EMENTA: TRANSFERÊNCIA DE EMPREGADOS PARA OUTRO SETOR DA EMPRESA. ALTERAÇÃO LESIVA DO CONTRATO DE TRABALHO. ABUSO DE DIREITO. DANOS MORAIS. A forma como se deu a demissão foi fator de ofensa à dignidade, honra e integridade moral dos reclamantes que ficaram expostos à família e aos demais companheiros como empregados indisciplinados e insubordinados. A atitude da reclamada extrapolou os limites do seu poder de direção e fiscalização do trabalho, configurando abuso de direito, o qual é ato ilícito e indenizável, nos termos do artigo 5ª, X da Constituição Federal.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juiz da Vara do Trabalho de Novo Hamburgo, sendo recorrentes XXXXXXXXXXXX E OUTRO(S) e recorrido ZENGLEIN & CIA. LTDA.

 

                     Ajuizada a ação trabalhista em face dos contratos de trabalhos vigentes de 06.08.02 (Rosmari), 19.04.04 (Solange) e 02.10.06 (Jeferson), a 15.01.09, foi proferida a Sentença às fls. 390-391 carmim.

 Os autores recorreram às fls. 392-401 carmim, buscando o pagamento de indenização por danos morais, pagamento dos dias em que foram suspensos e honorários de advogado.

Com contra-razões da reclamada às fls. 409-416 carmim, subiram os autos a este Tribunal.

 É o relatório.

 

ISTO POSTO:

1. TRANSFERÊNCIA DOS EMPREGADOS PARA OUTRO SETOR. ALTERAÇÃO LESIVA DO CONTRATO DE TRABALHO. ABUSO DE DIREITO. DANOS MORAIS.

Os reclamantes renovam alegações de que sofreram abuso de direito praticado pela reclamada. Sustentam que a reclamada induziu os empregados do extinto setor de injetados a pedir demissão e criou situações difíceis de trabalho para demiti-los por justa causa, conforme amplamente comprovado pela prova testemunhal. Informam que os empregados do extinto setor de injetados, entre eles os próprios autores, foram transferidos para um depósito de classificação de solas, conhecido como “lixão”, separado dos demais trabalhadores, sem receber qualquer treinamento ou comunicação prévia. Alegam que também tiveram redução salarial, pois não puderam mais fazer serões e sofreram alteração de horário, o que prejudicou o convívio familiar. Aduzem que a reclamada comprometeu-se perante o sindicato e o Ministério do Trabalho e Emprego a anular as suspensões disciplinares, o que não cumpriu. Alegam que foram expostos a situações humilhantes perante os demais colegas pois passaram a fazer trabalho que requer menor qualificação. Requerem o pagamento de danos morais no valor de dez salários contratuais de cada autor. Postulam, outrossim, a nulidade das suspensões que lhes foi aplicada e o pagamento dos dias descontados, bem como honorários de advogado.

Examina-se.

Na inicial, os autores informaram que em 05.01.09, a reclamada, fabricante de calçados, encerrou as atividades do setor de injetados e transferiu todos os empregados, que ali trabalhavam na função de operadores de injetora, incluindo eles mesmos, para outro setor, de forma unilateral e abusiva. Disseram que passaram a desempenhar a função de simples auxiliares calçadistas, no setor de classificação de solas, conhecido como “lixão”, sem qualquer comunicação anterior ou mesmo treinamento adequado. Sustentaram que sofreram prejuízos de ordem econômica e moral. Alegaram que a reclamada deveria ter realocado os empregados em funções do mesmo nível. Informaram que a reclamada passou a aplicar suspensões e dispensas não remunerada para forçá-los a pedir demissão ou demiti-los por justa causa.

Na defesa, a reclamada admitiu que teve de fechar temporariamente o setor de injetados, por questões econômicas, tendo de transferir os empregados, inclusive os autores, para outro setor, a fim de preservar os seus postos de trabalho. Sustentou que fez uso de seu jus variandi, sendo que não houve alteração lesiva aos contrato de trabalho. Confirmou a aplicação de advertência e suspensões sem pagar os dias de falta ao serviço aos empregados que se negaram a trabalhar no novo setor que lhes foi designado. Juntou as comunicações de troca de horário e de aplicação de penalidades de advertência, suspensão e, por fim, demissão por justa causa aos autores em vista das faltas ao serviço depois que foram transferidos de setor (fls. 36-90 e 134-189 carmim).

