Pluralidade e Unidade. Potencialidades Transformadoras do Direito.


Já é consenso a necessidade de agilizar e modernizar o Poder Judiciário, adequando-o às exigências mais amplas da sociedade de massas. Pode-se e deve-se evitar o arbítrio estatal e a fragilização do direito do cidadão à própria prestação jurisdicional. É oportuno, por isto mesmo, resgatar alguns aprendizados sociais que devem ser preservados nesta urgente atualização histórica.

A vida cotidiana tem demonstrado as insuficiências da máquina judiciária, especialmente no que concerne ao atendimento das demandas sociais. Várias pouco prudentes providências normativas dos últimos governantes estiveram em difícil harmonia com o texto constitucional. Por vezes, os próprios princípios gerais de direito foram esquecidos ou menosprezados pelos economistas de plantão. Assim, as les¨s de direito se avolumam. Recorde-se o não reajustamento com o índice de 147% dos ganhos de aposentados e pensionistas, o bloqueio do FGTS para ex-celetistas transmudados a servidores públicos estatutários, os cálculos de prestaç¨es da casa própria, as perdas salariais planejadas em planos econômicos de recessão programada.

Em outras ocasi¨es é a própria omissão estatal que preocupa. Certas reivindicaç¨es e exigências sociais clamam por resposta. Nestes casos, por certo, o Poder Judiciário não é o único e, tampouco, o mais priveligiado local de debates. Os enfrentamentos políticos, ideológicos e mesmo filosóficos têm também outras instituiç¨es como seu fórum. Na verdade, as críticas à morosidade do Poder Judiciário têm implícitos outros sentimentos. Nos referimos à pouca capacidade popular de controle sobre as políticas governamentais.

De qualquer sorte, a responsabilidade do Judiciário deve ser apontada, na perspectiva de reforma que o adeque às novas necessidades sociais. No geral dos exemplos anteriores, existe certa repetição de atos processuais, que, por vezes, são cumpridos. São centenas ou milhares de aç¨es judiciais de conteúdo idêntico. Esta avalache de processos agravou e tornou mais visível a morosidade do Poder Judiciário.

A consciência da crise mobilizou a sociedade para sua superação, mas, todavia, não logrou elevar a compreensão social a respeito das raízes mais profundas do esgotamento do atual modelo judicial. A Revista de Direito Alternativo, número 2, 1993, pg 137, publicou texto de José de Albuquerque Rocha, Professor titular da Faculdade de Direito da UFC, com o título "Independência do Juiz e Estrutura do Judiciário", onde consta que:

" ...Outro fator relevante na forma de estruturação do Judiciário foi a formação militar de Napoleão, levando-o a articular o Judiciário em escal¨es de magistrados tal como ocorre nas organizaç¨es militares.

O modelo napoleônico, como toda organização burocrática, implica uma lógica implacável de atitudes e condutas da magistratura cujas consequências serão analisadas adiante. Essa forma de organização do Judiciário estava mais ou menos de acordo com as necessidades de justiça da sociedade em que foi elaborada, caracterizada por pequenos litígios entre proprietários e uma delinquência escassa e pouco complexa.
No entanto, ao longo do século XX, as estruturas econômicas e sociais experimentaram transformaç¨es radicaism mudando a qualidade e quantidade da demanda jurídica.
Apareceram novos atores jurídicos, principalmente no terceiro mundo, com a emergência de grandes massas de espoliados e por consequência novas necessidades e novas reividicaç¨es a reclamarem outro tipo de estrutura judiciária e outra forma de administrar a justiça adequada às novas demandas de prestação jurisdicional".

Por isto, é correto afirmar-se da falta de oportunidade histórica de certas propostas. Nos referimos às buscas de solução em fórmulas simplistas e com encantamento primário, porém, sem oportunidade histórica e eficácia prática. Se os processos entulham o Poder Judiciário, demonstrando sua insuficiência para atender a demanda, por vezes é proposta a redução da demanda, criando verdadeiras barreiras ao livre exercício do direito de ação. É difícil imaginar que o recente Enunciado 330 do Tribunal Superior do Trabalho tenha sido editado sob orientacão diversa.

