AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. LIMITES OBJETIVOS



A relevância da ação rescisória, mesmo no Direito Processual do Trabalho é hoje inquestionável. Avolumam-se aç¨es rescisórias nos Tribunais Trabalhistas, a ponto de chegar-se a falar, com grande exagero, numa "instância rescisória". O certo, porém, é que a segurança jurídica fica comprometida. No dizer de Wagner Giglio, ao comentar os artigos 798 a 800 do C.P.C., autorizadores da rescisória, de aplicação subsidiária, nos termos do art. 836 da C.L.T.:


"Se o intuito do legislador, de assegurar decisões válidas e justas, não pode ser criticado, o meio de que se utilizou, a ação rescisória, merece reparos. No nosso entender, o novo Código inclinou-se fortemente a favor do ideal de Justiça, em prejuízo da paz social. Nem mesmo a fixação de multa coibirá o abuso do remédio, do que resultará a insegurança quanto ao resultado final dos dissídios". (grifos do autor - "in" Direito Processual do Trabalho", LTr, 4ª ed., pg. 250)


A prudência, portanto, aconselha cautela na utilização do instituto, mormente quando a realidade nacional, por si só, já é bastante instável. Não é razoável o prosseguimento das indefiniç¨es jurídicas além do tempo necessário para o processamento regular das aç¨es ordinárias até seu trânsito em julgado. Mais do que simples divergência doutrinária ou jurisprudencial, a matéria envolve a paz social, além da imagem de respeitabilidade e eficiência do Poder Judiciário perante a comunidade.


A ação rescisória é instrumento excepcional, já que constitui a quebra da "regra do jogo", pela qual o trânsito em julgado constitui o fim do processo de conhecimento, devendo-se à sentença definitiva as partes se conformar em nome da tranqüilidade social. Somente circunstâncias absolutamente extravagantes podem justificar que o Poder Judiciário "recue em suas próprias pegadas", fato por si só traumático, já que induz na comunidade o sentimento de insegurança quanto à eficácia das decis¨es judiciais.


Emílio Gonçalves, in "Direito Processual do Trabalho", Editora Sugest¨es Literárias, 1981, pg 233, lembra que:


"Posteriormente, o Decreto-lei 229, de 28.02.1967, ao dar nova redação ao art 836 da Consolidação das Leis do Trabalho outorgou chancela legal à ação rescisória na Justiça do Trabalho, a ser interposta no prazo de dois anos, nos termos dos arts 798 e 800 do Código de Processo Civil. Atualmente, a matéria se encontra regulada nos arts 485 a 498 do Código de Processo Civil de 1973."


No tema específico do presente estudo, o mesmo autor, na mesma página, acrescenta que:


"Não há falar-se, porém, em violação literal de lei quando o Tribunal, após ampla discussão, adota uma interpretação razoável do texto legal, mesmo que o julgamento tenha sido tomado por maioria, desde que se trate de texto legal, cuja interpretação é objeto de controvérsia nos Tribunais."


Roberto Rosas, in "Direito Sumular", Editora Revista dos Tribunais, 1990, 5a. edição, pg 144, transcreve decisão do Supremo Tribunal Federal:


"...o Tribunal tomou, após ampla discussão, uma interpretação razoável da lei, firmada, de resto, de acordo com os precedentes. Destarte, não caberia ação rescisória para anular a sentença anterior do Supremo Tribunal, porque, em favor do mesmo, da tranquilidade pública, da tranquilidade jurídica, em razão mesmo da eficácia da coisa julgada, terminou o julgamento, ainda que tomado por maioria ocasional."


Esta orientação antes transcrita, com aguda sensibilidade, nos revela a necessidade de tranquilidade "pública" e "jurídica". Em decorrência, o Supremo Tribunal Federal, neste caso, não acolheu a ação rescisória. Tratando das aç¨es rescisórias de modo amplo, ao menos para o Direito Processual do Trabalho, Mozart Victor Russomano, in "Direito Processual do Trabalho", Editora LTr, 1977, 2a edição, pg 166, prop¨e que:


"Somos partidários, sim, de medidas enérgicas que regulamentem as aç¨es rescisórias trabalhistas através de normas específicas. Se se percorrer o anteprojeto de Código de Processo do Trabalho, escrito há muitos anos e que há muito tempo teve suas exéquias decretadas pelo Poder Executivo, ali se encontrarão normas que -muito antes do advento do Código de 1973- reduzem a ação rescisória a um minimum de possibilidade prática, decorrente da necessidade de certeza, confiança e equilíbrio na distribuição da Justiça."


Temos, assim, na opinião ponderável de eminentes doutrinadores quanto às inconveniências do uso amplo da ação rescisória, recomendando sua limitação através de critérios restritos de admissibilidade.