Às fls. 386-388 carmim restou consignada a prova oral.

O autor Jeferson disse, no depoimento pessoal que “...trabalhou nas injetoras, de abastecedor, trocou matrizes, trabalhou no PU na máquina de lavar, como cortador, trabalhou no moinho; quando fecharam o setor de injetora foi dito que a opção era os empregados pedir demissão ou ir trabalhar num lixão que tem lá; havia 20 a 30 pessoas trabalhando na injetora, e na época ficaram apenas 2 a 4 pessoas, e foram para o lixão; o depoente não quis ir para o lixão e eles foram dando suspensões, até a justa causa, e o mesmo aconteceu com as outras 2 autoras; eles não esclareceram quanto a jornada e salário; não pediu para ser demitido, tanto que ia todos os dias para trabalhar; depois da injetora não chegou a trabalhar em outro setor; antes da extinção houve redução do setor de injetoras; quando houve a redução, alguns foram mandados embora, outros eles fizeram acordo, e outros botaram para outros setores”.

A primeira testemunha dos autores, José Ricardo, disse que ...não foi avisado com antecedência o encerramento do setor, não disseram o dia que ia fechar, mas os funcionários se reuniram e perguntaram e disseram que trabalhariam mais uns 15 dias, mas como não tinha matéria-prima queriam que fossem para um lixão, para catar sola, depois fariam o resto que faltasse; disseram que poderiam ficar na empresa e teriam que fazer outras coisas, e não falaram sobre salário, e horário seguia o que estava lá; foi dito que poderiam ir para o lixão ou ficar parados, mas aí sabem o que acontece; induziam a que pedissem as contas; a grande maioria foi transferida para o lixão; no caso dos autores e de todo mundo foi dito para irem para o lixão; quem não fosse para o lixão teria o cartão-ponto bloqueado; a operação no setor de injetora era mais complexa do que no calçado; o depoente trabalhou no lixão; se sentiu muito inferior do que os outros porque só setor de injetoras que iam para lá, se não quisessem outro lugar; permaneceu no lixão até ser demitido; em agosto teve redução de pessoal no setor de injetora; era catado solado no lixão para fechar os pedidos que tinha; o lixão era decorrente do serviço produzido e após passar para a revisão e o que não dava ia para lá; traziam de volta os produtos no lixão para usar de novo na produção; foi despedido sem justa causa, porque se sentiu mal, porque sua função não era aquela; ia terminando o serviço no setor e iam para o lixão; sabe que do seu setor umas 10 foram para lá; quem se recusava ia para casa com dispensa; continuou recebendo o mesmo salário.

A segunda testemunha dos autores, Rosilei de Fatima, disse “...que trabalhou na reclamada de 18-01-2007 a 06-04-2009, como operadora de injetora; a empresa na hora da extinção do setor; foi tudo rápido, na hora; foi trocado o horário da que era das 14 às 22 e foi para horário normal; foi reduzido salário porque deixou de ganhar o serão; logo que fechou o setor, chegou a trabalhar 2 semanas no lixão e após isso era pedir as contas ou ir para o calçados, noutro setor, ou ficava parado no injetados e sabia que ia ter consequência; não podia escolher no calçados porque eles escolhiam o setor; a depoente não trabalhava em calçados, só na injetora; não foi oferecido curso ou treinamento para trabalhar no calçado; era só sair da injetora e ir para o calçado; trabalhar no setor de injetora tinha mais conhecimento que no calçado e tinha que ter mais atenção por causa das máquinas; o lixão era mais longe da fábrica e só resto de solas, que era remetido após a revisão; se houvesse recusa de ir para o lixão era trancado o cartão; sabe que isso aconteceu com os autores; era comentado que o lixão era muito sujo e produto químico do PU; era horrível sair do setor e ir para o lixão; se sentiu humilhada por ir para o lixão, por ser separado dos outros; quando chegou para trabalhar foi avisada da mudança; o horário dos autores era o mesmo da depoente; depois do lixão, em função do setor de injetados ter parado, todos saíram; depois do lixão saiu da fábrica; havia óleo também no lixão, retirava sacos com óleo e tinha que botar na mesa; havia máquinas no calçados também; trabalhou uma vez no setor de calçados emprestada, numa máquina que não sabe dizer o nome; sabia a produção no injetados; não conhecia todas as máquinas do calçado...” (grifos nossos).

