedimentos poderiam ter sido efetuados através do Plano de Saúde Unimed, concedido pela recorrente, sem qualquer ônus para as partes. Em relação ao tratamento fisioterápico e exames custeados pela FUSEX, deve ser reformada a sentença, ante a ausência de culpa do recorrente no infortúnio.

            Em relação ao dano moral, repisa a inexistência de nexo causal entre as lesões e o trabalho, inexistindo prova efetiva de dano de natureza moral. Relata não ser a reclamante portadora de qualquer sequela ou limitação à capacidade laboral, tendo inclusive concluído curso superior de Psicologia após o acidente. Assevera não haver dano moral em decorrência de acidente de trânsito provocado por terceiros, mesmo porque não violados a honra e a imagem da reclamante. Não sendo o entendimento da Turma pela total absolvição, busca a redução do valor fixado, alegando que a condenação em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) é incompatível com a lesão moral alegada, pois não há gravidade ou incapacitação de forma definitiva, assim como a reclamante sempre esteve assistida pela empresa e pelo órgão previdenciário. Entende justo o valor de três salários mínimos, pois proporcional ao dano e o abalo moral sofrido. Aduz que a condenação, se mantida, importa em violação ao art. 5º, V, da Constituição Federal, e enseja o enriquecimento sem causa da parte adversa.

            À análise.

O reclamado afirma ter sido o acidente causado por terceiro, e que a reclamante assumiu o risco da sua conduta ao preferir retornar de carona com colegas à noite, em vez de pernoitar na cidade. Sustenta ser subjetiva a responsabilidade do empregador, e no caso, não há culpa sua no infortúnio, razão porque não pode ser responsabilizado civilmente pelo acidente.

A Turma tem adotado o entendimento de que a responsabilidade do empregador é objetiva, especialmente nos casos em que a atividade atrai risco acentuado, maior do que o comum ao trabalhador, que não pode ficar desamparado. Com efeito, a doutrina tem caminhado nesse sentido. Leciona Sebastião Geraldo de Oliveira (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, 2008, fl. 119), verbis: 

 

A indenização baseada no rigor da culpa está cedendo espaço para o objetivo maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição da República. Desse modo, o instrumental jurídico está deslocando seu foco de atenção dos danos causados para os danos sofridos.  

     E nesse mesmo sentido, julgado do C. TST, de relatoria do Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, verbis:  

 

RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CC). INEXISTÊNCIA DE -CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA- (FATO DA VÍTIMA). A regra geral do ordenamento jurídico, no tocante à responsabilidade civil do autor do dano, mantém-se com a noção da responsabilidade subjetiva (arts. 186 e 927, caput, CC). Contudo, tratando-se de atividade empresarial, ou de dinâmica laborativa (independentemente da atividade da empresa), fixadoras de risco acentuado para os trabalhadores envolvidos, desponta a exceção ressaltada pelo parágrafo único do art. 927 do CC, tornando objetiva a responsabilidade empresarial por danos acidentários (responsabilidade em face do risco). Noutro norte, a caracterização da culpa exclusiva da vítima é fator de exclusão do elemento do nexo causal para efeito de inexistência de reparação civil no âmbito laboral quando o infortúnio ocorre por causa única decorrente da conduta do trabalhador, sem qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador. Se, com base nos fatos relatados pelo Regional, se conclui que a conduta da vítima do acidente não se revelou como causa única do infortúnio, afasta-se a hipótese excludente da responsabilização da empregadora pelo dano causado. Recurso conhecido e provido.- (RR-850/2004-021-12-40.0, 6ª Turma, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, DJ-12/06/2009) (grifamos)

A reclamante foi contratada como estagiária em 15.05.02 na cidade de Santiago, com remuneração de R$ 866,32. Sofreu acidente de automóvel em 07.06.02, às 00:05h, na Rodovia Federal BR 285 em Santa Bárbara do Sul, quando retornava da cidade de Passo Fundo, onde participou de treinamento por determinação do banco réu. Conforme Boletim de Ocorrência, o acidente ocorreu quando o automóvel Parati, onde estava a reclamante e mais dois colegas de trabalho, todos estagiários do reclamado, em uma curva, invadiu a pista contrária, colidindo frontalmente com uma caminhonete Ford Ranger. Apenas a reclamante e o ocupante da Ford Ranger sobreviveram ao acidente, embora gravemente feridos.

Importa referir que houve reconhecimento judicial em relação a existir vínculo empregatício entre a reclamante e o reclamado, tendo sido considerado irregular o contrato de estágio (fls.  662/695).

