EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO BANCO-RECLAMADO. VALE-TRANSPORTE. LEI Nº 7.418/85 E DECRETO Nº 95.247/87. SIMILITUDE DO TRANSPORTE INTERMUNICIPAL UTILIZADO COM O DENOMINADO “URBANO”. INEXIGÊNCIA DE QUE O DESLOCAMENTO OCORRA EM REGIÃO METROPOLITANA. A legislação relativa ao vale-transporte não exige que o deslocamento intermunicipal ou interestadual ocorra em região metropolitana para garantir o recebimento do benefício pelo empregado. Basta que haja similitude com o denominado transporte “urbano”, porque, onde o legislador não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo.

RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DOS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELOS EMPREGADOS COM A SUPRESSÃO DO FORNECIMENTO DO VALE-TRANSPORTE. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM AÇÃO COLETIVA. COMPROVAÇÃO, EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, DOS VALORES DESPENDIDOS COM O DESLOCAMENTO RESIDÊNCIA-LOCAL DE TRABALHO-RESIDÊNCIA. É possível, em Ação Civil Pública, a condenação do empregador ao pagamento de indenização pelos prejuízos sofridos pelos empregados com a supressão do vale-transporte, devendo haver a comprovação, em liquidação de sentença, dos valores despendidos com os deslocamentos de suas residências até o local de trabalho e vice-versa.

 

VISTOS e relatados estes autos de RECURSOS ORDINÁRIOS interpostos de sentença proferida pelo MM. Juízo da 22ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo recorrentes MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e BANCO DO BRASIL S.A. e recorridos OS MESMOS.

 

Contra a sentença das fls. 562-571, de lavra da Juíza Cíntia Edler Bitencourt, complementada pelas decisões de embargos declaratórios das fls. 589 e 599, de lavra da Juíza Rafaela Duarte Costa, ambas as partes recorrem ordinariamente.

O Banco-reclamado, às fls. 574-577 (com ratificação do apelo à fl. 592, após o julgamento dos primeiros embargos de declaração opostos pelo Ministério Público do Trabalho), busca absolvição da obrigação de fornecer, antecipada e mensalmente, vales-transporte para todos os seus empregados no Estado do Rio Grande do Sul que tiveram o benefício suprimido, abstendo-se da prática da supressão, sob pena de multa diária equivalente a um dia de salário de cada um trabalhador, em prol destes. Requer, ainda, a reversão dos ônus sucumbenciais; sucessivamente, pretende seja afastada a sua condenação ao pagamento das custas processuais.

O Ministério Público do Trabalho, às fls. 605-620, objetiva majorar a condenação a fim de que beneficie todos os empregados do Banco-reclamado que preencham os requisitos legais, e não apenas aqueles que tiveram o vale-transporte suprimido. Também almeja a condenação do reclamado ao pagamento de indenização aos trabalhadores prejudicados e de indenização por dano moral coletivo, reversível ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT.

Somente o reclamado apresenta contrarrazões (fls. 629-632, verso), transcrevendo jurisprudência. Às fls. 634-650, junta Acordo Coletivo de Trabalho, assinado em 29 de outubro do ano corrente, com vigência de 1º-9-10 a 31-8-11.

É o relatório.

 

ISTO POSTO:

 

CONHECIMENTO

            Tempestivos os apelos (fls. 574-577; fls. 605-620), regular a representação do reclamado (fls. 579, verso-580), custas processuais recolhidas (fl. 578, verso) e depósito recursal efetuado (fl. 578, complementado à fl. 593, com a ratificação do recurso, após o julgamento dos primeiros embargos de declaração do Ministério Público do Trabalho), encontram-se preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade.

 

I – RECURSO ORDINÁRIO DO BANCO-RECLAMADO

Supressão de vale-transporte.

