EM DEFESA DO DIREITO DO TRABALHO

- Contra a "flexibilização" no Terceiro Mundo (resumo) Luiz Alberto de Vargas e Ricardo Carvalho Fraga


Temos assistido ao crescimento, dentro do pensamento juslaborista nacional, das preocupaç¨es quanto a uma eventual necessidade de flexibilização do Direito do Trabalho brasileiro, cuja vertente mais explícita se traduz nas propostas de revogação de boa parte das normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho, sob o pretexto de incompatíveis com as necessidades dos tempos atuais.


A necessidade de aprofundar o debate sobre tais propostas ganha contornos de urgência, na medida em que, na prática, o Governo Federal tem implementado, à revelia de consultas mais amplas às categorias profissionais e econômicas, sem falar nos juslaboristas, medidas de cunha marcadamente "flexibilizante", que implicam profunda modificação no sistema de relaç¨es do trabalho no Brasil.


Procurando-se buscar a raiz das idéias correntes sobre a necessidade do afastamento do Estado das relaç¨es trabalhistas encontraremos a influência do pensamento chamado neoliberal, emergente em meio a crise econômica mundial.


Na origem da crise está a queda de crescimento dos países centrais, a despeito de suas crescentes exigências de consumo. No enfrentamento desse desequilíbrio, os teóricos econômicos desses países optaram por políticas recessivas e não-intervencionistas, ainda que com altos custos sociais. Na prática, tais propostas levam a que os grandes oligopólicos financeiros e seus associados sejam os únicos beneficiários de uma política deliberada de estagnação econômica e de desmantelamento dos serviços sociais do Estado, concentrando ainda mais a renda e a propriedade, ao passo que condena os trabalhadores ao desemprego e ao desamparo.


As conseqüências de tal crise atingem desigualmente países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Nos países periféricos, os efeitos da recessão apresentam-se dramáticos, uma vez que sobre eles pesa, além dos encargos da dívida externa, a pressão econômica e comercial dos países credores, agravando sobremaneira os níveis de pobreza e miséria, não apenas na América Latina, mas em todo o Terceiro Mundo. É de se ressaltar o pouco interesse dos países desenvolvidos na superação da miséria no Terceiro Mundo, fato reconhecido mesmo por autoridades políticas daqueles países. Tal desinteresse se expressa não apenas na recusa em promover empréstimos que minorem as condiç¨es de desigualdade, mas, principalmente, na adoção de medidas de restrição às exportaç¨es dos países credores, bem como na imposição, via organismos como o Fundo Monetário Internacional, de programas neoliberais de ajustamento econômico que privilegiam a recessão e o abandono de políticas de desenvolvimento auto-sustentado.


No centro desse debate em que se decide a própria soberania nacional dos países do Terceiro Mundo, ante a pressão dos países capitalistas mais poderosos, está precisamente a questão do Estado. O Estado intervencionista nas principais economias latino-americanas foi, no período do pós-guerra, importante fator de desenvolvimento do capitalismo, embora retardatário e dependente. Porém, conforme Fernando Pupo, "este Estado intervencionista com pálidas nuances nacionalistas não servem mais aos interesses do imperialismo em crise. O beneplácito,a simples convivência ou "alianças" das burguesias nacionais com os interesses e objetivos do imperialismo são insuficientes. Este exige agora a rendição total dessas burguesias ao projeto neoliberal imperialista" ("Neoliberalismo: promessas e realidade", artigo publicado na revista Princípios, nº20, pg. 4, fev/91).


Em realidade, a chamada "modernização das relaç¨es de trabalho", pela "desregulamentação" da negociação coletiva, favorecendo o "livre jogo de mercado", servirá apenas para aumentar a concentração de renda nas mãos dos grandes oligopólios pela quebra do poder sindical. Por outro lado, a propalada "flexibilização" no plano individual apenas facilitará a revogação das principais normas trabalhistas que consagram conquistas históricas dos trabalhadores. Ambos os objetivos, concentração de riqueza (facilitando a transferência da riqueza para o exterior) e empobrecimento interno (diminuindo as demandas de consumo) fazem parte de uma estratégia internacional dos países ricos para as economias dos países dependentes.


Como conseqüência prática da aplicação destes princípios no Brasil (ausência de legislação salarial ou legislação que rep¨e apenas parcialmente as perdas inflacionárias), tivemos uma drástica redução do salário real. O nível de desemprego aumentou significativamente. Grande número de empresas pequenas e médias está a beira da falência. Apesar das privaç¨es a que a Nação foi submetida a inflação persiste. De fato, apenar dos esforços da mídia, percebe-se, a cada dia com mais nitidez, o fracasso da política anti-inflacionária baseada na recessão econômica, no arrocho salarial e na desestatização da economia. Os mesmos funestos efeitos da política de "livre negociação salarial" pretende-se estender para os demais campos das relaç¨es de trabalho. Pela experiência vivida, pode-se dizer com segurança ser inteiramente falsa a hipótese de que a promoção do pior arrocho salarial da história brasileira promovido pela "desnormatização" salarial possa ter significado qualquer melhoria salarial para alguma categoria profissional.


Dentro desse contexto, soa de cruel ironia a idéia de que a flexibilização permitirá a modernização tecnológica do país, pela possibilidade de implantação de métodos mais avançados ou pela maior facilidade de atração do capital estrangeiro.


A dura realidade latino-americana é da desindustrialização, conseqüência da nova divisão internacional do trabalho. Como já vimos, dentro desse modelo, não se vislumbra possibilidade de reverter-se o fluxo de transferência da riqueza. Ao contrário do que se prega, as tendências não são as do progresso e do desenvolvimento tecnológico para os países do Terceiro Mundo. Assim, a "flexibilização" não resultará em benefícios para os trabalhadores, mas será apenas instrumento de maior espoliação do trabalho em proveito da maior concentração de renda e do aprofundamento da recessão da crise econômica em nossos países.