 A comprovação do dano e a existência de nexo causal entre este e a atividade desempenhada pelo trabalhador são requisitos essenciais para que surja o dever de indenizar danos morais e patrimoniais em decorrência de acidente de trabalho ou doença ocupacional.

Como regra, o acidente ocorrido no trajeto casa/trabalho ou vice-versa, apenas se configura como acidente do trabalho para fins previdenciários e de garantia no emprego, a teor do art.. 21 da Lei 8.213/91, item IV, letra “d”, não implicando, todavia, em responsabilização civil do empregador, uma vez que inexiste culpa ou, pelo menos, nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente sofrido.

Contudo, no presente caso, o acidente ocorreu quando a reclamante retornava da cidade de Passo Fundo, onde havia participado de treinamento por determinação do reclamado. A reclamante residia e trabalhava na cidade de Santiago, que não possui transporte coletivo com linha direta a Passo Fundo.

O dano é inegável, pois a reclamante sofreu traumatismo crânio encefálico, tendo permanecido por quatro dias na UTI do Hospital de Carazinho e após transferida para o Hospital Militar de Porto Alegre. Esteve afastada do trabalho por aproximadamente dois meses.

Há evidente nexo causal entre o acidente e o trabalho, pelo que se extrai da prova. É incontroversa a  determinação do reclamado para que a reclamante comparecesse em reunião realizada mensalmente com os estagiários na cidade de Passo Fundo.

Extrai-se da prova que a reclamante teria obrigação de estar presente na agência de Santiago já no dia seguinte. A testemunha Maristani Minozzo Colbek informa que a participação dos estagiários no encontro em Passo Fundo era obrigatória, e que deveriam trabalhar no dia seguinte, de forma que o retorno foi programado. Relata a depoente que o banco não determinava a forma de deslocamento, porém ressarcia as despesas (fl. 710).

Em relação à forma de deslocamento, a testemunha convidada pelo reclamado, Luis Carlos dos Santos de Lara, informa que havia uma orientação verbal para que os estagiários se deslocassem preferencialmente de ônibus de linha, mas que não havia proibição quanto ao deslocamento em carro, havendo o ressarcimento das despesas de qualquer forma. Refere que, após o acidente, passou a ser obrigatório o deslocamento por ônibus coletivo. Relata também que o pernoite em Passo Fundo era para os estagiários de agências mais distantes que não tivessem meio de transporte após o horário da reunião (fls. 658/659).

Contrariamente à tese da defesa, não havia determinação para que os estagiários permanecessem em hotel e retornassem no dia seguinte, assim como não havia expressa proibição quanto ao uso de veículo, sendo indiferente se próprio ou locado, pois o ressarcimento era com base em quilômetros rodados. Somente após o acidente, o reclamado passou a proibir os deslocamentos em veículos particulares.

Observa-se que o reclamado não cuidou expressamente a forma de deslocamento dos estagiários ao evento, deixando ao livre arbítrio, garantindo tão somente o reembolso das despesas. Agindo com descaso, atraiu para si a responsabilidade por eventuais acidentes que viessem a ocorrer.

Como dito em sentença, é notório ter sido a reclamante exposta a risco excessivo, ao exigir que se apresentasse em cidades distantes entre si em dias seguidos, impondo-se o dever de reparar os danos sofridos.

A discussão quanto a ser a responsabilidade civil do empregador objetiva, calcada na teoria do risco, ou subjetiva, hipótese em que deve ser provada a culpa, é desnecessária no presente caso, pois a prova demonstra a omissão da reclamada em fornecer ambiente de trabalho seguro à reclamante. Incide, ao caso, os artigos 186 do Código Civil, e a indenização correspondente no art. 927 do mesmo Código, e o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, impondo-se ao reclamado o dever de indenizar danos morais e materiais.

            O dano moral surte efeitos na órbita interna do ser humano,  causando-lhe uma dor, uma tristeza ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar o lado psicológico, atingindo a esfera íntima e valorativa do lesado. Consiste na afronta ao código de ética de cada indivíduo, com repercussão na ordem social.          

Desta forma, quando o litígio versar sobre direito moral, o autor não precisa comprovar que se sentiu ofendido ou humilhado com a atitude do agressor. A presunção sana a impossibilidade da prova da lesão de direito personalíssimo sofrida pela pessoa natural de direito em razão de ato ou omissão ilícita de outrem.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência exigem a prova inequívoca do fato e do nexo causal entre a ação do ofensor e o dano causado ao ofendido, o que restou plenamente caracterizado no caso concreto.

