O ESTADO E A GREVE

A greve sempre foi ponto de difícil ponderação para a doutrina, pelas amplas conseqüências sociais e políticas de qualquer movimento paredista.  Pelos mesmos motivos,  nenhum Estado desistiu de regular o conflito. Conforme Norberto Bobbio, “a partir do momento em que o Estado avocou a solução dos conflitos, ele passou a dever Justiça”. Para tanto, “o Estado deve regular o exercício do direito de greve, não no sentido de restringi-lo, mas de garantir o bem estar comum, e, por outro ângulo, retirar as causas geradoras de que movimentos dessa natureza são consequência”.

Ao contrário do que pregavam os teóricos do “absenteísmo” ou da não-participação do Estado na intermediação dos conflitos coletivos, a intervenção estatal acentuou-se, a ponto de surgir, a partir dos anos 80, o chamado “neocorporativismo”, pelo qual se procura dar conta da sobrecarga das pretensões e das expectativas sociais no circuito político-democrático pela incapacidade do sistema parlamentar e da administração pública em canalizar o conflito. Através dele, recorre-se à institucionalização de mecanismos de conciliação entre o governo, os sindicatos e as associações profissionais. Também como consequência desta tendência à institucionalização dos conflitos coletivos,  a greve, antes considerada um “caso de polícia”, passou, paulatinamente, a ser encarada como um “caso de política”, ganhando reconhecimento como forma legítima de pressão social dos trabalhadores na busca de solução de conflitos coletivos, bem como instrumento efetivo dos mesmos em prol da melhoria de sua situação social.

 A greve, assim, é elemento fundamental dos movimentos dos trabalhadores, configurando-se como manifestação da chamada “autonomia privada coletiva”, inerente das sociedades democráticas.

Em uma  conceituação clássica, greve "é a suspensão do trabalho levado a cabo concertadamente por uma coalizão de trabalhadores com o objetivo de lograr o equilíbrio entre os fatores de produção, logrando-se com ela a aplicação efetiva de uma justiça social no âmbito dos interesses do capital e do trabalho"

 O registro do conceito "clássico" não pode nos fazer esquecer que a realidade ocorre com muito maior  riqueza do que as tentativas de sua análise e previsões.  A greve pode ocorrer, não somente por razões econômicas, mas  também por razões políticas, sociais ou mesmo de solidariedade.

A Constituição Brasileira é bem clara, ao não limitar a greve no campo das reivindicações meramente econômicas, mas, ao contrário, deixando unicamente aos próprios trabalhadores a decisão sobre a oportunidade da greve e os interesses a serem por ela defendidos, art. 9º,  Constituição.

  Fazemos tais considerações para lembrar que a greve de servidores, talvez, seja algo novo, não previsto ao início do sistema capitalista. Hoje, com a maior presença do Estado e um número crescente de servidores públicos, é fenômeno que não pode ser desprezado. Exige um tratamento na doutrina e na legislação. Certamente, tem peculiariedades diversas da greve "clássica" do empregado contra o empregador, acima de tudo, porque na outra parte está a sociedade toda. Na sua origem, existe a exata mesma situação de um trabalhador buscando melhores condições de trabalho. Em outras linhas, examinamos a relevante e recente decisão do Supremo Tribunal Federal, sobre o tema, em debate que, certamente, prosseguirá para melhores definições, inclusive havendo mais de um projeto de lei, tramitando no Congresso Nacional.

Ricardo Carvalho Fraga e Luiz Alberto de Vargas

Desembargadores do Trabalho no TRT RS