A competência da Justiça do Trabalho para execução de contribuições previdenciárias

 

 

Em recente decisão (11/9/2008), o Supremo Tribunal, apreciando recurso extraordinário (RE 569056) interposto pelo INSS contra decisão do TST, limitou a competência da Justiça do Trabalho para execução de contribuições previdenciárias sobre salários pagos no curso do vínculo de emprego reconhecido apenas em sentença. Por haver  repercussão geral, espera-se, para breve, a edição de súmula vinculante, soterrando acesa discussão jurisprudencial sobre tal tema.

A Corte Suprema, por unanimidade, interpretando o artigo  114, VIII,  da Constituição Federal, que estabelece a competência da Justiça do Trabalho para “execução, de ofício, das contribuições decorrentes das sentenças que proferir “, entendeu que tal competência somente se aplica “ás sentenças condenatórias em pecúnia que forem proferidas ou aos valores objeto de acordos homologados que integrem o salário-de-contribuição, excluída a cobrança de parcelas previdenciárias de todo o período laboral”. A cobrança, assim, somente pode incidir sobre o valor pecuniário já definido em condenação trabalhista ou em acordo sobre parcelas que sirvam como base de cálculo para a contribuição previdenciária. Por exemplo, reconhecido um vínculo de emprego de dez anos e determinado a assinatura da CTPS do empregado, a cobrança das contribuições previdenciárias incidirá apenas sobre as verbas não indenizatórias deferidas ao empregado  na sentença (tanto a parte do empregado como patronal), não havendo execução das contribuições previdenciárias relativas aos salários pagos durante os dez anos da contratualidade.

 Confirmou-se, assim, o entendimento constante da Súmula 368, I do TST. Ainda que não haja expressão menção no voto dos Ministros do STF, parece claro que, implicitamente, houve a declaração de inconstitucionalidade do art. 876, parágrafo único da CLT (com a nova redação que lhe deu a Lei 11457/2007),  que expressamente dispunha em sentido contrário.

Tal decisão tem profundas repercussões, tanto no âmbito trabalhista como previdenciário. Antes de tudo, é de se lembrar que a Justiça do Trabalho tem se constituído, por conta da execução previdenciária de ofício que lhe atribui a Emenda Constitucional n. 20/98, em poderoso instrumento de arrecadação. Somente o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) alcançou, em 2007, mais de 148 milhões de reais em contribuições previdenciárias, estimando-se que, em todo o Brasil, a arrecadação chegue a 1,3 bilhões.

Por um lado, diga-se que tal excepcional serviços às finanças públicas não se faz sem enormes dificuldades, sobrecarregando a já insuficiente estrutura administrativa do Judiciário Trabalhista, em prejuízo de seu tradicional cliente, o trabalhador, especial o desempregado. Por outro, é notável o fortalecimento institucional da Justiça do Trabalho, certamente não sendo coincidência que alguma melhoria de sua infra-estrutura nos últimos anos ocorra em um período em que o INSS, juntamente com a Receita Federal,  tornaram-se grandes beneficiados pela celeridade da execução dos processos trabalhistas. Agora, em decorrência da decisão do STF, pode-se esperar uma significativa perda de receita para os cofres da Previdência.

Mais importante, contudo, é analisar aspecto pouco lembrado no âmbito das execuções previdenciárias: a partir da Emenda 45/2004, que reestruturou a seguridade social, a Previdência Social passou para o regime contributivo, ou seja, ao contrário do que acontecia até aquela data, o benefício da aposentadoria somente é concedido com a comprovação de efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias –  não bastando, portanto, a mera comprovação do tempo de serviço. Assim, os trabalhadores que chegarem ao tempo de aposentação, mas que não tiverem as contribuições recolhidas de determinado período não poderão contar esse  tempo de serviço. A situação torna-se ainda mais dramáticas se pensarmos no prazo decadencial de cinco anos para exigibilidade de recolhimento das contribuições não recolhidas, o que, na prática, importa em verdadeiro incentivo ao não registro do contrato de trabalho e a conseqüente sonegação fiscal, sendo o trabalhador o maior prejudicado em sua justa expectativa de aposentadoria.

A despeito do decidido pelo STF, parece claro haver um evidente interesse jurídico do trabalhador de que seu empregador cumpra as obrigações previdenciárias decorrente do contrato de trabalho e, tratando-se de controvérsia entre empregado e empregador, parece inafastável a competência do Judiciário do Trabalho.

Em muitos países, a competência da Justiça Laboral abarca tanto as matérias trabalhistas como as previdenciárias, podendo-se dizer que esta seja uma tendência mundial para unificação em uma justiça especializada de todas as matérias relativas ao mundo do trabalho.

Infelizmente, a decisão do Supremo Tribunal Federal caminha em sentido inverso.

 

 

Luiz Alberto de Vargas