O proposto da reclamada disse “...que foi oferecido aos autores irem para o setor de calçados e eles se negaram dizendo que não porque eles queriam ser demitidos e não deram outra opção e começaram a faltar; ...a função de injetora é mais simples que do calçado; aos que não aceitaram ir para calçado foi oferecido o acerto do Ministério do Trabalho , onde o sindicato estava presente; não foi oferecido acerto aos autores porque eles começaram a faltar e na verdade foi oferecido o acerto; foi feito reunião e os funcionários que estavam no setor de injetados que seria extinto, e a opção era fazer o acordo ou os que não aceitassem era para ir para o calçado; o acordo era perder o aviso prévio...”.

O acordo entre a reclamada e o sindicato da categoria dos autores, firmado perante o Ministério do Trabalho e Emprego, (fls. 92-95), demonstra que a reclamada já vinha aplicando dispensas não remuneradas a empregados transferidos de setor que se recusassem a mudar de função desde 2008. Aos que aceitavam a transferência, a reclamada não pagava o aviso-prévio.

Registre-se que os autores foram demitidos em 15.01.09, um dia após ajuizarem a presente ação trabalhista, no dia 14.01.09, conforme documentos das fls. 43, 61 e 86.

As fichas de controle de função, fls.45-90 demonstram que, embora Solange e Jeferson, contratados como operadores de injetora e Rosmari como costureira, os três exerceram, predominantemente, as funções de operador de injetora, ao longo de todo os seus respectivos contrato de trabalho.

A situação narrada nos autos permite concluir que, em que pese a reclamada ter se utilizado de seu ius variandi, tentando ajustar o trabalho dos empregados às alterações estruturais e conjunturais da empresa, legitimadas por inquestionável crise financeira, extrapolou os limites de  tal direito pois não agiu com boa fé ao provocar a situação que culminou com a demissão por justa causa dos autores. Ao extrapolar os limites do seu poder de direção e fiscalização, a reclamada cometeu abuso de direito, o qual é ato ilícito e reprovável diante do princípio da boa-fé objetiva, sendo que os prejuízos de ordem extrapatrimonial se presumem e decorrem objetivamente do ato perpetrado pela reclamada. A obrigação de reparar, em hipóteses tais em que se verifica o abuso de direito, nasce por força do art. 927, parágrafo único, do Código Civil Brasileiro.

Conforme documentos das fls. 36-90, juntados pela reclamada, os reclamantes Jefferson e Solange foram contratados como operadores de injetora e, embora Rosmari tenha sido contratada como costureira, sua ficha de controle de atividades comprova que exerceu, predominantemente, a função de operadora de injetoras, situação que aderiu ao seu  respectivo  contrato de trabalho, pela preponderância do fato sobre a  norma, por força do  princípio do contrato realidade.

Embora a transferência fosse para outro setor próximo daquele que foi extinto, os prejuízos para os autores foram visíveis, pois, além de não receberem qualquer tipo de treinamento, a notícia de transferência foi abrupta, tendo os autores que se ajustar a novos horários, conforme avisos juntados aos autos pela própria reclamada. Ademais, não foi dada qualquer garantia de que o setor de injetados voltasse a funcionar e os autores retornassem às antigas funções. Poder-se-ia falar até mesmo em redução salarial indireta, pois os autores teriam que se esforçar mais para cumprir a nova função para a qual não estavam devidamente capacitados, ainda que não tenha ocorrido aumento na jornada de trabalho.

Diante da alteração contratual lesiva, nos termos do art. 468 da CLT, os autores se recusaram a prestação de serviços. De todo modo, se apresentaram à empresa e aguardaram novas ordens, não obstante as sanções de advertência e suspensão impostas pela reclamada.

Entende-se que não se pode cogitar que os autores obedeçam às exigências de ajustes da empresa em detrimento de seus interesses e de sua dignidade, sendo plenamente legítimo o seu direito de resistência.

Conforme VIANA, Marco Túlio. Direito de Resistência. São Paulo: LTr, 1996, p. 100,  “[...] o ius resistentiae não significa contra-ataque, retaliação ou revide, mas proteção. Essa proteção, como vimos, tanto pode se referir ao direito já posto , como, ao que se quer por [...]”.

A reclamada, contudo, apontou uma única solução diante da extinção do setor de injetados: assumir novas funções em outro setor ou pedir demissão, o que implicaria abrir mão do aviso-prévio, liberação do FGTS, férias e demais direitos decorrentes da demissão imotivada.  

