A NECESSIDADE DE REPENSAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO [1]

Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga

 

Os embargos de declaração são criação lusitana, cuja origem remonta às Ordenações Afonsinas, tendo ingressado na legislação brasileira já em 1850, através do Decreto n. 737.

Sempre mantendo o sentido original de sanar dúvidas,  completar omissões, esclarecer obscuridades ou  de aclarar o autêntico alcance das decisões, os embargos de declaração, no Direito nacional,  atravessaram o século XX  até sua última regulação, ocorrida em 1974, plasmada nos artigos 535 a 538 do atual CPC. 

Os embargos de declaração, conforme o art. 535, são cabíveis quando “houver obscuridade ou contradição” na decisão judicial ou quando este tiver “omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal”.

Assim, estes podem ser propostos para suprir omissões, esclarecer obscuridades ou sanar contradições de qualquer tipo de decisão judicial, inclusive a de tribunais superiores, independentemente se a decisão é prolatada  em processo de conhecimento,  de execução ou cautelar. Pacífico, hoje, o cabimento dos embargos de declaração seja para esclarecer sentença, seja para acórdãos. Da mesma forma, cabem os embargos em decisões definitivas, decisões interlocutórias e, mesmo, em despachos de mero expediente.

Também é possível à parte lançar mão dos embargos de declaração para retificar erro material (ainda que, em relação a este, seja possível a retificação a qualquer tempo ou, mesmo, de ofício pelo juiz.

Controvertida a doutrina a respeito da natureza dos embargos de declaração, há os que o classificam como mais uma forma de recurso,  enquanto que outros  o admitem apenas como uma forma de correção. A grande maioria dos processualistas  entende que os embargos de declaração constituem uma espécie de recurso. Por todos,  pode-se citar o Prof. Ovídio Batista da Silva, que sustenta, em favor dessa tese,  a inequívoca possibilidade da decisão dos embargos de declaração ter efeitos infringentes, bem como pelo fato de os embargos de declaração estarem expressamente previstos no capítulo dos recursos do Código de Processo Civil.

Pode-se constatar a bem marcada intenção do legislador em propiciar ao julgador, a pedido da parte, a possibilidade de alterar a decisão prolatada pela própria redação do inciso II do art. 463 do CPC, quando a admite por meio de embargos de declaração.  Não se trata, portanto, de uma típica retratação, mas de uma abertura à alteração do julgado, em benefício do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional.

Assim, admite-se um reexame da matéria em casos de erros de fato ou contradições, mesmo em aspectos essenciais, sendo que, em casos de omissão, na realidade estaremos mais propriamente diante de uma nova decisão – e não de uma revisão da decisão anterior. 

Portanto, em linhas gerais, temos um instituto processual dos mais antigos, voltado à idéia fundamental de viabilizar, no momento mais crucial do processo (o da decisão judicial), que esta possa ser a mais clara possível, de forma que a justiça  feita de maneira adequada.

Tornam-se, os embargos de declaração também, uma forma de democratizar o processo de produção da decisão judicial, além de aproximar mais a decisão judicial do interesse concreto da parte, seja no esclarecimento dos pontos da lide que a parte entende como relevantes, seja no uso de uma linguagem mais apropriada ao entendimento das partes e da própria sociedade.

Tão nobres propósitos, entretanto, são, muitas vezes, desvirtuados no cotidiano dos processos judiciais, de forma que os embargos de declaração  já pouco servem para o aperfeiçoamento da prestação judicial, a ponto de que já se fala em sua simples extinção por meio de alteração da norma processual.

Na prática, constata-se a utilização exacerbada dos embargos de declaração pelas partes litigantes, seja para obtenção de uma indevida ampliação do  prazo recursal, seja como instrumento de manifestação da inconformidade da parte com a decisão prolatada.

Talvez legislador pretendesse que haveria um contraponto a essa abertura aos expedientes protelatórios através da multa prevista no artigo 538, parágrafo único do CPC.