O Banco-recorrente busca absolvição da obrigação de fornecer, antecipada e mensalmente, vales-transporte para todos os seus empregados no Estado do Rio Grande do Sul que tiveram o benefício suprimido, abstendo-se da prática da supressão, sob pena de multa diária equivalente a um dia de salário de cada trabalhador, em prol destes. Requer, ainda, a reversão dos ônus sucumbenciais; sucessivamente, pretende seja afastada a sua condenação ao pagamento das custas processuais. Afirma que o art. 1º da Lei nº 7.418/85 e o seu regulamento (Decreto nº 95.247/87) preveem a concessão de vale-transporte apenas para os empregados que utilizem transporte coletivo urbano, ou intermunicipal com características semelhantes aos urbanos. O caso dos trabalhadores que deixaram de receber o benefício, em seu entender, seria diverso, pois os deslocamentos efetuados não aconteceriam em transporte assemelhado ao urbano (assim considerado aquele havido entre municípios de uma mesma região metropolitana, como ocorre nas grandes cidades e seu entorno); a concessão de vale-transporte, na hipótese, estaria acontecendo por equívoco, pois os municípios de Butiá, Rio Pardo e Pantano Grande, que teriam dado ensejo à presente ação, não se enquadrariam no referido conceito. Argumenta o seguinte: “conforme informações do DAER, as linhas de ônibus trazidas em questão tratam-se de linhas de longo curso, conforme documentos de fls. 22 e 45/53... descaracterizando-se do padrão dos ônibus que realizam itinerários urbanos. Essas linhas são servidas por ônibus tipo padrão rodoviário (resposta ao ofício da fl. 57). E mais, no entendimento do recorrente, a Lei 7.418/85 está sendo cumprida, tendo em vista que o art. 1º do dispositivo legal citado está reproduzido no contrato de trabalho/regulamento interno denominado Livro de Instruções Codificadas – LIC 505.0006.00002.2414, item 12. Inclusive, no LIC constam as características das linhas e dos ônibus a serem observadas quando da concessão aos empregados: a) ter capacidade para deslocar mais de 20 passageiros sentados ou em pé; b) não possuir assentos numerados; c) circular na área urbana do município; d) efetuar deslocamento segmentado, de ponto em ponto, entre a partida e o ponto final; e) possuir serviço de cobrador ou catraca mecânica ou eletrônica, ou ainda, sistema misto; f) estar obrigado a receber o vale-transporte; g) de preferência não existir bagageiro” – fl. 575, verso. Sustenta não ter havido afronta ao art. 468 da CLT, pois teria apenas adequado “diversas situações pontuais que fogem da definição legal do benefício, haja vista que alguns funcionários recebem valores a título de vale-transporte, estando totalmente fora dos normativos da espécie... Ainda, mister registrar que o demandado, anualmente, recadastra os funcionários postulantes do vale-transporte, sendo que alguns funcionários utilizam-se de veículos próprios, negociam os vales com terceiros para converte-los (sic) em pecúnia, havendo funcionários utilitários de passagens rodoviárias – vedado pelos normativos –, o que justificou, stricto sensu, a revisão efetivada” – fl. 576. Assevera que não se pode, tendo em vista o que dispõem o art. 2º da Lei nº 7.418/85 e o art. 6º, I, do Decreto nº 95.247/87 (a natureza não salarial do vale-transporte, que não se incorpora à remuneração do empregado para qualquer efeito), considerar ter ocorrido alteração contratual unilateral e lesiva ao trabalhador. Nessa linha, acrescenta: “Mesmo que irregular o pagamento do vale-transporte durante um pequeno lapso de tempo, esse benefício não se incorpora ao patrimônio do trabalhador, sob pena de se chancelar uma vantagem salarial ao trabalhador quanto (sic) a empresa está praticando, ipso facto, uma irregularidade, em flagrante violação ao princípio da legalidade, sobretudo se tratando o reclamado é uma sociedade de economia mista, com diversos controles e mecanismos estatais. De mais a mais, a situação do deslocamento intermunicipal, fora da região urbana e o transporte por meio seletivo, mais oneroso, se traduzem numa onerosidade excessiva, sim, ao empregador, chancelando a irregularidade do benefício, cediço que, junto aos custos do vale-transporte parcialmente custeados pela empresa recorrente, pendem abatimentos em forma tributária (frente à redução de tributos) a serem recolhidos ao erário. (...) o vale-transporte não é totalmente custeado pelo empregador, estando inserido dentre as normas coletivas acordadas. Portanto, não pode ser entendida como uma prestação in natura que se incorpora ao contrato de trabalho. Ademais, a incorporação dos benefícios do vale-transporte, somente se admite para antes da entrada em vigor da Lei 7.418/85, o que, de imediato se desconhece. Ainda, é ônus do empregado comprovar a necessidade do vale transporte, a teor da OJ 215 da SDI-1 do c. TST. Por fim, o vale transporte está previsto, também, no regulamento interno do recorrente, com a mesma redação da Lei 7.418/85, sendo que a Sentença recorrida contraria os artigos 442 e 444 da CLT, pois contrária ao contrato de trabalho” – fls. 576, verso-577.

            É incontroversa a supressão do vale-transporte para alguns empregados, como visto. Também confirmam a mencionada supressão o depoimento do preposto do Banco e o testemunho do sr. Enéias Solano Lopes Neto (fls. 548-549).