Constata-se que a reclamante sentiu a dor emocional alegada, e que os fatos em análise enquadram-se nas hipóteses previstas nas normas dos arts. 186 e 927 do Código Civil, motivo da condenação da recorrida. 

            O laudo pericial médico informa que desde o acidente a reclamante necessita de medicação (valium, lítio, bromazepan, risperidona e vários depressivos) e acompanhamento médico e psicológico. Evidenciadas sequelas psicológicas, pois a reclamante possui dificuldade de aprendizado e de controle das emoções (Dr. Álvaro Antônio do Nascimento, médico psiquiatra, fl. 414), estando comprovada a lesão à integridade física e mental, e sofrimento que enseja reparação.

            Não havendo norma que atribua valores para reparação a título de dano moral, incumbe ao juiz sua fixação segundo critérios de eqüidade, observando a situação financeira dos litigantes, a gravidade do ato e da culpa, o caráter pedagógico da punição, entre outros.

O valor deve ser fixado objetivando a reparação da dor da vítima, ainda que nunca se alcance a reparação integral, sendo impossível a pretensão de se restituir à pessoa o seu estado anterior. Paralelamente, o valor deve ser significativo de modo a desestimular a conduta do ofensor.

            Contudo, entende-se que o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) fixado na origem é excessivo, se comparados às indenizações costumeiramente fixadas no Regional para situações semelhantes. Observa-se que a reclamante é jovem e está superando os traumas  adquiridos no acidente. Na época do sinistro, junho de 2002, estudava ciências biológicas, e atualmente possui graduação em curso superior de Psicologia, concluído há um ano e meio conforme depoimento pessoal (fl. 710). Em que pese a gravidade do acidente, que vitimou dois colegas de trabalho, e o sofrimento a que foi exposta com pouca idade (19 anos, à época), a reclamante não está incapacitada e demonstra superar eventuais dificuldades ainda decorrentes do acidente.

            Fixa-se o valor em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por se entender mais adequado ao usualmente fixado. Valor atualizado nesta data. Juros a contar do ajuizamento da ação. Destaca-se que o valor ora fixado não importa em enriquecimento sem causa da parte adversa.

            Em relação aos danos materiais, resta manter a condenação em ressarcimento das despesas comprovadas as fls. 47/55, aplicando-se o princípio da reparação integral.

            Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para reduzir para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a indenização por danos morais em razão de acidente do trabalho. Valor atualizado nesta data. Juros a contar do ajuizamento da ação.

3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

            A sentença determina o pagamento de honorários advocatícios, a razão de 20% sobre o valor total da condenação, com base no art. 20 do CPC e Instrução Normativa nº 27/05 do C. TST.

            O reclamado investe contra a decisão, afirmando não vigorar o princípio da sucumbência no Processo do Trabalho. Assevera o cabimento da verba apenas nos casos em que o empregado está assistido pelo sindicato da categoria, conforme Súmulas 219 e 329 do C. TST, o que não é o caso. Caso seja mantida a condenação, requer a fixação de honorários sucumbenciais em relação aos seus patronos, autorizando a compensação da verba.

            Sem razão.

Nos termos do artigo 5º da Instrução Normativa nº 27, que dispõe acerca das normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela EC 45/2004 do TST:

 

Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.

            A discussão destes autos envolve a indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. Assim, consumada a sucumbência da reclamada, conforme exposto no item anterior, são devidos honorários advocatícios.

            Importa referir ter sido a ação ajuizada perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Santiago em 04.06.04, e remetida para a Justiça do Trabalho por força da Emenda Constitucional nº45/04 conforme decisão da fl. 228, não podendo a parte ser prejudicada pela mudança de competência.

Indefere-se a pretensão da parte ré de honorários sucumbenciais relativamente aos pedidos em que vencedora, por inexistir amparo legal para tanto na Justiça do Trabalho.

            Nega-se provimento.

PREQUESTIONAMENTO.

Não se entende presente violação aos artigos eventualmente apontados, admitindo-se como prequestionados, mesmo quando não foram expressamente mencionados no acórdão, a teor da Súmula 297 do TST.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para reduzir a indenização em danos morais para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Valor atualizado nesta data. Juros a contar do ajuizamento da ação.

Valor da condenação que se reduz para R$ 70.000,00 (setenta mil reais).

Intimem-se.

Porto Alegre, 23 de março de 2011 (quarta-feira).

 

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

 

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