As hipóteses de cabimento de embargos de declaração, a partir da alteração ocorrida pela Lei n. 8950/94,.são as de contradição, obscuridade ou omissão. Corretamente não há mais falar em dúvida, já que esta não é defeito que se pode imputar à decisão, mas justamente o efeito causado por eventual falha na sentença.

A contradição que a norma processual pretende sanar, conforme a doutrina, é aquela que se estabelece entre  “duas proposições inconciliáveis”,  ambas contidas na própria decisão. Assim, pode haver conflito entre capítulos da decisão, entre a fundamentação e o “decisumou,mesmo, entre a ementa e o corpo da decisão.  Não se trata, portanto, na contradição que “no sentir da parte, resulta de incorreta aplicação do direito à controvérsia ou a aplicação de normas que o embargante entenda excluírem-se”.. Sendo um “erro lógico”, não se confunde, portanto, como o “erro in judicando”. Da mesma forma, não há falar em contradição passível de embargos de declaração se o vício apontado se reportar “a antagonismo entre a prova dos autos e o desfecho atribuído à decisão ou a interpretação conferida à texto legal”.

Ou seja, trata-se de uma contradição suficientemente grave para configurar uma razoável dúvida sobre o exato teor da decisão, que se mostra ambígua, aparentemente acolhendo simultaneamente teses mutuamente excludentes. Não se pode falar em “contradição inconciliável” quando, ao contrário, o conflito não se estabelece objetivamente, mas tão-somente no entendimento particular e subjetivo da parte, entre a tese acolhida pela decisão judicial e os argumentos esgrimidos pela parte no processo.

 Assim, somente se pode falar em contradição a ser reparada pela via dos embargos de declaração quando esta se configura entre os termos contidos na própria decisão – e não entre esta e outros elementos do processo ou fora dele.

A obscuridade ocorre quando a decisão não logra deixar claro o exato teor da decisão. Conforme José Frederico Marques, a obscuridade deve ser de tal forma que torna o texto “ambíguo e de entendimento impossível”. Assim, a falta de clareza deve ser fator que compromete a perfeita interpretação do real conteúdo da decisão, tornando insatisfatória a prestação jurisdicional. Entretanto, não se verifica obscuridade sanável pela via dos embargos de declaração quando não subsistem dúvidas razoáveis quanto ao que foi decidido, mas mera insatisfação da parte quanto aos argumentos acolhidos na fundamentação da sentença.  Ou seja, quando a sentença é perfeitamente compreensível, ainda que acolhendo fundamentos que a parte entende que não sejam os mais corretos, não estará deixando de “esclarecer o direito”, mas tão-somente adotando um entendimento que, na ótica subjetiva da parte, não é o mais “iluminado” – e que, portanto, não é o que melhor clarifica a relação jurídica examinada. Assim, ainda que a análise dos fatos e do direito envolvido não atinja a “claridade” que a parte esperava, nem por isso haverá de se entender que a decisão seja “obscura” ou “pouco compreensível”.

Se é certo que a ambiguidade das palavras e expressões seja bastante comum nos textos jurídicos - praticamente justificando qualquer pedido de aclaramento-, não é raro que a dificuldade interpretativa resulte muito mais na má-vontade do intérprete do que na imprecisão do texto interpretado.  Aqui, mais uma vez, retornamos ao tema do subjetivismo, pois não será tarefa fácil declarar-se com plena convicção que determinado texto não dá margem a interpretações diversas, já que, no campo da razão argumentativa, não há falar em  certezas absolutas.

A omissão a ser sanada diz respeito à completude, ou seja, a decisão deveria se pronunciar sobre determinado ponto, mas não o fez. Pode ser algum ponto controvertido na lide suscitado pela parte ou, mesmo se não suscitado, de conhecimento oficial do juiz.  Trata-se de falha mais grave que pode ser sanada pela via dos embargos de declaração, já que a decisão omissa configura negativa de prestação jurisdicional.