            Primeiramente, analisa-se se os empregados do recorrente fazem jus ou não, pelos termos da lei, à percepção do vale-transporte. E a conclusão é no sentido afirmativo, pois a lei e o seu decreto regulamentador não fazem a restrição que o empregador alega. Veja-se, nesse sentido, recente acórdão (invocado nas razões recursais, às fls. 610-613) da Colenda 3ª Turma do Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, de relatoria da Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa: “PROCESSO Nº TST-RR-89200-49.2006.5.19.0003 ACÓRDÃO 3ª Turma RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VALE - TRANSPORTE. REQUISITOS. FATO GERADOR. A efetiva despesa de deslocamento para o trabalho e seu retorno, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual, autoriza, à luz do direito posto, a obtenção do vale-transporte, não cabendo ao interprete (sic) restringir onde o legislador não o fez. Violação do art. 1º, da Lei 7.418/85 configurada. Recurso de revista conhecido e provido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-89200-49.2006.5.19.0003, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 19ª REGIÃO e Recorrido BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S.A. - BNB. O Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, mediante o acórdão das fls. 179-82, deu provimento ao recurso ordinário do Banco, para - julgar improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho - (fl. 182). Reformou, portanto, a sentença na qual impostas ao réu as seguintes - obrigações de fazer: a) conceder o beneficio (sic) do vale-transportes a todos os trabalhadores que residam em Maceió e laborem no interior do Estado de Alagoas ou vice-versa, ou mesmo que se enquadre em situação semelhante; b) restituir aos trabalhadores os valeres (sic) relativos às despesas de transportes efetuados por cada um, desde que comprovados, a partir da suspensão do benefício até a reimplantação, na próxima folha de pagamento, após a ciência desta decisão, tendo em vista a antecipação dos efeitos da tutela, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 por empregado que tenha direito ao benefício, até o limite de R$ 100.000,00, por empregado, reversível ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador - (fl. 120). Opostos embargos de declaração pelo Banco, foram rejeitados (fl. 208-9). Interpõe recurso de revista o Ministério Público (fls. 186-90), forte na alínea - c - do art. 896 da CLT. (...) Admitido o recurso de revista pelo despacho das fls. 212-3. Contrarrazões às fls. 217-30. Dispensada a remessa ao Ministério Público do Trabalho (art. 83, § 2º, I, do RITST). É o relatório. VOTO (...) 2. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS O Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, mediante o acórdão das fls. 179-82, deu provimento ao recurso ordinário do Banco, para - julgar improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho - (fl. 182). (...) Eis os fundamentos: - MÉRITO Sabe-se que, em matéria de interpretação de lei, o intérprete não pode distinguir aonde a norma não o faz. Ou por outra: o intérprete não pode ver mais do que a lei. Dito isto, força é examinar detidamente o que diz o art. 1º, da Lei 7.418/85, verbis: ‘Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linha regular e com tarifas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais’. Como se vê, o espírito do legislador foi o de instituir benefício para, 1) cobrir despesas de deslocamento por parte do empregado para o exercício do seu mister; 2) que o transporte por ele utilizado tenha características marcadamente urbanas. Ora, se a característica tem que ser necessariamente urbana ou semelhante a isto, para ser fiel à literalidade do texto legal ‘sub-examen’, a única interpretação que se pode fazer é que a expressão ‘urbanos’, usada pelo legislador, tem o caráter de vincular o benefício a trajetórias realizadas dentro do perímetro urbano ou, quando muito, em áreas limítrofes, vale dizer, o trabalhador tem que morar, necessariamente, no município do emprego ou, no máximo, em regiões fronteiriças, isto é, próximo a ele, emprego. Não fosse assim, o empregado que morasse, por exemplo, na região mais longínqua de Alagoas, v.g., Delmiro Gouveia, também seria beneficiário do vale-transporte pelo simples fato de eventualmente morar na capital e ter de se deslocar a ela com regularidade, hipótese em que a razão do benefício não seria mais para fazer face à despesa com o deslocamento para o trabalho, mas para qualquer deslocamento, não importando a distância que tal deslocamento encerra, num critério que não me parece guardar coerência com a realidade, que não se assenta com os parâmetros de razoabilidade. Tenha-se que é o próprio texto da lei que prescreve que o emprego do vale-transporte tem que ser para ‘utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa’, o que pressupõe deslocamento habitual, e essa habitualidade, a meu juízo, não pode ser dissociada da distância entre o trabalho e a residência, vale dizer, ambos terão que ser, necessariamente, próximos, isto é, dentro de um mesmo perímetro urbano, abrangendo, quando muito, regiões limítrofes, campo já referido anteriormente. Sendo este, portanto, o fim teleológico da lei que instituiu o benefício, não há lugar para que se dê uma interpretação ampla ao direito, posto que contraria a vontade da norma, isto é, o benefício não pode ser concedido ‘lato sensu’, mas ‘stricto sensu’. Com base nessas considerações, conheço do recurso ordinário para, em rejeitando as contra-razões porque intempestivas, dar provimento ao apelo para julgar improcedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. - Por ocasião do julgamento dos embargos declaratórios opostos pelo Banco, o Tribunal Regional, pelo