SOBRE A PROPOSTA DE CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO

 

 

Muito se comenta sobre proposta de  institucionalização do contrato coletivo de trabalho. Elencaríamos  alguns pontos para reflexão e debate.

 

Primeiramente, é preciso que se esclareça que  inexistem óbices legais para a adoção imediata do contrato  coletivo de trabalho, ainda que em substituição integral da  sistemática corrente, de solução dos conflitos coletivos através  da utilização do Poder Normativo da Justiça do Trabalho. Basta que  os sindicatos, de empregados e empregadores, deixem de se utilizar  do Judiciário Trabalhista como árbitro dos conflitos coletivos.  Aliás, a legislação atual inclusive e recomenda a adoção pelas  partes de formas alternativas de composição dos conflitos, como a  negociação direta, a ediação e arbitragem não judicial. Ou seja, é  falso que, no Brasil, a lei obrigue os sindicatos de trabalhadores  a submeter-se à arbitragem judicial. A Justiça do rabalho só  intervém porque é chamada para tanto: umas vezes , pelos  sindicatos obreiros que ajuízam dissídio coletivo; outras, pelos  sindicatos patronais e pelo Ministério Público do Trabalho, em  caso de greves.

 

Contrato coletivo do trabalho, a não ser que se  force neologismos, já existe no Direito Brasileiro, dependendo da  sua abrangência,  ora sob o nome de Convenção Coletiva, ora sob o  nome de Acordo Coletivo. Existem inclusive experiências de  negociação nacional, como há poucos anos ocorreu com os bancários  e com os petroleiros. Mesmo a negociação intercategorial não  importa em nenhuma modificação substancial da legislação, mas  simples adequação da norma para que sejam também contempladas as  Centrais Sindicais como partes legítimas nas negociações  coletivas.  Portanto, do ponto de vista legal, não há grandes  inovações ao direito sindical brasileiro.

 

A novidade, portanto, é política:

 

O que se noticia é propalada intenção de  trabalhadores, empresários e do Estado em modificar as relações  coletivas, cada uma das partes cedendo em alguns pontos concretos:

 

1. Os trabalhadores estariam dispostos (ou achariam  ser interessante) deixar de ajuizar dissídios coletivos anuais,  passando para um sistema de negociação, dito "permanente", mas que  em muitos casos, como veremos adiante, pode terminar por ser  "incerto".

 

2. Os empresários estariam dispostos a aceitar  negociar de forma intercategorial, ou seja, mostrariam um  interesse - até aqui inédito - em abrir negociações conjuntas. Por  exemplo, as indústrias metalúrgicas, da construção civil e da  alimentação de Pelotas e Rio Grande negociariam um contrato  coletivo com os industriários da região sul do Estado do RGS.

 

3. O Estado, no caso especialmente o Legislativo  Federal, faria a sua parte, modernizando a legislação e  regulamentando o processo de negociação direta, de forma a criar  um mínimo de regras que permitisse sua implementação. Por exemplo,  tais normas previriam formas de solução dos conflitos em caso de  impasse, terminariam com a intervenção da Justiça do Trabalho em  caso de greve, regulamentariam as formas de funcionamento de  serviços essenciais em caso de greve, estabeleceriam multas em  caso de negativa de negociação ou deslealdade na negociação.

 

Analisando tais requisitos, chega-se à simples  conclusão que o contrato coletivo de trabalho é inviável, no  presente momento.

 

- No que tange aos sindicatos de trabalhadores,  estes recusam-se a abandonar o Poder Normativo, aliás com sobradas  razões.    Não se tem notícia de nenhuma categoria de  trabalhadores que tenha propositalmente perdido a data-base, nem  mesmo de nenhum Presidente de Sindicato que destemidamente tenha  proposto à sua Assembléia que deliberasse por perder a data-base  da categoria. A razão é simples: a categoria não aceitaria...

Perder a data-base seria um desastre, numa  conjuntura recessiva, de baixa mobilização sindical, em que a  maioria dos sindicatos de trabalhadores não tem forças sequer para  trazer os patrões à mesa de negociação. Ou seja, para a maioria  esmagadora dos sindicatos obreiros o que podem conseguir (ou  manter)na Justiça do Trabalho é provavelmente bem superior ao que  conseguiriam numa negociação direta com a classe patronal.

Assim, se o Congresso Nacional amanhã extinguir, do  dia para a noite, o Poder Normativo, o fará sob o entusiástico  aplauso de toda a classe patronal brasileira, porque significará  um drástico barateamento de custo da mão-de-obra nacional.

 

- Quanto à classe patronal, esta tradicionalmente  resiste à negociação intercategorial e nacional. Sistematicamente  recusam-se a participar de mesas de negociação com mais de um  Sindicato e mesmo quando as negociações na prática acontecem em  esferas mais abrangentes, como com as Federações, exigem que a  formalização dos acordos normativos seja feita no âmbito das  categorias locais. Além disso, as propostas patronais,  apresentadas como condição para aceitação do contrato coletivo,  são, por outro lado, do ponto de vista dos empregados, para estes  inaceitáveis. Elencamos algumas:

a. que inexista articulação dos contratos nos  diferentes níveis de negociação (categorial, por empresa,  regional, estadual ou nacional). Os patrões não aceitam o que  chamam do atual "empilhamento" de direitos, ou seja, a  possibilidade de acumulação pelos trabalhadores das conquistas  obtidas nos diferentes níveis de negociação. Pela sistemática  atual, aplica-se ao trabalhador em concreto sempre a norma mais  favorável a este, independentemnte qual seja a origem da norma. É  o que se chama a hierarquia dinâmica das fontes formais do Direito  do Trabalho. Na prática, pretende a classe patronal que rompa-se  essa hierarquia dinâmica, instituindo-se uma hierarquia rígida.  Por exemplo, o acordo coletivo precede a convenção coletiva; o  contrato coletivo precede o acordo; etc.

b. que se propicie a "flexibilização" da lei, ou  seja, a possilidade de se pactuar contratos coletivos abaixo dos  patamares mínimos previstos na lei.