Porém, do juiz não é exigido que examine todos os fundamentos das partes, sendo importante apenas que indique somente o fundamento que apoiou sua convicção ao prolatar sua decisão.  Nada mais afastado da intenção do legislador que admitir um questionamento ou mesmo uma verdadeira “sabatina” a que deva se submeter o prolator da decisão, como que compelido a justificar-se por ter adotado posição distinta daquela que a parte pretendia.

Assim, não incorre na omissão “o julgador que eventualmente silencia quanto ao exame de fundamentos lançados pelas partes que não sejam suscetíveis de influir no resultado do julgamento”. Na prática, a própria conclusão de que determinado fundamento poderia ou não influenciar no julgamento da lide é controvertida, porque se estará cogitando dos efeitos de determinado argumento em uma ponderação de valores que ocorre no íntimo do julgador – e, portanto, parece inescapável concluir que “qualquer fundamento”, a priori, pode influenciar o julgamento da lide.

Há de citar-se, ainda, o erro material, que, na forma do art. 463 do CPC, podem ser corrigidos por meio de embargos de declaração ou, mesmo, de ofício pelo juz. No mesmo sentido, os artigos 833 e 897. São erros materiais os erros evidentes, os enganos de escrita, de datilografia ou de cálculo. Em geral, os embargos de declaração para retificação de erro material são oferecidos na melhor forma de colaboração da parte para a melhoria da prestação jurisdicional. Mas, não raro, também estes podem ser objeto de ações oblíquas, como, por exemplo, a parte alega que determinada afirmação feita pela sentença não corresponde à realidade e pretende sua retificação, sustentando tratar-se de “erro material”.

Admite-se, também, os embargos para fins de prequestionamento de matéria ou questão invocada no  recurso e que não tenha sido objeto de pronunciamento pelo julgador. Entende-se que, nesses casos, a ausência de um pronunciamento explícito do órgão julgador inviabiliza a apreciação do recurso pelos tribunais superiores,  Nesse sentido a Súmula 297 do TST e a Súmula 356 do STF.

 

 

Referências Bibliográficas

 

 

GARCIA, Ana Flávia de Aguiar Melo. “Embargos de declaração: análise de seus critérios de admissibilidade”.  Disponível  http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/11_04.doc . Acesso em 10/6/2010.

 

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo, Ed. Bookseel, vol.. 3, 1997

 

MIRANDA, Vicente. “Embargos de Declaração no Processo Civil Brasileiro”, Saraiva, São Paulo, 1990,

 

MOURA EÇA, Vitor Salino (coord). “Embargos de declaração no processo do trabalho”, Sãp Paulo, 2010, LTr

 

OLIVEIRA, Paulo Rogério. “Embargos de declaração”. Disponível em http://www.fadisp.com.br/download/4.1 Acessado em 10/6/2010

 

PINTO, Melina Pinto. “A aplicação do princípio da fungibilidade recursal nos embargos de declaração”, 2005, Disponível em:  Jus Navigandi, Teresina, 2005,  http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10798) Acesso em 10/6/2010.

 

SEHNEM, Felix.  Embargos declaratórios . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 61, jan. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3681>. Acesso em 10.06.2010.

 

 

Referencias Normativas

 

Artigos 515, 535 a 538 e inciso II do art. 463 do atual CPC

 

Lei n. 8950/94 que alterou o artigo 535 do CPC

 

Artigo 897-A da CLT

 

 

Referências Jurisprudênciais

 

Súmula 356 do STF

 

Súmula 297 do TST



[1]  O presente verbete foi elaborado a partir do texto “A NECESSIDADE DE REPENSAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO”, de João Ghisleni Filho, Ricardo Carvalho Fraga, Flávia Lorena Pacheco e Luiz Alberto de Vargas, publicado in “Novos Avanços do Direito do Trabalho, Coordenadores Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga, São Paulo: LTr, 2010.