acórdão das fls. 208-9, não vislumbrou vício a ensejar fundamentação adicional. Interpõe recurso de revista o Ministério Público (fls. 186-90), forte na alínea - c - do art. 896 da CLT. Sustenta que - quisesse o legislador restringir a abrangência da Lei nº 7.418/85, a fim de conceder o benefício apenas quando utilizado transporte em determinado raio de distância ou para acesso a municípios vizinhos ou limítrofes, o teria feito expressamente ou, também, de forma expressa, remeteria à regulamentação do que deveria ser considerado requisito para obtenção do benefício, o que não fez -. Assevera que - ao revés, a lei foi bastante clara ao prever a concessão do benefício aos empregados que se utilizem de transporte coletivo urbano, intermunicipal e/ou estadual com características aos urbanos. Não há, repise-se, qualquer restrição referente á (sic) distância entre o local de trabalho e o de residência do empregado -. Pondera, ainda, que - a legislação permite que, na falta de vale-transporte em espécie, o empregado poderá fazer as despesas por sua conta e, na folha de pagamento, após a indispensável comprovação, ser ressarcido das despesas com transporte efetivamente realizadas - (fl. 190). Aponta violação dos arts. 1º da Lei 7.418/85 e 5º do Dec. 95.247/87. Não colige arestos. A revista alcança conhecimento. O direito ao vale-transporte está previsto no art. 1º da Lei 7.418/85, de seguinte teor: Art. 1º Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais. Da leitura do dispositivo mencionado, verifica-se que para cobrir as despesas com o deslocamento da residência para o trabalho e vice-versa, foi garantido ao trabalhador o vale-transporte, através do sistema de transporte público, seja ele urbano, intermunicipal ou até mesmo interestadual. Assim, se a própria lei prevê a garantia do vale ao empregado usuário de transporte coletivo interestadual, não pode prevalecer a interpretação do Tribunal Regional, que condiciona o seu recebimento a uma distância máxima entre residência e local de trabalho, sob o argumento de que ao utilizar expressão - urbano -, quis o legislador limitar o benefício aos trabalhadores residentes no mesmo município do local de trabalho, ou, no máximo, a regiões limítrofes. A interpretação emprestada ao texto do dispositivo legal em exame não pode estar dissociada do conjunto de elementos passíveis de informar a vontade do legislador ordinário. E, nesse espectro, compreendo que a norma assegura o vale transporte, sem a limitação pretendida pela Corte de origem, bastando, pois, sejam observadas as condições ali expressamente previstas: - deslocamento residência-trabalho e vice-versa -, - linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais - e utilização do - sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos - (destaquei), cabendo, quanto a esta condição, destacar que o legislador, ao lançar mão da conjunção coordenativa alternativa - ou -, entre urbano, intermunicipal e interestadual, culmina por afastar da interpretação da norma qualquer exigência no sentido de que eminentemente urbano o trajeto. Ora, à luz do texto legal, inegável que o deslocamento pode se dar em área urbana ou entre urbes - intermunicipal e/ou interestadual - não comportando, nessa última hipótese, a exegese do Tribunal de origem de que as - trajetórias [devem ser] realizadas dentro do perímetro urbano - e, ainda, que - o trabalho e a residência... terão que ser, necessariamente, próximos, isto é, dentro de um mesmo perímetro urbano, abrangendo, quando muito, regiões limítrofes -. Assim, não parece razoável, data venia, exegese restritiva que sonega aos trabalhadores residentes a maior distância do posto de trabalho, e, que, consequentemente, têm maiores gastos com o deslocamento, necessitando inclusive de transporte público intermunicipal ou interestadual, o direito ao vale-transporte, quando, em última análise, dele mais necessitariam... Tal interpretação, entendo, depõe contra os princípios informadores do direito do trabalho. De fato, não vislumbro na lei restrição a concessão do vale-transporte, a uma distância máxima entre residência e local de trabalho, e, como é cediço, não cabe ao interprete (sic) restringir direitos onde o legislador não o fez. Ao contrário, quis o legislador salvaguardar todos os trabalhadores, independentemente da distância, do gasto com o deslocamento para o trabalho e seu retorno, muitas vezes excessivo. Tanto é assim que previu a concessão do vale para o transporte intermunicipal e interestadual. Tampouco prosperaria qualquer argumento no sentido de que indevido o vale-transporte a regiões longínquas umas das outras, à falta de vale para o transporte público ofertado, seja ele intermunicipal ou interestadual. Digo isso, porque o art. 5º, parágrafo único, do Dec. 95.247/87 (regulamento do vale-transporte) prevê a possibilidade do pagamento em dinheiro, nos seguintes termos: - Art. 5º É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento. - A efetiva despesa de deslocamento para o trabalho e seu retorno, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual, sem dúvida autoriza, à luz do direito posto, a obtenção do vale-transporte, não cabendo ao interprete restringir onde o legislador não o fez. Conheço, pois, por violação do art. 1º, da Lei 7.418/85. II - MÉRITO Corolário do conhecimento do recurso de revista, por violação do art. 1º da Lei 7.418/85, é, ao exame do mérito, o seu provimento para restabelecer a sentença. Revista provida. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do art. 1º da Lei 7.418/85, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença. Brasília, 10 de março de 2010. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) ROSA MARIA WEBER CANDIOTA DA ROSA Ministra Relatora” – julgado em 10-3-10.