O núcleo de tal critério assenta-se na "razoável interpretação" que, como pedra angular, discerniria as decis¨es passível de rescisão das que, ainda que não se filiem à jurisprudência dominante, não podem ser enquadradas como violação literal de lei.


Aqui surge o ponto nodal do debate: qual é interpretação que os Tribunais dão à "interpretação razoável" das decis¨es rescindendas ? Parece extreme de dúvida que tal interpretação deve se basear em critérios OBJETIVOS, não havendo, nesse caso, espaço para o subjetivismo do julgador rescisório, sob pena de grande instabilidade jurídica, tanta quanto pode ser instável a interpretação humana do que subjetivamente é razoável.


É compreensível que "razoável" para o indivíduo seja sempre a sua própria opinião, sendo mecanismo psicológico conhecido a justificação das idéias próprias pela classificação das idéias divergentes como "não razoáveis". Assim, a tentação de auto-reconhecimento de sua própria racionalidade como desqualificação da racionalidade do outro, torna-se quase irresistível. Para muito além do normalmente previsto na sistemática regular dos recursos, o instituto da ação rescisória, sem limites objetivos, torna-se instrumento de imposição da opinião majoritária dos Tribunais, pela submissão das instâncias inferiores às opini¨es "razoáveis" das instâncias superiores, com prejuízo também à pluralidade de idéias e a independência funcional que deve estar presente em todo o julgamento, não como direito do magistrado, como garantia democrática do cidadão.


Assim, somente através do critério objetivo de "interpretação razoável" pode-se assegurar que o nobre finalidade da ação rescisória (a supremacia da Justiça sobre a verdade formal) não possa ser desvirtuada.


No último e recente Anteprojeto de Código de Processo do Trabalho, elaborado por Comissão do Tribunal Superior do Trabalho está previsto, no artigo 191 e seguintes que:


"Cabe a ação rescisória da sentença de mérito transitada em julgado quando proferida:... III- com fundamemto ou conclusão que atente contra literal disposição de lei federal;..." (com grifo nosso).


Ali, neste importante Anteprojeto, de certo modo, repetem-se as regras do atual artigo 485 do Código de Processo Civil em vigência. Estranha-se, apenas, mas muito, que o fundamento da decisão possa vir a ser objeto de ação rescisória. Por outro, assinala-se que, somente, a ofensa a lei federal que pode viabilizar a ação rescisória, o que é importante e justa limitação.


No momento, importa a nós resgatar o entendimento, ainda, dominante nos Tribunais, o qual, por vezes, quase tem sido esquecido:


"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais." (Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal)


Acrescente-se que esta compreensão está confirmada nas orientaç¨es do Tribunal Federal de Recursos e do Tribunal Superior do Trabalho:


"Não cabe ação rescisória por violação de literal disposição de lei se, ao tempo em que foi prolatada a sentença rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais."(Súmula 134 do Tribunal Federal de Recursos).


"Não cabe ação rescisória por violação literal de lei quando a decisão rescindenda estiver baseada em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais."(Enunciado 83 do Tribunal Superior do Trabalho).


Com viva perspicácia, o conceito de "segurança" foi, mais recentemente, analisado por Luiz Melíbio Uiraçaba Machado, in "Liminares e Cautelares", Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, l991, página 94:


Estas ponderaç¨es levam à conclusão de que há, hoje, uma imposição da sociedade no sentido de que os problemas jurídicos que representem um dano de gravidade sejam protamente atendidos. Em nossos dias, a palavra "segurança" encontra-se extramente valorada e passou a ter uma conotação jurídica diferente daquela dada pelo positivismo legal que lhe atribuia a idéia de previsibilidade do comportamento das pessoas e previsibilidade das decis¨es. Havia, no Direito, um sentido de permanência que permitia prever os resultados. Assim, dado um determinado caso, para o qual já havia um precedente jurisprudencial ou, dado um artigo de lei, que já havia sido interpretado, as possibilidades de mudanças nestas novas decis¨es eram remotas. Atualmente, está se deslocando a idéia de segurança por previsibilidade, para segurança no sentido de celeridade e evitação de danos e prejuízos irreparáveis."


Afirma-se a atualidade da Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal, a qual merece e exige nova transcrição:


"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".


Concluímos que já é possível indicar-se a urgência do tema. Corre-se o risco de, na prática, atentar-se contra a própria efetividade da prestação jurisdicional.


Observação. No V Conamat, Congresso da Magistratura do Trabalho, realizado em Porto Alegre, em 1994, estas idéias foram aprovadas com a seguinte alteração/conclusão: "Há necessidade de amplo debate sobre o tema. Firmam posição contra a tendência de transformar a açãoa escisória em nova instância".


Luiz Alberto de Vargas


Ricardo Carvalho Fraga


Juízes do Trabalho no Rio Grande do Sul