Não se pode afirmar que a intenção da empresa foi de preservar os empregos dos autores, mas sim, provocar uma situação que culminasse na demissão motivada dos empregados que não concordassem com a alteração lesiva do contrato de trabalho.

As lesões de ordem moral são visíveis.

Segundo o autor já citado, na mesma obra, p. 251,  “...Embora, quase sempre, sejam os preconceitos que fazem a diferença, o fato é que, bem ou mal, eles existem e se refletem tanto na auto-estima do trabalhador como em seu status social, e até para efeito de futuras colocações.Um ex-lixeiro, por exemplo, poderá ter mais dificuldades em obter um lugar de escriturário do que alguém que nunca trabalhou. Não é a toa que muitos domésticos preferem não ter a carteira assinada...”.

E ainda, na mesma obra, citando M. Cardone, na obra Viajantes e Pracistas no Direito do Trabalho. São Paulo: RT, 1963,  “...As leis sociais não visam apenas a proteção econômica do trabalhador, mas a salvaguarda da sua própria integridade moral e esta estaria violada se se permitisse ao empregador diminuí-lo em sua qualificação profissional e situá-lo em posição humilhante perante seus companheiros,mesmo que se conservasse intangível sua remuneração.”

Portanto, restou comprovado que a atitude da reclamada, feriu a honra e a dignidade dos três autores, até mesmo porque passaram a ser vistos diante de seus familiares e demais colegas como empregados indisciplinados e insubordinados, o que é condenável nos termos do artigo 5º, X da Constituição Federal.

Por fim, refira-se que a reclamada demitiu os autores um dia após o ajuizamento da ação, caracterizando forma de impedir o acesso à jurisdição, o  que também é condenável.

No que pertine ao quantum a ser arbitrado, entende-se que, embora não se possa quantificar a dor sofrida nestas esferas, ao se fixar a indenização por dano moral se busca compensar o sofrimento objetivando atenuar o abalo do ofendido, em valor razoável do patrimônio do ofensor, de tal modo que ele não persista na conduta não desejada, ou seja, a fixação do quantum indenizatório deve levar em conta o aspecto pedagógico, com o intuito de desestimular esse tipo de prática, e a compensação face à lesão.

Considera-se também que os reclamantes, no Recurso Ordinário, requereram tão-somente o pagamento de indenização por danos morais no valor de dez salários contratuais para cada reclamante e pagamento dos  dias de serviço em que lhes foi aplicada suspensão.

Dá-se provimento ao Recurso Ordinário para deferir indenização por danos morais, nos termos em que postulado na inicial, no valor de dez salários contratuais para cada reclamante e ao pagamento dos dias descontados pelas suspensões aplicadas a cada reclamante.

 

2. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

Os  reclamantes postulam honorários advocatícios. Igualmente apontaram sua difícil situação econômica, fl. 09, verso.

Examina-se.

Entende-se que são devidos os honorários ao seu procurador, na base de 15% do montante da condenação, sendo cabível a aplicação da Lei 1.060/50, que regula, em geral, a assistência judiciária gratuita, ainda que sem juntada a credencial sindical. Medite-se que outra interpretação desta mesma Lei, com base na Lei 5.584/70, implicaria em sustentar o monopólio sindical da defesa judicial dos trabalhadores, o que seria ineficiente para muitos trabalhadores.

Recorde-se, ainda, que ao Estado incumbe a prestação de assistência judiciária aos necessitados, nos termos do art. 5º, LXXIV da Constituição, motivo pelo qual não pode adotar o expresso em diversas manifestações jurisprudenciais do TST, valendo salientar que a Instrução Normativa 27 do mesmo já admite o cabimento de honorários para as demais ações, sobre relações de “trabalho”. Ademais, em setembro de 2005, o Pleno do TRT desta 4ª Região cancelou sua anterior súmula 20 no sentido do descabimento dos honorários buscados.

Defere-se o percentual de quinze por cento a título de honorários ao advogado. 

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

Por unanimidade, dar provimento ao recurso dos autores para deferir o pagamento de indenização por danos morais, no valor de dez salários contratuais para cada reclamante; para deferir o pagamento dos dias descontados pelas suspensões aplicadas a cada reclamante e para deferir honorários de advogado de 15% sobre o valor da condenação.

Valor da condenação arbitrado em R$ 17.000,00, custas de R$ 340,00, para os fins legais.

Intimem-se.

Porto Alegre,

 

 

DESEMBARGADOR RICARDO CARVALHO FRAGA

Relator

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