O Ofício da fl. 57, invocado pelo recorrente, contém a seguinte informação: “...todas as linhas constantes nas fichas cadastrais em anexo estão classificadas no sistema como linhas de longo curso e operam serviços na modalidade direta, semi-direta e comum, conforme está indicado na coluna, imediatamente após o horário. O serviço (ou horário) executado na modalidade comum opera efetuando embarque e desembarque de passageiros ao longo de todo percurso (pinga-pinga). O veículo trafega com cobrador a bordo e é utilizado veículo tipo padrão rodoviário”. Não há dúvida, portanto, que a modalidade comum é similar ao transporte urbano.

Irrelevante, assim, que o empregador faça parte da Administração Pública Indireta.

            Aliado a isso, tem-se que os empregados que recebiam o vale-transporte por determinado critério não poderiam vê-lo alterado em seu prejuízo, ainda que o referido benefício não tenha natureza salarial e não se integre à remuneração para qualquer efeito. A vantagem em si, independentemente de sua natureza, incorpora-se ao contrato de trabalho na forma ajustada. Aplicável, portanto, o art. 468 da CLT, tal como entendeu o Juízo de origem.

            Esta Colenda 3ª Turma já analisou caso praticamente idêntico, em ação movida pelo Sindicato da categoria profissional, como substituto processual de uma única empregada, contra o mesmo empregador: “3. VALES-TRANSPORTE. O reclamado busca a reforma da sentença para afastar a condenação ao pagamento do vale-transporte suprimido em junho de 2006, em parcelas vencidas e vincendas. Sustenta, em resumo, que o transporte utilizado pela substituída não se enquadraria naqueles previstos na Lei nº 7.619/87. Refere que o trajeto seria realizado por ônibus rodoviário e não ônibus urbano, não havendo a semelhança de veículos requerida na lei. Diz que teria suprimido a concessão do vale-transporte à substituída para se adequar à legislação, já que ela não se enquadrava nos requisitos legais. Sinala que a decisão estaria violando os dispositivos da referida lei e o art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição da República. O Juízo a quo condena o demandado a pagar a substituída Ilair Luiza Andreolla Debona os valores correspondentes ao vale-transporte utilizado, em parcelas vencidas e vincendas, enquanto a mesma permanecer utilizando transporte público entre Marau e Passo Fundo, sob o fundamento de que houve ofensa ao art. 468 da CLT e que a legislação que regula a concessão do benefício não exclui o transporte intermunicipal, para o qual os trabalhadores mais necessitam do vale-transporte. Fundamenta, ainda, que retirar o benefício da substituída pode resultar na dificultada (sic) de prestação de trabalho, em face do aumento de despesas. Examina-se. Na petição inicial, o sindicato autor alega que a substituída recebeu vale-transporte para o deslocamento da cidade de Marau, onde mora, até o local de trabalho, na agência do bairro Boqueirão de Passo Fundo, somente até o início do ano de 2006. Afirma que o pagamento dos vales-transporte tinha por fundamento legal o art. 3º da Lei Federal nº 7.418/85, regulamentada pelo Decreto nº 95.247/87, que estabelece a utilização do vale-transpor (sic) em todas as formas de transporte coletivo, intermunicipal e interestadual, com características semelhantes ao transporte coletivo urbano. Diz que a situação da substituída se enquadra na disposição legal e, por isso, requer a condenação do reclamado ao pagamento retroativo do vale-transporte desde a data da suspensão do fornecimento desse, argumentando que teria sido violada a lei mencionada, bem como alteração unilateral do contrato de trabalho, lesiva à empregada. Na contestação (fls. 78-97), o banco reclamado afirma que o transporte utilizado pela substituída não se adequava aos requisitos e características daquele amparado pela lei. Diz que, em razão disso, suprimiu o fornecimento do vale-transporte por ausência de amparo legal. Aduz que o trajeto realizado pela substituída seria feito por ônibus rodoviário e não ônibus urbano. O art. 1º da Lei nº 7.418, de 16/12/1985, dispõe (fl. 18): ‘Fica instituído o Vale-Transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais’. A substituída recebia o vale-transporte até junho de 2006, tendo em vista que utilizava transporte coletivo intermunicipal para trabalhar. A supressão desse benefício de forma unilateral pelo reclamado se constitui em alteração unilateral do contrato de trabalho lesiva à empregada. Ainda que a legislação aplicável ao caso excluísse expressamente o tipo de veículo utilizado pela substituído, salientando-se que não o faz, o fato de o reclamante (sic), por liberalidade, ter mantido o fornecimento do vale-transporte por determinado tempo à substituída, implica em adesão de cláusula mais benéfica ao contrato de trabalho. No que se refere às características do veículo, no caso, não há relevância, porquanto trata-se de interpretação da norma legal, não cabendo interpretá-la para restringir direitos da empregada. A empregada morava em uma cidade e laborava em outra, distante alguns quilômetros, aproximadamente 30 Km, necessitando utilizar o transporte intermunicipal. Como referido na sentença, negar o vale-transporte à substituída, ainda mais quando ela já vinha recebendo o benefício, implica criar para a empregada despesa que não havia sido prevista quando do início do trabalho na referida agência. Assim, cabe ao reclamado responder pelo ônus da supressão do benefício que vinha concedendo à substituída, uma vez que não pode se utilizar de interpretação da norma legal para criar custos para a empregada, em razão do trabalho dela exigido. Não se observa que a decisão proferida viole quaisquer dispositivos de lei ou da Constituição da República, especialmente os invocados pelo reclamado. Sentença mantida” – processo nº 00122-2007-661-04-00-8 RO; relator o Desembargador Ricardo Carvalho Fraga; julg. em 28-5-08 e pub. em 09-6-08.