É preciso lembrar que, se o movimento sindical dos  trabalhadores aceitar essa proposta, estará assumindo um risco  seríssimo, uma vez que, nesse conjuntura recessiva, é pouco  provável que os patrões aceitem conceder algo sem exigir a troca  dessa nova conquista pela supressão uma conquista velha, já  consolidada em lei ou em norma coletiva. Ao contrário do atual  "avançar sempre" que caracteriza a negociação coletiva hoje,  passaríamos a uma tendência de, no máximo, "parar onde está", pelo  equilíbrio do que é ganho compensado pelo que é perdido, sendo  muito provável, a hipótese pior, de retroceder nas conquistas  normativas.

c. a supressão de várias normas legais protetivas a  pretexto de "abrir caminho" à negociação.

Tal idéia, num Brasil de um dos menores salários  mínimos do mundo, em que 48% dos assalariados trabalham sem  carteira assinada e 55% das empresas não recolhem um centavo  sequer de FGTS soa absurda. É preciso que se atente para o fato de  que um grande número de trabalhadores não estão organizados em  Sindicatos e, para esses, a lei é o limite da espoliação. Revogar  a lei, nessas condições, é deixar tais trabalhadores ao completo  desabrigo.

Ademais, como já se disse, a lei é e continuará  sendo um garantia também para os trabalhadores organizados, pois  importa em um piso abaixo do qual nenhuma contratação,individual  ou coletiva, é válida.

d. a mudança do princípio de incorporação aos  contratos individuais das cláusulas constantes de instrumentos  coletivos, ou seja, fim da sistemática legal que  admite o  entendimento de que os trabalhadores individualmente tem  assegurado os direitos previstos em cláusulas normativas, mesmo  depois destas terem sido revogadas ou parcialmente reformadas de  forma menos favorável ao trabalhador.

Ainda que a jurisprudência e a doutrina não sejam  pacíficas, os empresários pretendem uma clara norma legal que  expressamente exclua essa incorporação de direitos coletivos aos  contratos individuais, o que, sem dúvida, implica em claro  retrocesso nos princípios do Direito do Trabalho. A esse respeito,  ver o pensamento de Américo Plá Rodriguez, "regra da condição mais  benéfica" in "Princípios do Direito do Trabalho", Editora LTr, 2ª  edição, 1978, pg. 61.

 

 

- Por fim, quanto ao Estado, parece que este também  tem dificuldades. A principal e mais difícil tarefa do Estado para  implementar as condições necessárias à implementação da  substituição do Poder Normativo peloo contrato coletivo de  trabalho é a de garantir amplo direito de greve, revogando os  aspectos restritivos da Lei 7.783, em especial assegurando que a  Justiça do Trabalho seja proibida de interferir nos conflitos  coletivos em caso de greve.  Enquanto persistir o movimento  paredista, a intervenção da Justiça do Trabalho deve ser  condicionada ao expresso pedido de julgamento, facultado  exclusivamente ao sindicato dos empregados.

A atual interferência da Justiça do Trabalho nas  greves, abusiva e descriteriosa, constitui-se o aspecto pernicioso  do Poder Normativo e é, na verdade, o real motivo pelo qual boa  parte do movimento sindical propõe sua extinção. Superada essa  distorção comprometedora, verdadeiramente não há motivos para que  os trabalhadores, salvo por rotundo equívoco, proponham o fim do  Poder Normativo.

Sem dúvida, essa idéia conta com um problema que,  de imediato, exige solução: como garantir o atendimento das  necessidades inadiáveis da comunidade em serviços essenciais, ou,  no pensamento de Roberto Santos, como assegurar a "cláusula da  comunidade" ("A greve dita abusiva e a "cláusula da comunidade",  Suplemento Trabalhista LTr, 1990, 108-527/90). O ideal, sem  dúvida, é um abrangente acordo prévio entre patrões, empregados e  entidades públicas sobre como e quais atividades permanecerão  funcionando em caso de greve. Se tal acordo inexistir ou não puder  ser rapidamente obtido, talvez se justifique a possibilidade de  manutenção do poder da Justiça do Trabalho - ou de outro órgão  estatal - intervir apenas e tão somente para esse fim, sem que  possa, em qualquer caso, através dessa intervenção -  necessariamente limitada e temporária - por fim à greve ou, mesmo,  diminuir-lhe a pressão econômica sobre os patrões. Tal  possibilidade de interferência se justifica para apenas minorar os  efeitos danosos da greve sobre a população.

 

Outro ponto fundamental para a modernização das  relações de trabalho - sem o qual estaremos apenas fazendo jogo de  palavras - é a garantia de emprego, prevista no art. 7º da  Constituição Federal e ainda não regulamentada pelo Congresso  Nacional.

 

Sem estabilidade, o trabalhador brasileiro  continuará um hipossuficiente, sendo duvidoso que sua adesão a  qualquer contrato de trabalho - ou mesmo a uma entidade sindical,  em caso de pluralismo sindical - seja fruto de sua legítima  vontade, e não uma imposição patronal, pela chantagem da demissão  imotivada.

 

Francamente falando, vislumbra-se pouco interesse  de nossos legisladores para reformar a lei 7783/89, adequando-a ao  amplo direito de greve - verdadeiro espírito da Constituição  Federal, bem como pouca pressa para votar lei complementar que  proteja a relação de emprego.

 

Assim, parece bem escassas as possibilidades de  implementação do contrato coletivo de trabalho.