Hey theacher leave us kids alone!

(Ei, professor! Deixe as crianças em paz!)[1]

 

Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho Substituto

Mestre em Direito pela UNISC

utopia@viavale.com.br

 

Esta frase, à primeira vista, choca. E deve chocar! Imaginar que as crianças fiquem sem educação, presas fáceis a um cruel mundo que se apresenta, choca e aflige.

 

Esta frase deve ser lida, contudo, de forma crítica. A literalidade, em casos como o que se apresenta, deve ficar de lado. Germano Schwartz, em um livro chamado A Constituição, a Literatura e o Direito[2], acena como positivo o resgate, por parte do direito, e porque não das ciências sociais, da literatura e da arte. O que se quer com este breve estudo é chamar a atenção para a forma de educação que se repete, dia após dia, nas escolas dos países periféricos.

 

A leitura que se propõe que se faça a respeito do trecho do título e de toda a música do Pink Floyd não é literal. Quer-se a visão das entrelinhas, dos elementos que efetivamente a compõe e do que ela pode e deve ensinar, considerando a sociedade atual e modo capitalista de produção.

 

Segundo Louis Althusser os aparelhos ideológicos de estado são a família, a religião e a escola. Por estes três elementos o modo de produção capitalista se repete e incorpora na mente das pessoas uma ideologia de exclusão e desigualdade. A educação trazida pelos professores, criados já com base neste sistema, transmite-se a seus alunos e cria, na visão destes mesmos alunos, uma espécie de ética de exclusão social embasada na lei do maior e melhor esforço, onde tudo está ao alcance de quem efetivamente quiser trabalhar.

 

Para Althusser a ideologia na qual funcionam os aparelhos ideológicos de Estado, é unificada sob a ideologia dominante. “Todos os aparelhos ideológicos de Estado concorrem para o mesmo resultado: a reprodução das relações de produção, isto é das relações de exploração capitalistas. Cada um deles concorre para esse resultado de uma maneira que lhe é própria, isto é, submetendo (sujeitando) os indivíduos a uma ideologia”. Prossegue aduzindo que isso é dominado por uma partitura única, a ideologia da classe dominante.[3]

 

Para perceber isso é fácil. As escolas do direito por exemplo, em seu currículo, impõe o ensino do direito posto, próprio das elites e embasado na lei, segurança jurídica e propriedade privada. Dificilmente há uma visão emancipatória, constitucional emancipatória, onde o outro é visto como um fim em si mesmo e não como meio. A lógica repete a igualdade formal e a não-responsabilização da sociedade civil pelos casos de miséria extrema que vigem no mundo presente.

 

Tanto é verdade que Istvan Mézários propõe uma educação para além do capital, além dos limites previstos pela ética de exclusão e eliminação sumária dos mais fracos, para uma forma de se fazer a educação através de ações comunicativas e de integração social e regional.

 

Não é difícil, portanto, de entender porque a música fala para que os professores deixem as crianças em paz. Não se quer chegar ao mito Rousseauniano do bom selvagem, mas a uma forma de visão do sistema educacional emancipatória, onde os princípios de exclusão, propriedade privada e apego fervoroso à lei, se desfaçam em proveito de ações comunicativas, de coordenação e de inclusão social, onde o ser humano é um fim e não um meio ao acúmulo de dinheiro e manutenção do modo de produção capitalista.

 

Este deveria ser o compromisso das escolas de ensino. Este deveria ser o programa de todo o ensino público, desde o básico fundamental até o universitário. Repetir as formas de destruição do pensamento propostas e impostas pelas grandes elites dominantes é o que está a ocorrer na sociedade atual. Hoje há determinado grupo religioso taxado de terrorista. Mais: parece consenso que a responsabilidade pelos altos índices de violência que recai sobre as classes mais baixas da população é apenas do governo e das próprias classes envolvidas, que não procuram alcançar um desenvolvimento econômico razoável, seguindo para o mundo do crime.

 

O que se quer chamar a atenção com estas poucas palavras é para o fato de que a literatura e a música têm muito a dizer. Cabe à sociedade prestar a atenção devida e ouvir.

 

Atualmente algumas delas denunciam as atrocidades veladas cometidas pelas elites dominantes e burguesas, que se utilizam dos aparelhos de estado para formar a suposta ideologia correta que escraviza a massa de estudantes e cidadãos, criando uma espécie de casta pseudo-intelectualizada, excludente e que, desavergonhadamente, se diz com razão dentro de uma discussão racional, sob o aplauso dos demais.

 

O controle por parte da elite, que tem início na família burguesa (pseudo-burguesa porque pobre mas com espírito burguês) estende-se ao núcleo religioso (respeito ao próximo, propriedade privada e temor a Deus) e escolar (respeito à lei e às verdades vindas dos livros doados), para corroer o futuro de bilhões de cidadãos em proveito de poucas redes multinacionais e dum ínfimo número de países de primeiro escalão.

 

É preferível, portanto, que os educadores com esta visão míope da sociedade deixem as crianças em paz, do que as eduquem para um mundo feito a terceiros do qual elas nunca farão parte de fato. Uma educação para além do capital é o que se propõe.



[1] Tradução livre de parte da música Another Brick in the Wall da banda Pink Floyd, retirada do sítio http://www.thorns.com.br/HTM_SarauLiterario/LetrasTraduzidas/PinkFloyd_TheWallPartII.htm, acesso 27 de dezembro de 2006, às 13h57min.

[2] SCHWARTZ, Germano. A constituição, a literatura e o direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora., 2006.

[3] ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Introdução. Em Louis Althusser. Aparelhos ideológicos de Estado, tradução de Valter José Evangelista e Mara Laura Viveiros de Castro; Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, 2a Edição, p.26, 31 e 32.