            Outras Turmas deste Regional já adotaram o mesmo posicionamento: “EMENTA: VALE-TRANSPORTE. A supressão, pelo empregador, de benefício que já integra o patrimônio jurídico do trabalhador caracteriza-se como alteração contratual lesiva, sendo nula, nos termos do art. 468 da CLT. Recurso não provido. (...) O vale-transporte é devido ao substituído em face de imposição legal, de modo que o art. 3º do Decreto 95.247/87 estabelece que este também é devido no caso de empregado que utilize transporte intermunicipal e interestadual com características semelhantes ao urbano (fl. 21). No caso dos autos, o transporte coletivo utilizado pelo trabalhador, embora seja intermunicipal, possui típicas características de transporte coletivo urbano, com embarques e desembarques de passageiros durante todo o percurso, inclusive com cobrador a bordo, conforme descrito pelo DAER (fl. 15). Ao contrário do que alega o reclamado, no caso de utilização de transporte intermunicipal, para ensejar direito ao benefício do vale-transporte, não é necessário que o transporte coletivo circule entre municípios dentro de uma mesma região metropolitana, pois a lei não impõe nada nesse sentido. A previsão legal é que o transporte intermunicipal tenha características semelhantes ao do transporte coletivo urbano. Isso é suficiente para dar direito ao benefício do vale-transporte. No caso, tais características são identificadas pela descrição do DETRAN (fl. 15). Além disso, na hipótese dos autos, o referido benefício é devido por estar integrado ao patrimônio jurídico do trabalhador, sendo incontroverso que o vale-transporte foi concedido de forma integral ao substituído até início de 2006, quando, por ato unilateral, foi suprimido. Nos termos do art. 468 da CLT, ‘Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula.’ infringente desta garantia. Nesse passo, a supressão do pagamento do vale-transporte pelo reclamado é nula, razão pela qual não merece reforma a sentença. Nega-se provimento” – processo nº 00054-2007-471-04-00-8 RO, da Colenda 6ª Turma, relator o Juiz-Convocado Marçal Henri Figueiredo, julg. em 30-7-08 e pub. em 08-8-08; “EMENTA: VALE-TRANSPORTE. Empregada que utilizava transporte intermunicipal na modalidade comum e operado de forma semelhante ao urbano. Alteração dos critérios para o fornecimento do benefício do vale-transporte que viola o disposto no art. 468 da CLT. Recurso ordinário do reclamado não provido. (...) A questão diz respeito à obrigação de fornecimento de vales-transporte para deslocamento intermunicipal. Discute-se se o transporte coletivo utilizado pela substituída caracterizava-se como intermunicipal com características semelhantes às do urbano e se, mesmo não se enquadrando nesse conceito, haveria direito da substituída de manter o recebimento tal benefício. O documento da fl. 20 consiste em comunicação enviada pelo Departamento de Transporte Coletivo do DAER em 31-7-06, na qual consta que o transporte utilizado pela substituída trata-se de linha de longo curso, sendo os serviços executados na modalidade comum e operados de forma semelhante aos urbanos, com embarques e desembarques de passageiros ao longo de todo o itinerário. A comunicação mencionada consigna, ainda, que os veículos utilizados são de categoria padrão e trafegam com cobrador a bordo. Registra, por fim, que todas as empresas concessionárias do DAER estão autorizadas a emitir vale-transporte em suas linhas. Embora o documento da fl. 117, juntado pelo sindicato-autor, informe que as características do ônibus não correspondem às dos veículos destinados ao transporte urbano, consigna que a linha opera na modalidade comum, com embarque e desembarque de passageiros ao longo de todo o itinerário. Assim, do mesmo modo como entendido na sentença de origem, não se verifica a existência de diferenças significativas entre o transporte coletivo urbano e aquele utilizado pela substituída que justificasse a supressão do pagamento do vale-transporte. Ademais, a necessidade de custear o transporte do empregado decorre do fato de ser o empregador quem deve responder pelo custo da atividade econômica, não podendo transferir este ônus ao empregado. Quanto à aplicabilidade do art. 468 da CLT ao caso, entende-se que a alteração dos critérios para o fornecimento do benefício do vale-transporte (e não a supressão do vale-transporte em si) viola o dispositivo consolidado, uma vez que a reclamada admite que durante longo período ressarciu a substituída dos valores relativos ao deslocamento em condições semelhantes às verificadas após a remoção da empregada para outra agência. (...) Por fim, registra-se que é do empregador o ônus de comprovar que esteve desonerado do fornecimento do vale-transporte, como bem destacado na sentença. É o empregador que ocupa posição de superioridade na relação processual. Por isso mesmo também possui o dever de documentação. Levando-se em conta que o fornecimento dos vales-transporte decorre de lei, constituía ônus do empregador comprovar o desinteresse do empregado em recebê-los, hipótese em que se desobrigaria de fornecê-los. Nega-se provimento ao recurso” – processo nº 00021-2008-471-04-00-9 RO, da Colenda 1ª Turma, relator o Desembargador José Felipe Ledur, julg. em 04-12-08 e pub. em 10-12-08; “EMENTA: ALTERAÇÃO CONTRATUAL - VALE-TRANSPORTE - SUPRESSÃO. Configura-se ilícita alteração contratual que importe supressão de benefício habitualmente concedido aos empregados, independentemente da análise dos requisitos legais para percepção do vale-transporte. Aplicação do artigo 468 da CLT. (...) É incontroverso que o reclamado, a partir de novembro/2006, pretendeu suprimir a concessão do benefício do vale-transporte a alguns de seus funcionários, por entender não estarem enquadrados nos pressupostos da Lei 7.418/85, instituidora do benefício. O Banco reconhece que, ao promover o recadastramento dos funcionários postulantes do vale-transporte, entendeu haver irregularidades, já que muitos residiam em outros municípios, percebendo o benefício, embora não tipificada a região metropolitana e o transporte similar ao urbano. Essa circunstância, portanto, teria justificado o cancelamento de alguns benefícios. Para o deslinde da questão, desnecessário definir como urbano ou com características semelhantes ao urbano o transporte coletivo público utilizado pelo funcionário. No caso, é evidente a alteração unilateral nos critérios adotados para a concessão do benefício, na medida em que, até novembro/2006, o reclamado concedia o vale-transporte aos funcionários sem cogitar das restrições ora invocadas. Nessa senda, a supressão do benefício constituiria alteração unilateral das condições estabelecidas no contrato de trabalho, causando prejuízo direto aos empregados, o que é defeso, consoante o disposto no caput do art. 468 da CLT. Também não interessa ao caso o previsto no art. 2º da Lei 7.418/85, o qual estabelece não ter natureza salarial, nem se incorporar à remuneração o vale-transporte concedido. Friso que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, o art. 468 não restringe a proibição de alteração contratual apenas a verbas de natureza salarial ou remuneratória, mas refere-se a qualquer tipo de alteração contratual lesiva. Nesse sentido já decidiu esta Turma: VALE-TRANSPORTE PAGO POR LIBERALIDADE DO EMPREGADOR. SUPRESSÃO UNILATERAL. ILEGALIDADE. É ilícita a supressão do benefício habitualmente concedido ao empregado independentemente do preenchimento dos requisitos legais para sua percepção, agressiva do princípio da inalterabilidade lesiva do contrato de trabalho consagrado no art. 468 da CLT. (processo nº 00017-2005-661-04-00-7, Rel. Juiz Milton Varella Dutra, pub. 17/05/2006). De outro lado, alega o recorrente que, sendo uma sociedade de economia mista, é imperioso o ajustamento da concessão do vale-transporte aos termos da Lei 7.418/85 por observância ao princípio da legalidade. Entendo despropositado tal argumento, pois as normas inerentes à administração pública não se sobrepõem àquelas inerentes ao direito do trabalho, não justificando a alteração nas condições dos contratos mantidos com os empregados. Nesse contexto, observa-se que a pretensão do Banco reclamado denota efetiva alteração contratual lesiva, em afronta ao art. 468 da CLT, impondo-se a manutenção da sentença” – processo nº 01205-2006-016-04-00-0 RO, da Colenda 4ª Turma, relator o Desembargador Ricardo Tavares Gehling, julg. em 05-6-08 e pub. em 17-6-08.