Em outras oportunidades, é preconizada a rápida "padronização" da jurisprudência, através de súmulas com efeito vinculante, cujo objetivo maior é também o desestímulo `a demanda. Sobre a forma desta proposição por ocasião da recente Revisão Constitucional, registre-se manifestação do Fórum Permanente em Defesa da Justiça do Trabalho:

"Nela se incluiu também a atribuição de efeito vinculante às súmulas dos Tribunais Superiores, ao lado de outros mecanismos de controle que investem contra a liberdade de convencimento e a autonomia dos juízes e tribunais inferiores. Substitui o dever de obediência à Constituição, aos princípios de direito e justiça, pela repetição mecânica das orientaç¨es superiores." (Nota puplicada na imprensa do Rio Grande do Sul, assinada pelos Presidentes da OAB-RS, AMATRA-RS, AGETRA, APEJUST, AJUCLA, SINDJUSTRA e SINDICATO DOS ADVOGADOS).

Tais propostas não fazem avançar o Judiciário, mas apenas tornam-no mais afastado dos anseios sociais, fragilizando-o como instituição. Sobre o papel do primeiro grau, recorde-se lúcida observação publicada na Revista de Direito Alternativo, número 2, 1993, pg 144, sendo autor José de Albuquerque Rocha, Professor titular da Faculdade de Direito da UFC, com o título "Independência do Juiz e Estrutura do Judiciário":

"...isto induz os usuários da justiça a considerar mais importante e com maiores garantias e possibilidades de acerto as decis¨es dos tribunais, acarretando o desprestígio da justiça de primeiro grau, indiscutivelmente, dotada de maiores condiç¨es de proceder à indispensável adaptação do direito às mutáveis realidades sociais, já que toma contato direto e imediato com o conflito através dos depoimentos orais das testemunhas, partes e outros participantes da atividade processual."

Parece-nos, pois, equivocado pensar-se como solução para o Judiciário seu "encolhimento". Esta idéia deixa explícita sua influência neoliberal de retraimento do Estado. Ao contrário, a solução está na ampliação do acesso do cidadão ao Judiciário, sua abertura à participação comunitária, sua maior transparência, a simplificação e decodificação do processo.

No que tange à legitimidade de ação, é oportuna pensarmos na sua extensão às entidades representativas da sociedade civil, como forma de superação do caráter individualista do atual processo. A pouca eficiência do Judiciário pode ser superada através da transindividuação das demandas, como se tem buscado através da substituição processual, defesa dos interesses difusos e elaboração do Código de Defesa do Consumidor, etc. É mais salutar não adotarmos as propostas, bem mais pobres, de desafogar o Judiciário através das formas de uniformização da jurisprudência que impliquem o abafamento da divergência e contenção das demandas.

No específico do Direito do Trabalho, recorde-se brilhante estímulo de Celso Soares, in "Liç¨es de Direito Alternativo do Trabalho", Editora Acadêmica, São Paulo, 1993, pg 102:

"O Direito do Trabalho, em sua trajetória histórica, comprova que também sucedem mudanças na ideologia jurídica em favor dos trabalhadores sob o Estado capitalista, conquanto a ordem jurídica conserve a sua essência. Mais ainda: existe a possibilidade real de se ampliar o campo dos direitos das classes emergentes, desde que efetivadas determinadas condiç¨es. A principal delas, até hoje não resolvida, é que se tenha a mais ampla democracia no país -compreendida como aquela que incorpore a participação das massas nas estruturas sociais, políticas e econômicas...".

Os tempos de crise são parteiros das transformaç¨es renovadoras, por isso, em certa medida, as dificuldades que hoje vivenciamos é auspiciosa, pois dela emergirá um novo Poder Judiciário e elaboraç¨es jurídicas superiores.

Luiz Alberto de Vargas
Ricardo Carvalho Fraga

Juízes do Trabalho no Rio Grande do Sul