Férias anuais remuneradas: direito de todos.

Luiz Alberto de Vargas Juiz do Trabalho no Rio Grande do Sul

 

Estamos no verão e, ao menos no Rio Grande do Sul, tudo parece cessar até março, numa compulsão coletiva que toma conta dos gaúchos nos meses de janeiro e fevereiro, de rumar à Serra ou às praias e assim gozar de merecidas férias. Os que permanecem em Porto Alegre nesses dias, apesar do intenso calor, encontram uma cidade sossegada e aprazível, aliviada do tumulto e atropelo que a caracterizam nos demais meses do ano.

Parece desnecessário explicar a preferência generalizada no Rio Grande de Sul para que as férias recaiam nos meses de verão. São apenas os quentes primeiros meses do ano que permitem aproveitar mais completamente a beleza natural de Gramado, de Canela, de nosso litoral.

O direito de todo trabalhador a férias remuneradas tem base legal e se constitui em medida de higiene social, para a restauração do equilíbrio orgânico do trabalhador, evitando-se a fadiga que, perigosamente afetando o sistema muscular e, de maneira especial, o sistema nervoso do trabalhador, provoque a perda de sua capacidade de fixação no serviço e na coordenação de movimentos, dando causa, também a acidentes do trabalho (Segadas Viana, citado em”Introdução ao Direito do Trabalho”, Evaristo de Moraes Filho e Antônio Carlos Flores de Moraes).

Tal direito é internacionalmente reconhecido, previsto já na Declaração Universal dos Direitos do Homem (New York, 1948) e em sucessivas Convenções da Organização Internacional do Trabalho OIT, sendo a mais recente e completa a Convenção   132 de 1970, denominada Convenção Geral sobre Férias Anuais.  Nela, de aplicação geral (exceto para os trabalhadores marítimos), se prevê que as férias anuais não podem ser inferiores a três semanas por ano de serviço (art. 3O); proibição de previsão contratual que permita que do período de férias seja descontadas as ausências involuntárias do trabalhador ao serviço  (doença, acidentes de trabalho, etc.)  (art. 5o); que os feriados não podem ser incluídos no período de férias (art. 6o); que as férias sejam remuneradas, com salário no mínimo igual ao que percebe normalmente o trabalhador (art. 7o); que, em caso de fracionamento de férias, um dos períodos não seja inferior a duas semanas (art. 8o); que, na cessação do contrato de trabalho, são devidas as férias proporcionais (art. 11); que são nulas quaisquer renúncias ou estipulações contratuais que impeçam o trabalhador de gozar as férias (art. 12).

Já a própria Constituição Brasileira assegura, entre os direitos sociais previstos no art. 7o o direito de férias anuais remuneradas a todos os trabalhadores urbanos e rurais, inclusive aos domésticos e aos avulsos (inciso XVII, art. 7o). Em um avanço do legislador constitucional de 1988, é assegurado ao trabalhador em férias, não apenas a remuneração normal, mas um acréscimo de 1/3, para permitir-lhe que, no gozo de suas férias, o trabalhador se permita alguma extravagância (como viajar ou alugar uma casa de veraneio). Não é preciso dizer que o comércio se beneficia extremamente desse aumento sazonal da renda dos trabalhadores e , que, associado ao mesmo efeito decorrente do 13o salário, verdadeiramente representa o período de “vacas gordas” de um largo setor empresarial, especialmente o vinculado ao lazer.

A Consolidação das Leis do Trabalho regula o direito às férias anuais remuneradas para os trabalhadores empregados no Capítulo IV, artigos 129 a 153, com a redação dada pelo Decreto lei 1535/77. O ordenamento jurídico brasileiro atende, em linhas gerais, às determinações da Convenção 132 da qual o Brasil é signatário. Tendo o Governo Brasileiro ratificado a Convenção e promulgado o Decreto 3.197/99, pelo qual a Convenção 132 entrou em vigor no Brasil em 23/9/99. Como a legislação nacional é mais benéfica que o previsto na própria Convenção entende-se que, mesmo em relação ao cômputo dos feriados no período de férias, não é necessária qualquer adequação significativa da legislação brasileira aos termos da Convenção ratificada.

Há um ponto da Convenção 132, entretanto, que não é bem desenvolvido pela legislação brasileira e representa mesmo um ponto de insuficiência em nosso sistema legal. Trata-se do art. 10 da Convenção, que estabelece que a época das férias  deve ser fixada pelo empregador após consulta ao trabalhador, ressalvada a hipótese de estar regulada a matéria em convenção coletiva, sentença arbitral ou regulamento da empresa.  A CLT prevê, no seu artigo 136, que as férias serão fixadas no período que melhor consulte os interesses do empregador, exceto em dois casos isolados: a) membros de uma mesma família que trabalhem no mesmo estabelecimento (que podem requerer o gozo de férias no mesmo período, desde que do fato não resulte prejuízos ao serviço) e b) empregados estudantes menores de 18 anos (que tem direito a férias no mesmo período das férias escolares). Em nossa prática cotidiana, as férias são fixadas unilateralmente pelo empregador, não existindo, na lei brasileira, a previsão de qualquer mecanismo de consulta formal obrigatória ao empregado.

Especialmente em nosso Estado, em que os melhores períodos de férias se resumem a dois meses por ano, como já exposto anteriormente, esse assunto parece particularmente relevante. Talvez, exatamente por meio da negociação coletiva ou, então, por uma correção legislativa, se pudesse introduzir o dever do empregador formalizar a consulta ao trabalhador antes da fixação da época das férias deste,  permitindo, assim, que, em caso de abuso do direito patronal, possa ser requerida pelo empregado a revisão judicial da medida ou, mesmo, uma indenização pela injustificada frustração das férias no período que melhor atendia ao interesse do trabalhador.

Por fim, nessa época de descanso, caso o leitor esteja em pleno gozo de suas férias, na praia, na serra ou na tranqüila Porto Alegre de verão, os melhores votos que as aproveite da melhor forma possível, usufruindo plenamente desse direito universal.