Não se cogita, assim, de violação aos arts. 2º da Lei nº 7.418/85, e 6º, I, do Decreto nº 95.247/87, ou aos arts. 442 e 444 da CLT. Quanto ao ônus da necessidade de uso de transporte coletivo, cabe ao empregador exigir dos empregados declaração com as informações respectivas. A sentença, ora confirmada, não contraria a Orientação Jurisprudencial nº 215 da SDI-I do Eg. TST.

O fato de haver participação dos empregados no custeio do vale-transporte não impede a condenação, visto que não se está vedando ao recorrente a realização do respectivo desconto. Quanto à questão tributária, cabe ao recorrente tomar as medidas necessárias à obtenção dos benefícios.

Por consequência do ora decidido, não há falar em reversão dos ônus sucumbenciais. Igualmente, inexiste base legal para a pretendida absolvição do pagamento das custas processuais, porquanto sucumbente o recorrente.

 Nega-se provimento ao recurso do Banco-reclamado.

 

II – RECURSO ORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

 

1. Extensão da condenação a todos os empregados do Banco-reclamado que preencham os requisitos legais.

            Não se conforma o recorrente com a abrangência do decisum. Pretende que sejam beneficiados com as obrigações impostas ao recorrido todos os trabalhadores que preencherem os requisitos legais para a percepção do vale-transporte, quando usuários do sistema de transporte coletivo urbano, ou intermunicipal ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, conforme pedido formulado no item V.a da petição inicial (fl. 14). Alega: “a nosso ver de modo incompreensível, a sentença limita o seu comando apenas aos empregados que tiveram tal benefício suprimido (antes da sentença, portanto, segundo presume-se da redação), deixando fora de seu alcance todos os demais. Para que se perceba o equívoco em que tal comando implica, basta ver que o Réu poderia, por exemplo, deixar de fornecer o vale-transporte para qualquer dos seus empregados que esteja fora do grupo que já teve o benefício suprimido, sem que com isso descumpra qualquer aspecto do comando sentencial. Tal situação mostra-se ilógica, pois se a sentença reconhece que a conduta do Réu é ilícita, não há qualquer razão jurídica para vedar a sua prática apenas em relação aos que já foram prejudicados... esta limitação de modo algum se harmoniza com os princípios da prevenção e da coletivização das demandas, que orientam o processo coletivo, em especial a ação civil pública. (...) se o Réu afirma claramente que realiza - e continuará realizando - uma revisão anual do (sic) beneficiários do vale transporte, considerando os parâmetros até aqui por ele utilizados, é claro e real o risco aos demais empregados de sofrer igual lesão, pois a qualquer momento podem ver suprimido o benefício” – fls. 608-609.

            Em contrarrazões, o Banco afirma que concede o vale-transporte conforme previsto em normas coletivas. Um dia após, mas ainda dentro do prazo de oito dias, apresenta Acordo Coletivo de Trabalho, assinado em 29 de outubro do ano corrente (após a prolação da sentença, que é de 14-5-10), com vigência de 1º-9-10 a 31-8-11. A cláusula décima primeira, porém, que trata do vale-transporte, em nada contribui para o deslinde do presente item do recurso. Ela prevê: “O BANCO concederá Vale-transporte ao funcionário optante, que lhe será entregue até o quinto dia útil de cada mês, em conformidade com o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal e em cumprimento das disposições da Lei nº 7.418, de 16.12.1985, com a redação dada pela Lei nº 7.619, de 30.9.1987, e do regulamento definido pelo Decreto nº 95.247, de 17.11.1987. Parágrafo Primeiro – A participação do BANCO nos gastos de deslocamento do funcionário será equivalente à parcela que exceder a 4% do seu salário básico, conforme o parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 7.418/85. Parágrafo Segundo – (...)” – fl. 637, verso.

            Razão assiste ao recorrente.

            Os fundamentos utilizados na petição inicial e o pedido formulado abrangem todos os empregados do recorrido. Embora limitada a condenação ao Rio Grande do Sul, ela deve abranger todos os trabalhadores no Estado, e não apenas aqueles que já sofreram a supressão.

            Dá-se provimento ao apelo, neste particular, para aumentar o universo dos beneficiários dos comandos da sentença.

 

2. Indenização dos empregados prejudicados com a supressão do vale-transporte.

            Não se conforma o recorrente com o indeferimento do pedido de condenação do ora recorrido ao pagamento de indenização aos empregados que sofreram supressão do vale-transporte. Afirma que a pretensão não importa em cerceamento de defesa do Banco, pois em liquidação de sentença é que haverá a comprovação dos gastos de cada trabalhador. Diz que, ao contrário do que entendeu o Juízo a quo, não há necessidade de comprovação de prejuízo, pois este é presumido, óbvio e evidente, sequer negado pelo recorrido.

            Procede o apelo, novamente.

            O Banco-recorrido tem a lista dos empregados que recebiam o vale-transporte e sofreram a supressão, conhecendo inclusive os valores despendidos por cada um deles. Basta que, em liquidação de sentença, se proceda à habilitação dos trabalhadores, com aplicação analógica da Lei nº 8.078/90. A condenação, neste aspecto, não cerceia a defesa do empregador nem lhe retira a possibilidade de ampla defesa. Correto o recorrente quando afirma: “este é o tipo de situação em que não se percebe qualquer razão para exigir o ajuizamento de dezenas ou centenas de ações individuais, abarrotando o judiciário de lides repetitivas, quando a questão pode ser facilmente solucionada nos autos da presente ação, de natureza coletiva” – fl. 615. O acórdão do Eg. TST, transcrito na análise do recurso do Banco, teve este mesmo posicionamento ao restabelecer a sentença que determinava a restituição dos valores gastos pelos trabalhadores com transporte.

            Acresce-se à condenação, portanto, o pagamento de indenização dos valores gastos pelos empregados com transporte, com juros e correção monetária, conforme for apurado em liquidação de sentença.

            Tal entendimento não fere os arts. 944 e seguintes do Código Civil, invocados pelo Banco em contrarrazões.

 

3. Indenização por dano moral coletivo.

            Por fim, o recorrente pretende acrescer à condenação o pagamento de indenização, no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), reversível ao Fundo de Amparo do Trabalhador – FAT, por dano moral coletivo. Assevera que a postulação é mera decorrência do reconhecimento da ilicitude da conduta do ora recorrido e do prejuízo sofrido por seus empregados. Diz que a referida indenização encontra amparo na Lei da Ação Civil Pública e também no Código de Defesa do Consumidor, sendo o dano moral coletivo aferível por culpa objetiva. Invoca o art. 21, XXIII, “c”, da Constituição, o art. 927, parágrafo único, do Código Civil e o art. 14 do CDC, alegando que a “vítima”, no caso, é a coletividade dos trabalhadores e a própria sociedade, tendo em vista a violação da ordem social. Transcreve jurisprudência.

            Neste aspecto, razão não lhe assiste.

            A conduta do empregador está sendo “punida” com a presente ação, que lhe impõe restabelecer o fornecimento de vale-transporte, sob pena de pagamento de multa diária, com a vedação de novas supressões e com a condenação ao pagamento dos gastos realizados pelos empregados, com juros e correção monetária. Isso repara adequadamente os prejuízos sofridos pelos empregados. Não se pode considerar, na espécie, ter havido afronta à “ordem social”. Embora irregular o ato do empregador, não chegou a causar dano moral aos trabalhadores que sofreram a supressão do vale-transporte; menos ainda foi ferida a coletividade dos trabalhadores e a sociedade como um todo. Se assim se considerasse, qualquer sonegação de direito trabalhista se enquadraria como ato ensejador de dano moral, reparável mediante indenização. Não houve humilhação dos empregados, abalo psicológico ou atentado à sua honra.

            Nega-se provimento.

            Inexiste, no presente entendimento, afronta ao art. 21, XXIII, “c”, da Constituição, ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil e ao art. 14 do CDC. Também não há violação a qualquer dispositivo da Lei nº 7.347/85 (da Ação Civil Pública).

 

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: à unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário do Banco-reclamado. Também à unanimidade, dar provimento parcial ao recurso ordinário do Ministério Público do Trabalho para: a) ampliar o universo dos beneficiados com a obrigação do Banco-reclamado de fornecimento de vale-transporte e com a vedação de sua supressão, estendendo-a a todos os empregados que preencherem os requisitos da lei; b) acrescer à condenação o pagamento de indenização aos trabalhadores prejudicados com a supressão do vale-transporte, conforme for apurado em liquidação de sentença.

Valor da condenação acrescido de R$ 5.000,00 para os fins legais. Custas processuais, pelo reclamado, acrescidas proporcionalmente de R$ 100,00.

Intimem-se.

Porto Alegre, 26 de janeiro de 2011 (quarta-feira).

 

 

 JOÃO GHISLENI FILHO

Relator

 

 

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